A inconstitucionalidade da revista íntima realizada em familiares de presos, a segurança prisional e o princípio da dignidade da pessoa humana

AutorYuri Frederico Dutra
Páginas94-104

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1 Introdução

Parte-se da análise do sistema jurídico sob o ponto de vista do controle de constitucionalidade, para verificar se, ao elaborar suas leis ou atos normativos, as prisões (federais e estaduais, órgãos descentralizado do Poder Executivo) possuem um "micropoder"12 que está acima do Estado Democrático de Direito.3

Para verificar a existência desse "micropoder" e a possibilidade de retirada de leis inconstitucionais emitidas por ele, avaliar-se-á a fundamentação jurídica da Resolução nº. 09/06 e a aplicabilidade do controle de constitucionalidade.

O julgamento do controle de constitucionalidade no Brasil é exercido pelo Supremo Tribunal Federal, competência prevista no art. 102 da Constituição Federal e, segundo este artigo, toda lei e todo ato normativo federal ou estadual que afrontem os preceitos constitucionais são passíveis de serem retirados do sistema jurídico através do controle de constitucionalidade.

Há duas formas de julgar normas inconstitucionais: sob o aspecto do controle de constitucionalidade formal, avalia-se o processo de elaboração normativa e o posicionamento hierárquico das normas constitucionais e infraconstitucionais. Sob o aspecto do controle de constitucionalidade substancial, avalia-se se o conteúdo normativo desse regulamento administrativo está a ferir direitos humanos fundamentais.

Buscar-se-á analisar se a Resolução nº. 09/06 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) viola necessidades e direitos dos reclusos de receber visitas e das famílias dos reclusos ao terem de se submeter à revista íntima (de forma ofensiva à sua dignidade humana), em nome da ordem e disciplina da segurança penitenciária.4

2 O controle de constitucionalidade das leis no sistema jurídico brasileiro pós-1988

O controle de constitucionalidade é um processo de verificação da compatibilidade de uma lei ou um ato normativo com a Constituição, realizado pela observação de seus requisitos formais e substanciais.

Como exposto anteriormente e extraído dos ensinamentos de Paulo Bonavides, a Constituição possui superioridade hierárquica frente às demais normas, pois: Page 95

O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior de competência limitada pela Constituição mesma. (2005, p. 296).

O Poder Legislativo e o Executivo, ao realizarem suas competências originárias e derivadas de criar leis ou regulamentos, não podem "introduzir leis contrárias às disposições constitucionais" (BONAVIDES, 2005, p. 297), "pois estas leis restariam nulas, inaplicáveis, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida" (BONAVIDES, 2005, p. 297; MIRANDA, 1970, p. 316, 317).

O controle de constitucionalidade pode ser exercido pela via formal ou substancial, sendo que a primeira irá analisar se todos os requisitos estruturais de competência e hierarquias previstas constitucionalmente foram respeitados para a validade da lei ou do ato normativo elaborado.

O controle de constitucionalidade formal é estritamente jurídico e consiste em examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição no sentido da correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos. (BONAVIDES, 2005, p. 267).

No controle de constitucionalidade substancial, o que será analisado é se o conteúdo do ato normativo elaborado está de acordo com os Direitos Humanos fundamentais estabelecidos pela Constituição. Ambas as modalidades de controle de constitucionalidade serão interpretadas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o art. 102 da CF, que determina:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

  1. ação direita de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

  2. [...].

    Há duas formas de perquirir sobre o controle de inconstitucionalidade:

  3. por via de exceção - em que uma das partes requer, em ação judicial, incidente de inconstitucionalidade, com objetivo de retirar a eficácia da lei considerada inconstitucional, que após declarada pelo Juiz, possui efeitos que atingem somente as partes processuais -, e

  4. por via de ação - que consiste na interposição de uma Ação direita de inconstitucionalidade (Adin) perante o STF, com o objetivo de retirar a validade da lei ou ato normativo5, tornando uma ou outro nulos e atribuindo à anulação alcance erga omnes6, ou seja, atingindo a todas as pessoas (BARROS, 2001, p. 57).

    Dessa forma, o meio eficaz para corrigir possíveis inversões hierárquicas no ordenamento jurídico ou violações dos atos normativos aos direitos humanos fundamentais é o controle de constitucionalidade, que se dá por meio de incidentes de inconstitucionalidade ou por meio de ação direita de inconstitucionalidade. Neste artigo, ater-se-á ao controle de constitucionalidade por via de ação, por sua força de extinção imediata e definitiva do ato normativo inconstitucional do sistema jurídico e por sua eficácia erga omnes, pois a interposição dessa ação, em sendo considerada procedente, atinge a totalidade dos familiares de reclusos.

2. 1 O posicionamento hierárquico da Resolução nº 09/06 do CNPCP e o controle de constitucionalidade formal

Analisar-se-á essa resolução (considerada um ato normativo federal) sobre os aspectos do controle de constitucionalidade formal e do controle de constitucionalidade substancial. No primeiro aspecto, delimitar-se-á o posicionamento hierárquico no ordenamento jurídico da Resolução Administrativa nº. 09/06 (ANEXO D) do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP) e sua natureza jurídica, verificando competências dos órgãos e abrangências da normativa. No segundo aspecto, verificar-se-ão os limites de conteúdo da Resolução diante da Constituição Federal do Brasil, com a finalidade de comprovar possível inconstitucionalidade. Page 96

Para a melhor execução das Leis, o Poder Executivo ou órgãos da administração direta podem elaborar atos normativos, sendo um deles as Resoluções. Hierarquicamente inferior às Leis, as Resoluções concedem maior liberdade ao Executivo, ao utilizar do poder discricionário, que lhe é assegurado, para esclarecer a aplicação de uma Lei e estabelecer a uniformidade de comportamento dentro de suas instituições administradas.

A Resolução nº. 09/06, emanada pelo CNPCP, tem por objetivo a adoção de procedimentos uniformes nas instituições prisionais, com relação à revista nos visitantes, para manter a ordem e a disciplina das prisões e para evitar excessos de controle pelo Poder Prisional.

O CNPCP, ao elaborar esta resolução, está esclarecendo a aplicação da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais) em seu art. 41, inc. X, que institui como um direito do recluso "a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados", para que as instituições prisionais possam executar de maneira uniforme o ingresso dos visitantes.

No aspecto formal, a competência para elaborar resoluções sobre assuntos prisionais pertence ao Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP). O CNPCP é um órgão deliberativo, subordinado ao Ministério da Justiça, que também é um órgão de Administração Direta do Poder Executivo.

Isso significa que, mesmo sendo subordinado e hierarquicamente inferior ao Ministério da Justiça, é através do CNPCP, como órgão descentralizado, que o Estado atua nas políticas criminais e penitenciárias e tem o poder de emitir Resoluções.

Na visão de Mello "a aludida distribuição de competência não prejudica a unidade monolítica do Estado, pois todos os órgãos e agentes permanecem ligados por um sólido vínculo denominado hierarquia" (1994, p. 81).

Para melhor esclarecimento da competência específica do CNPCP, realizar-se-á um enquadramento administrativo dos órgãos do Poder Executivo relativo aos assuntos de Segurança Pública e Justiça.

A República Federativa do Brasil é composta por três Poderes: O Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. O Poder Executivo, segundo o art. 76 da Constituição Federal de 1988, é exercido pelo Presidente da República, e este é auxiliado, por meio da administração direta, pelos Ministros de Estado.

Para Mello,

O Estado pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que têm constitucionalmente a seu encargo, [...] de forma centralizada quando exercida pelo próprio Estado, ou seja, pelo conjunto orgânico que lhe compõe a intimidade. Na centralização, o Estado atua diretamente por meio dos seus órgãos, isto é, das unidades que são simples repartições interiores de sua pessoa e que por isto dele não se distinguem. Consiste, portanto, em meras distribuições internas de plexos de competência, ou seja, em "desconcentrações" administrativas. Na descentralização o Estado atua indiretamente, pois o faz através de outras pessoas, seres juridicamente distintos dele, ainda quando sejam criaturas suas e...

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