A ineficácia de atos praticados antes da falência

AutorBeatriz Villas Boas Pimentel Trovo
Páginas221-238

Page 221

Mandado de Segurança n. 994.09.337682-8 -(TJSP)

Comarca: José Bonifácio (1a Vara Cível - Proc. n. 513/2005)

Imptes.: Empresas Iansa S/A; Iansa Overseas Limited

Impdo.: MM. Juiz de Direito da 1a Vara Judicial da Comarca de José Bonifácio

Litisconsorte: The Vision II Private Equity FundLP

Ementa: "Mandado de Segurança - Falência - Cessão de quotas sociais - Trespasse de estabelecimento - Falta de iliquidez e certeza do direito invocado.

"Não se confunde cessão de quotas com trespasse de estabelecimento, este último vedado pelo art. 129, caput, VI, daNLF.

"Segurança concedida."

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n. 994.09.337682-8, da Comarca de José Bonifácio, em que são impetrantes Empresas Iansa S/A e Iansa Overseas Limited sendo impetrado MMJD da P Vara Judicial da Comarca de José Bonifácio.

Acordam, em Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "concederam a ordem. V.u. Fará declaração de voto vencedor o 2ojuiz", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Elliot Akel (Presidente sem voto), Romeu Ricupero e Araldo Telles.

São Paulo, 14 de setembro de 2010.

Lino Machado - Relator.

VOTO N. 13.481 Vistos.

Mandado de segurança contra ato do Juízo de Primeiro Grau (fls. 992/996), que declarou ineficaz a alteração 12a do contrato social da Sófruta Indústria Alimentícia Ltda. (fls. 424/427), por meio da qual as impetrantes se retiraram do quadro societário da empresa. Argúem que o juízo declarou ineficaz negócio jurídico perfeito violando direito líquido e certo

Page 222

(fl. 18, item 56); bem como que a cessão de quotas realizada pelas impetrantes não se confunde com transferência de estabelecimento comercial, pois a Sófruta não sofreu nenhuma redução do seu patrimônio. Concedida liminarmente a ordem de suspensão da r. decisão agravada (fls. 1.019/1.020), mantida à fl. 1.057, vieram informações do juízo de primeiro grau às fls. 1.090/1.091; manifestação do administrador judicial e parecer do Ministério Público ambos pela negativa da segurança, se não reconhecida a carência da ação ante a inadequação da via processual (fls. 1.117/1.123 e 1.279/1.289). Não veio manifestação da litisconsorte (fl. 1.276).

É o relatório.

Não havendo notícia de que as impetrantes participassem do processo (de concordata preventiva, de recuperação judicial ou da falência), cabível, por esse aspecto, a impetração do mandado de segurança (v. Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa e Luis Guilherme Aidar Bondioli, com a colaboração de João Francisco Naves da Fonseca, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 42a ed., São Paulo, Saraiva, 2010, nota 9 ao art. 5o da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009).

A r. decisão impugnada fundamenta--se no art. 129 da NLF para declarar "a ineficácia da 12a alteração contratual e seguintes do contrato social da falida", e o faz com a seguinte argumentação:

"Não se trata o caso vertente de alienação dos bens componentes do estabelecimento e sim a transferência da titu-laridade do estabelecimento. Veja-se que de acordo com a já mencionada alteração do contrato social (fls. 4.400/4.403), a sócia Empresas Iansa S/A transfere à Iansa Overseas Ltd., em decorrência de transação ocorrida no exterior, a totalidade de suas quotas (grifos do original), que, no mesmo ato, transferiu a totalidade de suas quotas (grifos do original), para a sócia The Vision II Private Equity Fund LP" (fl. 995). Acrescenta: "De todo modo, independentemente da existência à época da alienação de passivos ocultos, conforme relatório de auditoria de fls. 4.510/4.614, já se dava conta da existência de passivo e não há notícias de que notificaram os credores para anuírem ou não com a venda" (fl. 996).

Em seu parecer, o administrador judicial, quanto ao mérito, espera a denegação da segurança sob a alegação de que "para efetivação da alteração do quadro societário foi levantado balanço datado de 30.3.2004, donde restou apurado o registro Contas a Pagar R$ 51.484.993, porém, o documento anexo demonstra que a dívida da empresa naquela ocasião era de R$ 101.882.764, ou seja, o documento contábil que serviu de base para a exclusão das impetrantes do quadro societário da falida, 'camuflou' um passivo de R$ 50.000.000,00" (fl. 1.121). Complementa: "Parece óbvio que a cessão de quotas visou além da transferência dos ativos, a exoneração quanto à responsabilidade do passivo, consequência direta da cessão de quotas é, a transferência para terceiros, de todos os direitos e obrigações atinentes à propriedade das cotas sociais da empresa", razão pela qual "a norma disposta no inciso VI do art. 129 da Lei 11.101/2005 incide no caso dos autos, cabe lembrar que se trata de ineficácia objetiva, o que não depende da perquirição de fraude, visando justamente desencorajar manobras como esta realizada pelas impetrantes, que no final buscam benefício próprio em detrimento aos interesses de seus credores, que, não fosse pela decisão guerreada, jamais teriam esperança de reverem seus créditos" (fl. 1.122).

Não discrepa das palavras do administrador judicial o parecer da Procuradora de Justiça Maria Cristina Pera João Moreira Viegas:

"A alteração do controle societário com a retirada das sócias, ora impetrantes, em face da alienação da totalidade de suas participações societárias para The Vision II Private Equity Fand, implica alienação de direitos e verdadeiro trespasse do es-

Page 223

tabelecimento empresarial para este, e foi considerado ineficaz em relação à massa falida posto que o art. 129 da nova lei fa-limentar, em seu inciso VI, prevê que a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se no prazo de 30 dias, não houver oposição dos credores, após regular notificação judicial ou pelo cartório de títulos e documentos" (fl. 1.285).

No acórdão desta Câmara no AI n. 556.674-4/0-00, relatado pelo Desembargador Pereira Calças, com votos vencedores do Desembargador Romeu Ricupero e deste ora relator, proferido em 9 de junho de 2009, lê-se:

"Ora, a alteração do controle societário, com a retirada do sócio agravante e da sócia Ivonildes Ferreira de Souza, em face da cessão de todas as quotas sociais, implica alienação de direitos, com o consequente trespasse do estabelecimento empresarial para a Codep, que foi realizada após a distribuição do pedido de recuperação judicial, sem o reconhecimento da evidente utilidade pela Juíza e sem a oiti-va do Comitê, ou da Assembleia Geral de Credores, o que acarreta maltrato ao art. 66 (nota: da Nova Lei de Falências), que, se não é expressamente prevista como hipótese de decreto de falência, evidentemente, tem que ser levado em conta no reconhecimento de que a ausência do plano de recuperação, aliada à transferência de quotas sociais, retirada de sócios, trespasse de estabelecimento, sem expressa comunicação à Juíza, sem reconhecimento da utilidade do negócio e sem autorização dos credores, caracteriza infração legal.

Impende destacar que o art. 66 da Lei n. 11.101/2005, não prevê, de forma expressa, qual a sanção a ser aplicada para a hipótese de seu descumprimento.

A maioria da doutrina não se pronuncia a respeito da infração ao art. 66, conforme se verifica nas leituras de Jorge Lobo (p. 170) em Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, co-ord. por Paulo F. C. Campos Salles de Toledo e Carlos Henrique Abraão, São Paulo, Saraiva, 2005; de Manoel Justino Bezerra Filho, pp. 191-192, em Lei de Recuperação de Empresas e Falências Comentada, 5a ed., São Paulo, Ed. RT, entre outros.

Fábio Ulhoa Coelho trata expressamente das consequências da inobservância do art. 66. Diz o professor da PUC:

"No dispositivo equivalente da lei anterior (na verdade, no referente às limitações impostas ao concordatário) - art. 149 -, a inobservância das restrições legais acarretava a ineficácia do ato em caso de falência.

"Não há previsão semelhante na lei atual. Desse modo, a inobservância das restrições deve ser considerada descumprimento de obrigação legal por parte do requerente da recuperação judicial, em razão da qual cabe a convolação desse processo em falência" (Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 2a ed., Saraiva, 2005, pp. 179-180).

Acompanho tal entendimento, pois foi praticada grave infração à Lei n. 11.101/ 2005, consistente na cessão das quotas sociais, com a consequente alteração integral do quadro societário, e - ainda que persistindo a mesma pessoa jurídica -, ocorreu autêntica alienação do controle de todo o ativo e passivo, com o automático trespasse do estabelecimento empresarial, sem que se tenha observado o art. 66, o motivo pelo qual o decreto da quebra é a consequência inexorável."

No caso sob exame, a r. decisão impugnada, considerando que a 12a alteração contratual aconteceu em 15 de junho de 2004, ou seja, no termo legal da falência, declarada esta, como se vê a fls. 147/152, em 17 de julho de 2008 (veja-se a respeito a menção feita pelo administrador judicial, no documento copiado a fls. 153/185,

Page 224

especificamente à fl. 174, primeiro parágrafo, de que "foi fixado em 90 dias antes do primeiro protesto, que por sua vez foi lavrado em 27.7.2001, ou seja, 27 de abril de 2001"), declarou sua ineficácia (fls. 992/996). Tenha-se em conta, também, que a petição de concordata preventiva foi protocolada em 2 de junho de 2005 (ver fl. 68), isto é, poucos dias antes de completado um ano da 12a alteração contratual. O processamento da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT