Introdução

Páginas1-42
INTRODUÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO TEMA E METODOLOGIA APLICADA
O surgimento de novas modalidades de negócios, notadamente o comércio
eletrônico, exigiu uma necessária intervenção pública, através da regulamentação
legislativa do Estado, e privada, por intermédio das empresas e associações que
estabeleceram códigos de condutas e regras internas, com a f‌inalidade de garantir
um nível elevado de arrimo ao consumidor.
O dever de informação1 insere-se nesse contexto protetivo dos consumidores,
transversal à generalidade dos ordenamentos jurídicos. A informação é um bem
valioso; ao propagar (in)certezas, cumpre função primordial na escolha do contra-
ente. Sabe-se que o vetor da informação é dual, isto é, compreende-se o direito à
informação versus dever de informação, enquanto “faces de uma mesma moeda”, a
da tutela do consumidor.
Nos contratos de adesão concluídos por meio eletrônico, as declarações do
proponente são a base para que o consumidor adquira o bem ali proposto de forma
virtual, sem mesmo ter analisado as características e a qualidade da mercadoria ou
serviço, conf‌iando fundamentalmente naquilo que está sendo transmitido.
Não se pretende, portanto, um estudo abrangente do contrato (gênero), mas
um enfoque direcionado principalmente à informação que permeia o processo de
contratação de adesão por meio eletrônico, notadamente no período pré-contratual,
tendo em conta os problemas numerosos e substanciais nessa espécie de contratação.
Os contratos de adesão concluídos por meio eletrônico abrangem três grandes
espécies: a) a primeira espécie, “b2b”, compreende os contratos “business to business”,
tendo em conta os negócios jurídicos eletrônicos praticados entre empresas, com
franco caráter empresarial; b) a segunda espécie, “c2c”, denota os contratos “consumer
to consumer”, aqueles realizados por contratantes em situação jurídica igualitária,
de natureza civil; c) a última espécie, “b2c”, depreende os contratos “business to
consumer”, que assinalam os negócios celebrados entre fornecedor e consumidor.
A presente investigação fará um corte metodológico e f‌icará centrada nos con-
tratos de adesão de consumo concluídos por meios eletrônicos, notadamente nas
1. Como mostra Ignácio Ramonet, nos últimos trinta anos, mais informação foi produzida no mundo que
durante os cinco mil anos anteriores. Cf.: RAMONET, Ignácio. La tyrannie de la communication. Paris:
Galilée, 1999, p. 184.
EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 1EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 1 05/04/2022 16:04:2105/04/2022 16:04:21
DIREITO À INFORMAÇÃO: REPERCUSSÕES NO DIREITO DO CONSUMIDOR • João Pedro Leite Barros
2
questões relativas à observância do cumprimento do dever de informação inerente
ao fornecimento de produtos e serviços entre fornecedores e consumidores.
Se, por um lado, a disponibilização de informações pela internet proporciona
aos consumidores melhores condições para escolha livre e consciente de um pro-
duto ou serviço, por outro, reforça a necessidade de proteção2 aos riscos peculiares
inerentes às transações eletrônicas, particularmente a ausência, omissão ou excesso
de informações transmitidas ao consumidor, bem como a utilização de seus dados
pessoais sem consentimento.
Nesse sentido, o problema analisado nesta tese envolverá o redimensionamento
na forma como a informação pré-contratual é transmitida (modus operandi), veicu-
lada (apresentada ao consumidor) e assimilada (compreendida) ao consumidor, em
sede de contratos de adesão concluídos por meio eletrônico, buscando responder
até que ponto a prestação do dever de informação pré-contratual tem sido ef‌icaz
para o vulnerável.
O escopo fundamental desta investigação é contribuir para uma melhor compre-
ensão do dever de informação em contratação eletrônica de consumo, distinguindo
da contratação tradicional, com f‌inalidade de promover a ref‌lexão e o debate sobre
a necessidade regulatória instrumental do tema, com vistas a defender os interesses
econômicos dos consumidores.
Em outras palavras, a tese tem como objetivos específ‌icos, sem prejuízo de
outros: (i) determinar se os requisitos jurídicos e critérios próprios para a aferição
do cumprimento do dever de informação, sobretudo no período pré-contratual, são
adequados o bastante para tutelar a parte hipossuf‌iciente, (ii) interpretar o dever
informacional à luz da ordem jurídica justa do Professor Cappelletti3, (iii) responder
qual o conteúdo e alcance do direito à informação no comércio eletrônico de consumo
para o pleno exercício do direito à informação no período pré-contratual, (iv) assinalar
em qual medida o dever de informar, obrigação do fornecedor decorrente da noção
tradicional dos sistemas jurídicos ocidentais, tem o condão de resolver as questões
que surgem a cada dia na sociedade de informação, (v) explicar se há necessidade de
criar legislação e critérios universais coerentes às transações decorrentes do comércio
eletrônico de consumo, tendo em consideração a tutela do consumidor e dever de
informação, com o f‌ito de serem tutelados, em igual tempo, os direitos dos consu-
2. Sobre o tema, o Professor Pedro Alberto de Miguel Asensio assim pontua: “El desarrollo del comercio
electrónico en Internet plantea importantes riesgos para los consumidores: la posibilidad de enviar pedi-
dos simplemente pulsando el ratón y el diseño de ciertas páginas web facilitan declaraciones negociales
impulsivas; la necesidad de tomar decisiones con base en la información contenida en páginas web, sin
posibilidad de inspeccionar físicamente los productos; la potencial falta de estabilidad de la contraparte
en la medida en que se contrata con su establecimiento virtual; y el empleo generalizado de los contratos
de adhesión.” Cf.: ASENSIO, Pedro Alberto de Miguel. Derecho Privado de Internet. 5. ed. Madri: Civitas
Ediciones, 2015, p. 888 e ss.
3. Conf‌ira: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. e revisão Ellen Gracie Northf‌leet.
Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002, p. 67 e ss.
EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 2EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 2 05/04/2022 16:04:2205/04/2022 16:04:22
3
INTRODuÇÃO
midores e os anseios econômicos do mercado, (vi) demonstrar a relação intrínseca
entre o dever de informação e o instituto do direito de arrependimento, (vii) qualif‌icar
as situações de incumprimento do dever de informação, notadamente os casos de
culpa in contrahendo e cumprimento defeituoso do contrato, (viii) perscrutar se há
possibilidade do exercício ao direito à legítima ignorância pelo consumidor (matéria
desenvolvida pelo Professor Menezes Cordeiro em contratos bancários e de seguro)
em sede de contratação eletrônica, (ix) no que tange aos mecanismos de controle
de infração ao dever de informação pré-contratual, demonstrar que o incidente de
resolução de demandas repetitivas, instituto brasileiro, pode ser o caminho para
proteção dos direitos de informação do consumidor, garantindo ef‌icácia vinculante
aos órgãos jurisdicionais e segurança jurídica para casos idênticos de infração aos
deveres de informação.
Em face desses questionamentos, o trabalho apresenta as seguintes hipóteses:
a) a insuf‌iciente e inadequada normatização do dever de informação promove
insegurança jurídica e favorece a atuação irregular e atentatória aos princípios
da boa-fé objetiva pelos fornecedores; b) a regulação mínima legal necessária do
dever de informação em contratos eletrônicos, além dos próprios mecanismos de
autorregulação existentes no mercado contemplam as condições essenciais para
que o consumidor seja protegido à luz das f‌inalidades constitucionais de amparo
do direito do consumidor.
Para a verif‌icação dessas hipóteses, o estudo tem como premissa o caráter
irrenunciável e indisponível do direito à informação em sede de contrato eletrô-
nico, uma vez que visa proteger o consumidor contra sua própria irref‌lexão na
pactuação dos contratos. Razão disso é que o dever de informação deriva de normas
de interesse e ordem pública, posto que regula interesses gerais e fundamentais
da coletividade.
A justif‌icativa para tanto é que a própria liberdade na contratação eletrônica
pressupõe, necessariamente, ref‌lexão e ponderação do consumidor àquilo disposto,
associado à incondicional proteção dos consumidores na sociedade de massa.
Se o consumidor não pode, de forma voluntária, se abster de receber as informa-
ções em sede de contratação eletrônica, por outro, ao fornecedor, cabe atender um
standard mínimo do dever de informar, notadamente por se tratar de uma contratação
sui generis. Tais informações cruciais devem ser prestadas, independentemente do
desejo do consumidor.
Nesse âmbito, os limites do dever de informar desempenham papel crucial na
distinção entre informação def‌icitária daquela transmitida com vistas a compreen-
são do consumidor. A necessária extensão da informação e o seu conteúdo serão
problematizados, cotejando elementos subjetivos e objetivos, a f‌im de alcançar uma
informação justa, sob a ótica de Cappelletti.
EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 3EBOOK O DEVER DE INFORMACAO CONTRATO DE ADESAO.indb 3 05/04/2022 16:04:2205/04/2022 16:04:22

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT