Instituicoes do poder local no Brasil e em Angola/Local power institutions in Brazil and Angola.

AutorSantin, Janaina Rigo

Introdução

Atualmente, quase a totalidade dos países mundiais se afirma democrática. O conceito de Democracia advém de toda uma tradição histórica, por meio de tentativas de acerto, prova e erro, em que cada conceito tem sua história e que essa história está relacionada com o destino das sociedades e de suas organizações políticas. Mas afirma Giovanni Sartori (1) que ao se tentar definir a Democracia, não é possível se satisfazer com esse conhecimento herdado, mas sim a partir dele construir algo novo. Aprender com o passado com olhos para o futuro, a fim de se buscar não o que a Democracia foi, mas o que ela pode e deve ser.

A Democracia é um ideal de todas as nações, um processo de busca, em que novos valores vão sendo incorporados, com o rompimento dos contrários e que, como tal, ela nunca se realiza inteiramente, pois a cada nova conquista feita abrem-se outras perspectivas, novos horizontes ao seu aperfeiçoamento. Cada nação deve encontrar o seu caminho, de acordo com a época vivenciada e o lugar, a cultura, as tradições, segundo o nível e caráter do seu povo. Mas é consenso geral de que tudo leva às formas democráticas, como ideal maior, o qual marcha lado a lado com o reconhecimento do princípio da participação popular e a afirmação de que o poder emana do povo e para ele deve ser exercido.

É impossível a Democracia prescindir da representação, ante a magnitude dos Estados contemporâneos, totalmente diferentes das polis gregas. As eleições são fundamentais, como um procedimento instrumental da expressão da confiança popular em seus representantes. Mas não absorvem a plenitude da Democracia, que deve ser mantida viva durante toda a gestão pública do eleito. Assim, para efetivar realmente a Democracia é preciso que o povo imponha limites e controle efetivos do poder, podendo impugnar sua atuação pelo caráter crítico, aberto e dialógico que devem possuir as sociedades democráticas.

Entretanto, não basta apenas o controle do poder. É preciso também que o povo participe do poder, indo além da representação, para conjugar-se a Democracia representativa com a Democracia participativa. Não se pode resumir a Democracia apenas no poder do povo em eleger seus representantes periodicamente. Além disso, a participação eleitoral é apenas uma das formas de participação. Essa concepção favorece o desinteresse sistemático dos administrados pela vida política, favorece a apatia, a abstenção, a resignação ante a corrupção, a falta de confiança nos governantes e a abdicação da participação na vida pública, fatores que corroem o ideal democrático. Tal é a realidade constatada nos dois países aqui estudados, Brasil e Angola, os quais possuem uma história comum e também a língua oficial comum, bem como comungam da necessidade de fortalecer suas instituições democráticas.

O que se busca estudar aqui é a categoria do Poder Local, o qual é apontado nos dois países estudados como "uma possível solução, mediante processos de descentralização, de participação e de autonomia em âmbito municipal ou regional. Cada cidadão assume, conjuntamente com os governantes, o ônus e o bônus de assegurar seus direitos elementares, mediante gestões democráticas participativas locais." (2) Trata-se, portanto, de um novo paradigma de gestão pública, capaz de aliar participação com descentralização, valorizando-se o pluralismo (3) que existe tanto em Angola quanto no Brasil. Em Angola, o Poder Local está positivado em vários momentos na Constituição da República de Angola de 2010, em especial em seu artigo 213 e seguintes, e engloba as instituições do poder tradicional, as autarquias locais e outras modalidades específicas de participação dos cidadãos. Já no Brasil, o Poder Local encontra-se implícito, derivado do princípio democrático (art. 1.o parágrafo único da Constituição Brasileira de 1988) e da previsão constitucional de elevação do Município a ente federativo, com autonomia política, administrativa, financeira e legislativa, com competências e poderes próprios.

Assim, pelo método dedutivo, o presente artigo tenciona problematizar a questão do Poder Local no Brasil e também em Angola, analisando as instituições que o compõe em ambos os países e o grau de efetividade que elas apresentam. Salienta-se que Angola e Brasil possuem um passado e uma língua em comum, além de inúmeros elementos culturais, o respeito à diversidade, a música, as cores, as crenças e a alegria de viver de seus povos.

  1. Poder Local no Brasil

    A promulgação da Constituição Federal de 1988 faz parte de um processo que atribuiu autonomia política, legislativa, administrativa e financeira para as municipalidades. Instaurou-se uma ordem fundamentada na ideia de que o Estado, impositivo sobre uma comunidade subordinada, deveria ser substituído pelo desenvolvimento de uma vida ativa politicamente por parte dos seus cidadãos, tanto individual quanto coletivamente considerados. Esse fator pode ser observado até mesmo com a Assembleia Constituinte que originou a Constituição de 1988, eis que contou com a participação de vários segmentos da sociedade, revitalizando o processo de democratização da vida pública, obstado pelo regime militar. (4)

    A atual Carta Política Brasileira optou pela descentralização da administração pública, a conferir, como nenhuma antes, verdadeira autonomia ao ente municipal, garantindo-lhe todas as prerrogativas do princípio federativo. Também aumentou as atribuições à entidade federativa municipal, com vistas a tornar os serviços prestados à população mais eficientes e garantir, assim, o atendimento de suas necessidades. Inovou por integrar o Município a ente de terceiro grau na Federação Brasileira, e sua autonomia foi ampliada em quatro aspectos: político, administrativo, legislativo e financeiro. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 passou a conferir ao Município todos os poderes inerentes à autonomia de um ente federado: poder de auto-organização, poder de autogoverno, poder de auto legislação e poder de autoadministração. E, ao mesmo tempo em que garante autonomia municipal, a Constituição Federal de 1988 também estabelece os princípios norteadores da soberania popular, em seu artigo 1. parágrafo único, assegurando constitucionalmente não apenas o povo como titular do poder político, mas também a sua participação no exercício deste poder, nos termos da Constituição. Nas palavras de Luciane Moás "A Constituição Federal institucionalizou o poder popular, ou seja, a soberania como única fonte de poder legítimo" (5).

    Assim, a partir de 1988 o Brasil adotou como forma de governo a Democracia semidireta, na qual o povo é o detentor real do poder, mas o exercício do governo se dá por meio de representantes políticos (representação partidária) eleitos periodicamente, os quais devem dividir este poder com os cidadãos, por meio de mecanismos participativos normatizados na própria Carta (art. 14 da Constituição Federal). Ou seja, além da tradicional participação política indireta, (por via da representação, com pluripartidarismo e sufrágio universal), no Brasil é possível realizar a participação do povo no exercício do poder político tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo e o Judiciário.

    No Poder Legislativo percebe-se o princípio da participação no artigo 14 da Magna Carta, por meio dos seguintes institutos: a) o plebiscito: o povo é chamado a decidir por meio de votação sobre mudança a ser introduzida nas instituições estatais (art. 14, I); b) o referendo: submeter à apreciação do povo decisões de seus representantes, que serão ratificadas ou não (art. 14, II); e c) a iniciativa popular: o povo pleiteia coletivamente seus interesses perante seus representantes, apresentando projeto de lei firmado por percentual representativo dos cidadãos (art. 14, III). Além disso, é preciso ressaltar a obrigatória participação da população na elaboração, em âmbito municipal, do Plano Diretor (artigo 182 da Constituição Federal de 1988 e Lei 10.257/2001) e nas leis orçamentárias (Lei Complementar n. 101/2000).

    Já no Poder Executivo a participação da população se dá por meio dos conselhos municipais, os quais possibilitam que entidades da sociedade civil e os próprios munícipes possam participar da elaboração das políticas públicas municipais na área da saúde, meio ambiente, educação, planejamento urbano, desenvolvimento econômico, idosos, dentre outros. Também é no executivo municipal que podem ser instaladas as ouvidorias, ou ombudsman, que é um setor responsável por fazer a mediação entre os cidadãos e os órgãos da administração direta e indireta municipal, com vistas a levar queixas de má prestação dos serviços públicos aos órgãos competentes.

    Por fim, no Poder Judiciário pode-se perceber os seguintes mecanismos de participação dos cidadãos na tomada das decisões judiciais: julgamentos de crimes dolosos contra a vida são realizados pelo júri popular; juízes leigos, conciliadores e mediadores, os quais são pessoas da comunidade e/ou advogados, que fazem funções jurisdicionais em causas cíveis de menor valor ou crimes de menor gravidade; amicus curiae, representante da sociedade civil em cortes superiores, que vai defender interesses específicos em processos de alta repercussão. Conforme o entendimento de Cláudio Ladeira de Oliveira e Miguel Etinger de Araújo

    Quando a Constituição determinou que a democracia participativa seria um modelo para o país, e o legislador infraconstitucional operacionalizou-a, colocou em prática este modelo, tem-se que a conquista social de participação na gestão das cidades é um avanço da própria sociedade e se o direito constitucional direciona à ampliação desta conquistas, qualquer tentativa de diminuí-las constituirá afronta aos comandos constitucionais. (6) Assim, o Poder Local no Brasil apresenta-se como um novo paradigma para o exercício do poder, aproximando a gestão administrativa das reais necessidades da sociedade. Esse "espaço local" no Brasil é o Município, unidade básica de organização social, mas também o...

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