A interpretação jurídica dos contratos: problema analítico-linguístico ou problema normativo?

AutorFabrício Renê Cardoso de Pádua
Ocupação do AutorMestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra - UC
Páginas51-97
51
Capítulo
A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
DOS CONTRATOS: PROBLEMA ANALÍTICO-
LINGUÍSTICO OU PROBLEMA
NORMATIVO?
(...) quem leve a vida inteira a
ler sem nunca ter conseguido ir
mais além da leitura, ficam pegados
às páginas, não percebem que as
palavras são apenas pedras postas a
atravessar a corrente de um rio, se
estão ali é para que possamos chegar
à outra margem, a outra margem é
que importa, A não ser, A não ser,
quê, A não ser que esses tais rios
não tenham duas margens, mas
muitas, que cada pessoa que lê seja,
ele, a sua própria margem, que seja
sua, e apenas sua, a margem a que
terá que chegar (…)
José Saramago
52
1. A interpretação jurídica como interpretação da
linguagem
Rudimentares estudos sobre a linguagem podem
ser observados desde a antiguidade clássica nos diálogos
Crátilo119
,
Teeteto
e
Sofista
120
de PLATÃO e em algumas
passagens dos escritos de ARISTÓTELES121. em
meados do século XVIII e início do século XIX,
JOHANN GEORGE HAMANN, WILHELM VON
HUMBOLDT e JOHANN GOTTFRIED HERDER,
norteados por uma intenção esboçada no
jurisprudencialismo de GIAMBATTISTA VICO122,
abrem espaço para a emancipação epistemológica de uma
119 STRECK, Lênio Luiz,
Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma
exploração hermenêutica da construção do Direito
, 2ª ed., Porto
Alegre: Livraria do advogado, 2000, p. 103.
120 RICOEUR, Paul,
Interpretation Theory: discourse and the surplus
of meaning
, Fort Worth: Texas Christian university Press, 1976,
citado na tradução portuguesa: Teoria da Interpretação: o discurso e o
excesso de significação, trad. Arthur Morão, Lisboa: Edições 70,
2000, p. 13.
121 GADAMER, Hans-George,
Wahrheit und Methode II
:
Ergänzungen Register, Heidelberg: Mohr Siebeck Tübingen, 1960,
citado na tradução brasileira: Verdade e Método II: Complementos e
Índice, 3ª ed., trad. Enio Paulo Giachini, Petrópolis: Vozes, 2007, pp.
173 e ss. Tributa-se a ARISTÓTELES, também, a primeira
tematização sistemático (-dialética) da retórica”. BRONZE, Fernando
José Pinto,
As margens e o rio (da retórica jurídica
à metodonomologia)
,
in:
Analogias, 1ª ed., pp. 80-117, Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 89.
122 BRONZE, Fernando José Pinto Bronze,
As margens...
, p. 97.
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ciência da linguagem, na medida em que rompem com a
filosofia da consciência123.
Não obstante, a autonomia científica da linguística
só vai de fato acontecer no proêmio do Século XX,
principalmente com as investigações de CHARLES
SANDERS PEIRCE e com os trabalhos FERDINAND
DE SAUSSURE, cujos resultados foram decisivos para a
consolidação científica da semiótica124 que de então foi se
firmando, num sentindo amplíssimo, como “a ciência dos
signos e dos processos significativos (semiose) na natureza
e na cultura”125.
O paulatino desenvolvimento científico da
lingüística, cuja culminância se dá no que se convencionou
chamar de
linguist turn
, incute nas diversas searas do
123 “(...) no paradigma da filosofia da consciência a concepção vigente
é a de que a linguagem é um instrumento para a designação de
entidades independentes desta ou para a transmissão de pensamentos
pré-linguísticos, concebidos sem a intervenção da linguagem. Assim,
somente depois de superar esse paradigma, mediante o
reconhecimento de que a linguagem tem um papel constitutivo na
nossa relação com o mundo é que se pode falar em uma mudança
paradigmática, representado pelo rompimento com a filosofia da
consciência pela filosofia da linguagem. STRECK, Lenio Luiz.
Hermenêutica...,
p. 127. GADAMER, Hans-George,
Wahrheit und
Methode I
: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik,
Heidelberg: Mohr Siebeck Tübingen, 1960, citado na tradução
brasileira: Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica, 9ª ed., trad. Flávio Paulo Meurer, Petrópolis:
Vozes, 2008, pp. 566 e ss.
124
MORRIS, Charles,
Fundamentos da Teoria dos Signos
, Trad.
António Fidaldo, Covilhã: Universidade da Beira do Interior,
disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/~fidalgo/semiotica/morris-
charles-fundamentos-teoria-signos.pdf, acesso: 25/04/2018, p.5.
125 NÖTH, Winfried,
O Panorama da Semiótica
, 4ª ed, São Paulo:
Annablume, 1995, p. 17.

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