A interdependência entre democracia, bem comum e direitos humanos contribuições jusnaturalistas

AutorElden Borges Souza, Victor Sales Pinheiro
CargoUniversidade Federal do Pará (UFPA)/Universidade Federal do Pará (UFPA)
Páginas233-267
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Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE DEMOCRACIA, BEM
COMUM E DIREITOS HUMANOS: CONTRIBUIÇÕES
JUSNATURALISTAS
THE INTERDEPENDENCE BETWEEN DEMOCRACY, COMMON GOOD
AND HUMAN RIGHTS: NATURAL LAW CONTRIBUTIONS
Elden Borges SouzaI
Victor Sales PinheiroII
Resumo: A democracia é apresentada atualmente como
o melhor modelo político e social. No entanto, os
confrontos internos entre concepções morais contrapostas
apresentam um desao às visões liberais e utilitaristas
de democracia. Anal, na ausência de um critério moral
para avaliar o fato democrático é impossível serem
diferenciados governos que respeitam os direitos humanos
e governos que os violam. Perde-se, assim, a compreensão
do signicado da democracia. Isso, por sua vez, afeta o
conceito e a proteção dos direitos humanos. Destarte,
esta pesquisa apresenta como hipótese a possibilidade de
o bem comum aristotélico-tomista trazer contribuições
à justicação moral das democracias contemporâneas
e, a partir disso, aos direitos humanos. Analisando a
teoria social tomista, é possível discutir em que medida
o bem comum público permite compreender a nalidade
e os limites da comunidade política e de seu governo.
Consequentemente, a partir de uma concepção clássica
de Direito Natural, questiona-se a possibilidade de o bem
comum permitir a justicação do governo democrático
em sociedades plurais, garantindo os direitos humanos de
forma abrangente. A análise é por meio de uma revisão
bibliográca, baseando-se na discussão dos autores
primários, como Aquino e John Finnis, e seus críticos
liberais. Conclui-se pela necessidade de uma justicação
da democracia baseada na ideia de persecução do bem de
todos, o qual pode ser racionalmente identicado a partir
da noção de bem comum político e viabilizará a garantia
dos direitos humanos.
Palavras-chave: Democracia. Lei Natural. Direitos
Humanos. Bem comum.
DOI: 10.20912/rdc.v15i36.14
Recebido em: 15.02.2020
Aceito em: 03.04.2020
I Universidade Federal do
Pará (UFPA), Belém, PA,
Brasil. Doutorando em
Direito. E-mail: elden.
borges@gmail.com
II Universidade Federal do
Pará (UFPA), Programa de
Pós-Graduação em Direito
da UFPA, Belém, PA, Brasil.
Doutor em Direito. E-mail:
vvspinheiro@yahoo.com.br
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Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 15 | n. 36 | p. 233-267 | maio/agos. 2020
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v15i36.14
Abstract: Democracy is presented as the best political
and social model. However, internal clashes between
opposing conceptions on moral present a challenge to the
liberal and utilitarian views of democracy. After all, the
absence of a moral criterion for assessing the democratic
fact prevents a differentiation between governments that
respect human rights and governments that violate them.
We lose understanding of the meaning of democracy. This
affects the concept and protection of human rights. Thus,
the present Paper presents as hypothesis the possibility
of the common good Aristotelian-Thomist bring
contributions to the moral justication of contemporary
democracies and, hence, to human rights. Analyzing
Thomist social theory, it is possible to discuss to what
extent the public common good allows to understand
the purpose and limits of the political community and its
government. Consequently, from a classical conception of
Natural Law, the question is whether the common good
allows the justication of democratic government in plural
societies, guaranteeing human rights comprehensively.
The research is by means of a bibliographical review,
basing itself on the discussion of the primary authors
such as Aquinas and Finnis, their liberal critics and the
respective commentators. It concludes by the need for a
justication of democracy based on the idea of pursuing
the general well-being, which can be rationally identied
from the notion of the political common good and will
make it possible to guarantee human rights.
Keywords: Democracy. Natural Law. Human Rights.
Common good.
Introdução
Ao se comparar a maioria das sociedades modernas com as
sociedades antigas ou pré-modernas, é possível perceber que uma
das grandes diferenças diz respeito à sua composição. Enquanto se
poderia identicar nas cidades gregas e romanas e nas vilas medievais
uma profunda ligação entre as pessoas – compartilhando a religião,
a etnia, a concepção moral, a cosmovisão, entre outros elementos –,
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A Interdependência entre Democracia, Bem Comum e Direitos Humanos...
Elden Borges Souza | Victor Sales Pinheiro
as sociedades contemporâneas são profundamente distintas entre si e,
principalmente, em sua própria formação. As pessoas estão separadas
por grandes abismos morais, religiosos, étnicos, nacionais e de visões
de mundo.
Alguns sociólogos que se dedicaram a estudar a Modernidade
perceberam essa mudança a partir da formação das cidades modernas,
tipicamente cosmopolitas. Autores como Robert Park e Louis Wirth
identicaram a cidade como um símbolo de todas essas mudanças.
Para eles, a Modernidade não é apenas fruto dessa diferenciação dos
indivíduos; ao contrário, parte do conceito do moderno está assentado
em uma necessária perda da coesão social. Retomando sociólogos
clássicos como Durkheim (1999) e Weber (1964), que distinguem a
comunidade espiritual pré-moderna, marcada pela unidade religiosa
da tradição, da sociedade comercial moderna, caracterizada pela
diferenciação e fragmentação do indivíduo que se arma independe
do grupo social a que pertence, Park (1984) e Wirth (1938) apontaram
que a sociedade moderna não apenas convive com a diferença, como,
principalmente, incentiva aquilo que é diferente e excêntrico.
Nessa perspectiva, as sociedades modernas não teriam mais
espaço para uma comunidade coesa, a qual está associada a uma baixa
diferenciação entre seus membros. A Modernidade promove sociedades
em que as relações entre seus membros são meramente funcionais e
racionalizadas. A estabilidade social, portanto, não decorre mais do
vínculo afetivo que a unidade de valores promovia entre os membros
da comunidade pré-moderna. A cidade cosmopolita representativa do
período contemporâneo está assentada sobre uma frágil estabilidade
que decorre da diferenciação de funções e que faz surgir uma necessidade
(acidental) do vínculo social (PARK, 1984; WIRTH, 1938).
Ao mesmo tempo em que se conclui isso, percebe-se a
consolidação de uma concepção segundo a qual a democracia é o melhor
regime político (SEN, 2010, p. 9). Em tal contexto, essa divergência
moderna é vista como a grande causa do “fato democrático”, que

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