Insolvência Bancária.

AutorAntonio Augusto Cruz Porto
Páginas171-181

Page 171

Os escritos antecedentes intuíram demonstrar as razões pelas quais o Estado compôs, nos planos normativo (na forma de um cabedal jurídico próprio), político (congregando o alinhamento de políticas públicas voltadas à preservação do sistema financeiro) e econômico (estabelecimento de condutas dirigidas à estabilização monetária), peculiares instrumentos de defesa do setor bancário convergidos ao interesse coletivo e ao desenvolvimento nacional.

Em idêntica medida, fixou-se que as instituições financeiras exercem papel preponderante na economia do País, motivo a ensejar especial atenção dos órgãos reguladores aos movimentos de instabilidade sazonalmente incidentes dentro do Sistema Financeiro Nacional, buscando preservá-lo contra crises sistêmicas, estabilizá-lo em momentos de oscilação econômica e saneá-lo quando da ocorrência de iliquidez temporária e setorizada.

Porém, quando o arsenal estatal falha, quando as instituições financeiras padecem de insuficiência patrimonial real e absoluta, como o Estado age? Quais são os mecanismos jurídicos de intervenção em instituições insolventes? No passado e no presente, como o Estado brasileiro tem agido para preservar o Sistema Financeiro Nacional? Avistar-se-ão em breve algumas respostas aos questionamentos lançados. Antes, contudo, atraca-se o veleiro na definição do termo ‘insolvência’, em consonância aos termos dispostos na Lei 6.024/74 e na Lei

Page 172

11.101/2005 (Lei de Falências), aplicada subsidiariamente1

aos procedimentos de intervenção e liquidação extrajudicial.

Cabe ponderar, inicialmente, que a insolvência bancária não é a única razão a implicar interferência estatal2nas instituições financeiras, embora seja este o cerne do estudo ora desenvolvido. Segundo a legislação de regência, outras há a oportunizá-la, como na hipótese de intervenção nos casos em que forem verificadas reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária, não regularizadas após as determinações do Banco Central do Brasil3, ou mesmo quando a entidade sofrer prejuízo decorrente de má administração, que sujeite a riscos os seus credores4.

Na mesma medida, a ingerência do estado, pela via do decreto de liquidação extrajudicial, também pode ocorrer ex officio5quando a administração violar gravemente as normas legais e estatutárias que disciplinam a atividade da instituição, bem como as determinações do Conselho Monetário Nacional6e/ou do Banco Central do Brasil, bem assim quando, cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos 90 (noventa) dias seguintes, sua liquidação ordinária, ou quando, iniciada esta, verificar o Banco Central do

Page 173

Brasil que a morosidade de sua administração pode acarretar prejuízos para os credores7.

O mote de análise reside na insolvência - ou no risco de ela vir a ocorrer. Talvez seja essa a principal causa da criação de recursos estatais interventivos: evitar a insolvência do banco, mas, quando não for possível fazê-lo, minorar os impactos dela decorrentes, responsabilizando pessoalmente os seus administradores e controladores8.

É assim que os artigos 2º, inciso III9(que trata das hipóteses de intervenção do Banco Central), e o artigo 15, inciso I, alínea ‘a’10(que trata dos pressupostos da liquidação extrajudicial), ambos insculpidos na Lei 6.024/74, remetem os critérios de verificação do estado de insolvência à Lei de Falências (antigo Decreto-lei 7.661/1945 e atual Lei 11.105/2005). Da legislação falimentar e da própria doutrina que a interpreta,

Page 174

portanto, extraem-se algumas importantes percepções acerca da concepção de insolvência, tendo em vista ser esta uma das possíveis razões a implicar a decretação de falência do empresário comum e, igualmente, também poder ser motivo a resultar intervenção ou liquidação extrajudicial de instituições financeiras pelo Banco Central.

Dessa maneira, é comum a distinção, a priori, entre iliquidez e insolvência, cada qual podendo demandar diferentes intervenções do Estado, via órgão regulador.

Na primeira hipótese (a iliquidez), pressupõe-se uma anormalidade temporária, relativamente passageira, comumente relacionada a dificuldades no fluxo de caixa para fazer frente ao cumprimento das obrigações de curto ou médio prazo de vencimento, situação que pode ensejar auxílio prestamista do Banco Central mediante injeções de liquidez na instituição financeira11, conforme se observou em tópico precedente.

Na segunda (a insolvência), revela-se não uma situação de anormalidade temporária de circulação financeira, mas a aferição de passivos financeiros superiores aos ativos da empresa, porquanto a soma de todo conteúdo patrimonial ainda é inferior ao conjunto de débitos contraídos. São propriamente "situações em que o patrimônio do comerciante, ou da sociedade mercantil, esteja desbalanceado adversamente, em que o passivo seja superior ao ativo, por força do que os credores não receberão, integralmente, seus créditos contra tal devedor"12.

Page 175

Importante refletir que a iliquidez pode ser sanada por meio de céleres injeções financeiras, introduzindo recursos a fim de atender às demandas com termo de finalização mais exíguo, cuja compensação (quitação, pagamento) poderia ser ulteriormente satisfeita com o levantamento de outros recur-sos da empresa, com o recebimento de valores futuros ou com a alienação de ativos imobilizados. De outro modo, a insolvência não permite resoluções de curto prazo, porquanto a profundidade do problema perpassado pela empresa é mais acentuada, de modo que anódinas incorporações de liquidez, além de não resolver definitivamente a sangria - porquanto apenas a estancam paliativamente -, podem resultar em desperdício de recursos em instituições com déficits deveras complexos de administração e de gestão patrimonial e orçamentária13.

Outra separação importante, desta feita entre insolvência e falência, estabelecem Márcia Carla Pereira Ribeiro e Marcelo Bertoldi, no sentido de que "não são expressões sinônimas, muito embora a primeira esteja condicionada à existência, ao menos presumida, da segunda"14. Para referidos autores, a "insolvência é o estado de fato caracterizado pela existência de um passivo maior do que o ativo do empresário"15. A

Page 176

despeito de o rigor técnico ainda possibilitar a dissociação entre os termos insolvência e insolvabilidade, aos propósitos a que aqui se dedica, faz-se uso de ambas como se expressões sinônimas fossem, muito embora caiba o relevante aparte distintivo16.

Fábio Ulhoa Coelho, por outro lado, acentua que "o estado patrimonial do devedor que possui o ativo inferior ao passivo é denominado insolvência econômica ou insolvabilidade". Revela, contudo, que essa situação (insolvência) não deve ser entendida como um pressuposto de fato, mas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT