Interpretação das normas de Direito Processual do Trabalho

AutorPedro Ivo Marques
Páginas223-231

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Pedro Ivo Marques 1

Introducáo

O presente trabalho tem a pretensao de analisar os métodos interpretativos e integrativos aplicáveis no proces-so do trabalho, com destaque ás alteracóes ocorridas por meio da reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017). Nao se trata de tarefa simples, pois o legislador ousou ao alterar diversos institutos processuais trabalhistas específicos a esse ramo do Direito.

Tratar-se-á dos métodos interpretativos da legislacao processual, com enfase no processo do trabalho, em especial no que toca á perspectiva constitucional. Após, ana-lisar-se-á os métodos integrativos aplicáveis ao processo do trabalho, com atencao especial á heterointegracao das normas.

Por fim, abordar-se-á institutos processuais específicos alterados e inseridos na Consolidacao das Leis do Traba-lho (CLT). Nesse ponto, nao há o objetivo de esgotar as possíveis interpretacóes sobre as inovacóes ocorridas pela reforma trabalhista; nesse caso, toda a abordagem tem como principal objetivo colaborar para uma possível unifi-cacao da interpretacao dos comandos processuais traba-lhistas, em que se busca dar mais seguranca jurídica aos jurisdicionados.

Métodos interpretativos da legislacáo processual

Com o advento da Lei n. 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, diversas foram as carizes modificativas relacionadas ao Direito Processual Trabalhista.

Nao obstante o próprio legislador lancar matizes sobre a aplicacao da lei (artigo 5º do Decreto-Lei n. 4.567/19422 e artigo 8º do Código de Processo Civil [CPC]3), ainda há incertezas sobre o real alcance das modificacóes legislativas bafejadas pela reforma trabalhista. Como assegura Kelsen4, na aplicacao da norma jurídica é necessária a sua interpretacao, ou entao, conforme aponta Maximi-liano5, toda aplicacao da norma jurídica supóe a sua interpretacao. Ainda, Ascencao6 nos ensina que, para que um enunciado se mostre claro, é impostergável a sua interpretacao.

Nesse interim, os métodos interpretativos da lei pro-cessual, que porventura sao os mesmos pertencentes á teoria geral do Direito, podem nos conduzir a caminhos mais seguros, cuja finalidade do legislador seja preservada, em conjunto com os princípios e as normas basilares da ciencia processual.

O objetivo central da interpretacao da lei processual é buscar o seu real significado e, por conseguinte, o seu real alcance, para que seja bem aplicada. Tarefa laboriosa, pois o brocardo romano in claris cessat interpretatio nao é apli-cável ao sistema jurídico brasileiro, ou seja, ainda que os textos normativos possam parecer claros, estes devem ser interpretados á luz de todo o sistema jurídico, podendo, inclusive, ser compreendidos de forma distinta da que re-sultaria da leitura isolada de seu conteúdo7.

A legislacao contemporanea brasileira se expressa por meio de palavras, logo, devemos interpretá-la no seu todo (sintaxe), mas nao menosprezando cada uma de suas pa-lavras. Assim, temos que a interpretacao da legislacao pro-cessual pode ocorrer por meio do método gramatical ou, até mesmo, filológico.

Entretanto, o ordenamento jurídico, organicamente composto por um sistema integrado de normas, em que a Constituicao Federal de 1988 (CF/88) passa a ser norma regente, deve ser considerado quando da interpretacao da lei processual. Nesse caso, a interpretacao da lei pro-cessual deve se ater á lógica sistemática do ordenamento jurídico que faz parte.

É sabido, também, que toda norma jurídica apresenta relacao direta e intrínseca com o fenomeno histórico-

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-cultural em que se insere, cujas aspiracóes da sociedade devem ser consideradas. Nesse contexto, toda norma busca um fim, e este fim, na perspectiva de Ihering8, estaria adstrito aos fins sociais que a norma pretende realizar. Logo, a interpretacao da lei processual deve se ater, tam-bém, á sua teleologia.

Vale ressaltar, ainda, que os ordenamentos jurídicos de outros Estados também podem conferir ao intérprete base para a busca do real alcance da lei processual. Nesse caso, temos que a interpretacao da lei processual também pode se valer dos métodos comparativos.

Nas licóes de Cintra, Dinamarco e Grinover: "A combi-nacao indivisível de todas essas pesquisas, aliada á cons-ciencia do conteúdo finalístico e valorativo do Direito, completa a atividade de interpretacao da lei"9.

Toda interpretacao promove um resultado. A combina-cao dos métodos interpretativos pode resultar em pelo menos quatro modelos interpretativos: (i) declarativo, (ii) extensivo, (iii) restritivo ou (iv) ab-rogante. No primeiro, o alcance da norma ocorre segundo o exato sentido das palavras contidas em seu enunciado. No segundo, alcanca casos nao previstos no enunciado da norma. No terceiro, alcanca apenas os casos previstos no enunciado da norma. E, por último, a interpretacao ab-rogante aponta que, se houver incompatibilidade entre preceitos legais, ou entao entre a norma posta e os princípios que a informam, temos que a aplicacao da lei nao deve ocorrer, pois é incom-patível com as bases do ordenamento jurídico.

De forma clara e objetiva, Garcia corrobora com o tema, quanto ao resultado dos métodos interpretativos, apon-tando que:

Interpretacao restritiva ou limitativa resulta na limita-cao do sentido da disposicao literal da norma jurídica, quando este parece dizer mais do que o efetivamen-te disposto.

A interpretacao extensiva ou ampliativa confere sentido mais amplo do que a literalidade da norma jurídica, aplicada quando a sua redacao nao corresponde ao real alcance da disposicao normativa.

A interpretacao declarativa é aquela em que a reda-cao da norma jurídica corresponde ao exato sentido normativo, sem a necessidade de restricao ou amplia-cao pelo intérprete10.

Entretanto, conforme as licóes de Marques11, os crité-rios de justica, seguranca e oportunidade deverao ser o norte do intérprete, para que se busque a melhor inter-pretacao para o caso concreto; todavia, os métodos interpretativos devem ser respeitados, ainda que utilizados um em detrimento do outro, mas sempre de forma razoável.

Com o avanco do constitucionalismo, há também que se considerar a interpretacao da norma processual conforme a Constituicao. Nesse sentido, o Direito Processual do Trabalho dever ser lido, interpretado e aplicado segundo princípios, normas e valores disciplinados na Constituicao Federal12.

Integrando-se aos métodos ordinários interpretativos, supratranscritos, aplicar-se-á a interpretacao conforme a Constituicao. Nao havendo razoável interpretacao basea-da nos métodos interpretativos e/ou constitucionais, sobre determinada norma, e se, ainda, esta nao afrontar a Constituicao, tem-se que a interpretacao deve se cunhar pelos valores axiológicos contidos na Constituicao, poden-do-se alargar ou restringir a norma a ser interpretada. Para Hesse13, nesse caso, a tarefa interpretativa é encontrar o resultado constitucionalmente racional, criando, dessa forma, certeza e previsibilidade legal.

Contudo, nas licóes de Canotilho14, a interpretacao conforme a Constituicao só pode ser considerada como legítima se os métodos interpretativos derem margem a algum tipo de abertura para mais de uma interpretacao, em que a prevalencia deverá ser a da interpretacao que estiver em conformidade com a Constituicao. Na prática, percebe-se que a melhor interpretacao seria aquela que se amolda á Constituicao Federal. Destaca-se, nesse aspecto, o Enunciado 1, da 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da Associacao Nacional dos Magistrados da Justica do Trabalho (Anamatra):

DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETACÁO E APLICACÁO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistemica da Constituicao, a estabilizar as relacóes sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Traba-lho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Moraes15, sopesando as licóes de Canotilho, nos traz ponderosa ressalva, apontando que a interpretacao conforme a Constituicao nao pode ser confundida com o controle de constitucionalidade, seja difuso, seja concentrado, que permite a declaracao de inconstitucionalidade de determinada lei. Nas licóes do autor, a interpretacao conforme a Constituicao nao pode contrariar texto expresso de lei, pois o Poder Judiciário nao pode substituir o Poder Legislativo, ou até mesmo o Poder Executivo (medida pro-visória), isto é, atuar como legislador. Se houver incompati-bilidade da norma com a Constituicao, deve ser declarada a sua inconstitucionalidade, e nao a interpretacao conforme a Constituicao, dando sentido diverso do pretendido pelo legislador. No mesmo sentido, Marinoni16 aponta que, quando nao houver a possibilidade de correcao ou adequacao na norma jurídica aos princípios de justica e aos direitos fundamentais contidos na Constituicao, só lhe restará demostrar a sua inconstitucionalidade.

Nesse caso, conforme as licóes de Leite17, a interpre-tacao conforme a Constituicao permite apenas a leitura ou a releitura da lei infraconstitucional a fim de buscar os fins constitucionais, ou, entao, a sua declaracao parcial de inconstitucionalidade, sem reducao do texto, em que se exclui determinada interpretacao apontando interpre-tacao alternativa em conformidade com a Constituicao18.

Entretanto, ainda que possamos nos debrucar para encontrar o real sentido da norma jurídica, nas palavras de Kelsen: "Todos os métodos de interpretacao até ao presente elaborados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto"19.

Integracáo da norma processual trabalhista:...

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