Judicialização da política de proteção ambiental na expansão da exploração do petróleo no Espírito Santo

AutorNelson Camatta Moreira, Rodrigo Santos Neves, Silvana Mara de Queiroz Bessa, Alexsandro Broeto Rudio
Páginas79-105
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ISSN 2179-345X
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Resumo
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Palavras- chaveh(
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Abstract
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Introdução
Diante do progressivo movimento de conscientização acerca da
proteção do meio ambiente, no âmbito jurídico, a partir da Constituição
de 1988, nota-se uma galopante preocupação com a questão do equilíbrio
ecológico como uma condição, inclusive, para a armação da dignidade
humana, prevista, por sua vez, como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito brasileiro. Em outras palavras, hodiernamente,
não é possível imaginar uma sociedade preocupada com a questão da
dignidade humana que não associe a sua armação à preocupação com o
ecossistema, do qual o homem faz parte.
No entanto, a preservação do meio ambiente não é um m em si
mesmo. Ela está inserida em um contexto maior relacionado com a globa-
lização, principalmente em sua vertente econômica que, por sua vez, no
ordenamento jurídico pátrio, é objeto de preocupações de diferentes ma-
tizes, encontrando seu ponto de partida na própria “ordem econômica”,
sugerida pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988).
Assim, considerando-se a sistemática do texto constitucional
que prevê princípios como a livre-iniciativa na economia, de um lado, re-
grado por uma ordem social, que inclui uma preocupação patente com a
questão ambiental (art. 225, da CF/1988); de outro, é possível perceber
que toda a complexidade da sociedade contemporânea, inexoravelmente,
aporta no direito, que se torna um locus de convergência para a discussão
de temas que tanto aigem a humanidade no século XXI.
Diante disso, o que se espera do intérprete da Constituição é
uma postura hermenêutica capaz de enfrentar devidamente questões
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extremamente complexas e delicadas que espelham a ampla temática do
desenvolvimento em suas diferentes perspectivas: econômica, social e de
qualidade de vida em um mundo ecologicamente equilibrado.
Assim, dentre os vários enfoques possíveis ao estudo do Direito
Constitucional Ambiental, o texto a seguir pretende analisar a maneira
como tem se manifestado o judiciário brasileiro – especialmente a Corte
Constitucional (STF) acerca do papel do Estado e os limites de atua-
ção (intervenção) do homem no meio ambiente. Dito de outra forma, o
estudo ora apresentado intentou mapear a possível ingerência do Poder
Judiciário, por meio de suas decisões, nas políticas públicas do Estado em
relação ao meio ambiente.
Este é, portanto, o ponto de partida (e, talvez, de chegada) jus-
ticador da presente pesquisa, qual seja, a imperiosa necessidade de se
(re)discutir as possibilidades interpretativas (hermenêuticas) abertas pela
Constituição de 1988 para o judiciário brasileiro, no Estado Democrático
de Direito, em relação à sua contribuição para um ambiente ecologica-
mente equilibrado “para as presentes e futuras gerações” (art. 225, da
CF/1988), bem como o freio a ele imposto pela consagrada limitação de
ingerência nos demais poderes (art. 2º, da CF/1988).
O judiciário, a lei e o meio ambiente na era da
globalização: breves comentários
Inegavelmente, o fenômeno da globalização e do advento da
denominada “sociedade do risco” marcam um período complexo de tran-
sição histórica, operando profundas modicações nas mais variadas di-
mensões da realidade. Isso torna possível perceber seus impactos na base
do paradigma jurídico-político da modernidade e seus reexos no para-
digma do Direito moderno.
Tal paradigma, no seio das transições societal e epistemoló-
gica protagonizadas pelo surgimento da pós-modernidade, tem sofri-
do profundos abalos, questionamentos, desestruturação e desmontes.
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A sinalização de sua crise emblemática impõe, em contrapartida, a ela-
boração de tentativas de sua superação, cujos fundamentos conduzem às
suas novas caracterizações e roupagens.
Assim, impõe-se discutir os limites do direito moderno para
tutelar satisfatoriamente os novos bens jurídicos de natureza supraindi-
vidual, em especial o meio ambiente. De outro lado, essa nova forma de
sociedade globalizada, ao permitir um amplo intercâmbio de informa-
ções, mercadorias, símbolos, signos, ideologias e métodos de poder e de
domínio, cada vez mais acelerada em escala global, acaba por ampliar a
produção de um constante perigo. Os novos riscos, produto inexorável da
crescente expansão tecnológica e informacional deste século, suscitam,
no Direito, problemas novos e de difícil enquadramento em seus méto-
dos, premissas, hipóteses e categorias convencionais.
No Direito, não obstante todas as crises que envolvem a sua
aplicação em um tempo instantaneísta (BAUMAN, 2001) de uma sociedade
extremamente complexa, conitiva e globalizada (BECK, 1998; GUIDDENS,
1991; DI GIORGI, 1998), as questões que chegam à apreciação do Poder
Judiciário ainda são lidas sob a lente da lei, cuja maior expressão é a
Constituição. E a decisão ainda se constitui como o principal mecanismo
de manutenção ou transformação da realidade social. Assim, como mais
um fenômeno que compõe essa complexa realidade, a questão ambiental,
em seus diversos matizes, aparece como um nobre objeto sobre o qual se
discute e se repercutem as decisões do Estado.
Nessa perspectiva, o texto mostra privilegiadamente as manifes-
tações (decisões) do Poder Judiciário sobre o meio ambiente, a partir da
análise de decisões sobre o licenciamento de petróleo no Espírito Santo que
tenham sido ou que estejam prestes a ser apreciadas – talvez revistas – pelo
Poder Judiciário.
Dito de outra forma, o texto discute as possibilidades herme-
nêuticas de intervenção desse poder em questões eminentemente de
política de proteção ambiental e de política de desenvolvimento econô-
mico social, podendo esbarrar em uma temática muito polêmica em dias
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atuais: o ativismo judicial1, que, para Garapon2, consiste em um processo
“natural” desenvolvido no interior de um Estado Democrático, até por-
que a interferência judiciária é um fenômeno possibilitado, na prática,
pelos próprios políticos.
A respeito das possibilidades hermenêuticas, analisam-se os argu-
mentos das decisões, buscando-se compreender a maneira como são ela-
borados, se se coadunam com o discurso principiológico da Constituição
e, mais, se atendem aos anseios de uma sociedade que pretende ser livre,
justa e fraterna (Preâmbulo da Constituição de 1988). Para tanto, ten-
tar-se-á empreender aqui uma “compreensão da compreensão” do Poder
Judiciário sobre o licenciamento para a exploração do petróleo no Espírito
Santo e, se necessário, como parâmetro, em outros Estados da federação
que se enquadram em realidade similar à capixaba.
É importante mencionar ainda que, no âmbito normativo, para
o enfrentamento especíco do direito ou não à licença ambiental para a
exploração de petróleo – que é o exemplo privilegiado de intervenção es-
tatal na proteção do meio ambiente e ao mesmo tempo na intervenção
do domínio econômico – não se pode olvidar a importância da legislação
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infraconstitucional sobre o assunto, com especial destaque para a Lei
n. 9478/97. Tal lei, inclusive, criou a Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP), cujas atribuições são, dentre outras,fa-
zer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo,
gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio
Em síntese, o objetivo dessa lei é estabelecer as políticas na-
cionais de aproveitamento racional de energia no sentido de proteger o
meio ambiente e promover a conservação de energia (art. 1º, IV, Lei
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Embora exista uma preocupação governamental quanto ao cres-
cimento do PIB do país, essa não pode ser a única preocupação do governo
nem dos atores econômicos. Em outras palavras, a propriedade privada,
que é um valor constitucional a ser observado e protegido pelo ordenamen-
to jurídico, tendo em vista o seu caráter de direito fundamental (art. 5º,
XXII, CR/88), bem como de princípio da Ordem Econômica, deve ser com-
patibilizada com outros valores constitucionalmente consagrados, dentre
eles a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana4.
Assim, as atividades econômicas, como expressão da pro-
priedade privada, devem se preocupar com a promoção da dignidade
da pessoa humana. A tutela do meio ambiente, com a preocupação na
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garantia de seu equilíbrio, tem por nalidade última garantir a vida dig-
na, não se olvidando, contudo, a proteção da propriedade privada e da
livre-iniciativa.
No entanto, o que se precisa saber é até que ponto a livre-inicia-
tiva deve ser “liberada” para a promoção do desenvolvimento econômico,
afetando o equilíbrio ecológico de determinada região. Assim, o grande
problema que se tem no ordenamento jurídico brasileiro é o equilíbrio
desses dois valores constitucionais. O grande desao consiste então em
se saber como promover o desenvolvimento econômico sem prejudicar o
meio ambiente. E mais: como ainda contribuir devidamente para o avan-
ço social como determinado pela Constituição?
Do ponto de partida traçado na introdução do presente texto,
portanto, tem-se agora a justicativa do seu desenvolvimento: a renovada
necessidade de se discutir as angústias problematizadas anteriormente
com enfoque na atuação do Poder Judiciário sobre o desenvolvimento
econômico e social, com cuidadosa atenção na questão ambiental, mais
especicamente no impacto gerado pela exploração do petróleo.
O judiciário e a proteção do meio ambiente
Nos moldes do art. 225, da CF/88, o cuidado com o meio am-
biente passou a ser considerado um direito-dever para todos. O texto
constitucional ainda elevou a defesa do meio ambiente à condição de
princípio norteador da ordem econômica (art. 170, VI, CR/88). Destarte,
toda e qualquer atividade econômica, bem como os serviços públicos,
deverá sempre levar em consideração a questão ambiental, sob pena de
ofensa à lei fundamental.
Não obstante a atuação preponderante do Poder Executivo na s-
calização das atividades econômicas, as partes em conito (Poder Público
e particulares ou somente particulares) podem recorrer ao Judiciário para
a solução dos conitos, o que exige do julgador a sensibilidade dos proble-
mas existentes, bem como exige uma atividade hermenêutica eciente,
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capaz de sopesar os interesses em jogo, para dar uma solução adequada
ao caso concreto.
A consagração constitucional (art. 225, § 1º, incisos I ao VII, da
CF/88) do dever de preservação do meio ambiente impôs ao Estado uma
série de medidas para a efetiva proteção do meio ambiente equilibrado.
Assim, em face de eventual omissão da Administração Pública
na realização dessas atividades protetivas e restauradoras, os inte-
ressados (legitimados) podem provocar o Poder Judiciário para que a
Administração Pública e/ou o particular sejam compelidos a cumprir os
seus deveres. É a chamada judicialização da política, que pode ser enten-
dida como:
a invasão do direito sobre o social avança na regulação dos setores
mais vulneráveis, em um claro processo de substituição do Estado e
dos recursos institucionais classicamente republicanos pelo judiciá-
rio, visando a dar cobertura à criança e ao adolescente, ao idoso e aos
portadores de deciência física. O juiz torna-se protagonista direto da
questão social. Sem política, sem partidos ou uma vida social organi-
zada, o cidadão volta-se para ele, mobilizando o arsenal de recursos
criado pelo legislador a m de lhe proporcionar vias alternativas para
a defesa e eventuais conquistas de direitos. A nova arquitetura institu-
cional adquire seu contorno mais forte com o exercício do controle da
constitucionalidade das leis e do processo eleitoral por parte do judi-
ciário, submetendo o poder soberano às leis que ele mesmo outorgou
(VIANNA; BURGOS; SALLES, 2007, p. 41).
Assim, o Poder Judiciário ganhou papel fundamental na demo-
cracia brasileira, na medida em que a sociedade pode exercer o controle
social sobre a atuação da Administração Pública via Poder Judiciário, em
ações populares, ou por meio do Ministério Público, em ações civis públicas,
com o m de tutelar o meio ambiente sempre que este estiver em perigo.
Dessa forma, a atuação dos juízes e tribunais deve tomar uma
feição proativa e protetiva, de modo a romper com o paradigma liberal.
Nesse paradigma, o juiz tem um (pseudo) papel de “neutralidade”, em
observância à discricionariedade administrativa, passando a atuar como
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agente político que é, de modo a fazer valer os valores e princípios cons-
titucionalmente protegidos (SARLET; FENSTERSEIFER, 2008, p. 81-82).
A questão ambiental, como está diretamente vinculada ao texto
constitucional, traz à discussão muitos valores constitucionais e que, ao
menos em princípio, são antagônicos, tais como a dignidade da pessoa
humana, o direito ao meio ambiente equilibrado, a propriedade privada,
a função social da propriedade e a livre-iniciativa. Por isso, o juiz deverá
levar em consideração todos esses valores, tendo em vista que na questão
ambiental é muito provável que haja colisão de direitos fundamentais.
Assim, o intérprete deverá fazer uso da hermenêutica constitucional, a
m de que possa apresentar, em suas decisões, resultados satisfatórios.
Em matéria ambiental, os tribunais têm aplicado os efeitos ho-
rizontais dos direitos fundamentais – no caso, o direito fundamental ao
meio ambiente equilibrado. Seja com a limitação aos direitos do proprie-
tário rural para respeitar uma unidade de conservação, ou uma área de
preservação permanente, ou respeitar a reserva legal, mesmo que o novo
proprietário tenha comprado o imóvel com reserva legal desmatada,
em que lhe é imputado o dever de reorestar.
O STJ decidiu que um proprietário demolisse uma construção
feita dentro de uma Área de Preservação Permanente. A construção era
de um complexo hoteleiro5. O mesmo tribunal, em Ação Civil Pública que
tinha por objeto a anulação de licença ambiental para explorar árvores
mortas ou caídas de determinada área particular e que, posteriormente,
se tornara um Parque Nacional, por decreto de utilidade pública, decidiu
que não apenas em função da criação do Parque e da consequente trans-
ferência de propriedade para o domínio público, mas sim em função do
laudo técnico armava que:
as operações de extração de madeira, com a presença de barulho de
máquinas, equipe de trabalhadores e arrasto de toras, possivelmente
farão com que determinadas espécies, principalmente da fauna terres-
tre, se afastem desta agitação procurando outras áreas, podendo assim
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invadir áreas antropizadas cando mais suscetíveis à caça e predação.
Além do que, como citado no trabalho do engenheiro Eloi Mattei, a
fauna poderia retornar à área após a operação de retirada. Porém, vale
salientar que se alguma destas espécies estiver se reproduzindo no lo-
cal, este deslocamento da área e posterior retorno não seria assim tão
simples e talvez inviável acarretando provavelmente na perda da prole,
o que seria extremamente agravante se tratando de espécie com gran-
de longevidade e baixo índice de natalidade6.
Em outro caso, o STJ, ainda, no REsp n. 1.079.713-SC condenou
uma empresa ao pagamento de indenização por danos ao meio ambiente,
por queimar palha de cana, mesmo com licença ambiental para tanto, por
entender que, além da existência de danos ao meio ambiente, a licença foi
concedida indevidamente.
Como se vê, em diversos julgados os tribunais têm se manifesta-
do a respeito da questão ambiental, não obstante as concessões de licen-
ças para explorar o desenvolvimento de atividades econômicas de forte
repercussão (impacto) ambiental.
Por que o petróleo? A atualidade da pesquisa e as possíveis
contribuições para o delineamento da atuação do Poder
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Como já é de pleno conhecimento público, no Estado do Espírito
Santo, reconhecidamente rico em petróleo, os avanços na pesquisa e na
exploração desse recurso natural vêm sendo brutais, conforme noticia o
site ocial do governo estadual:
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90
nos últimos anos, o Espírito Santo foi destaque na produção de petró-
leo e gás natural no Brasil. Com as descobertas realizadas, principal-
mente pela Petrobras, o Estado saiu da 5ª posição no ranking brasileiro
de reservas, em 2002, para se tornar a segunda maior província petro-
lífera do País, com reservas totais de 2,5 bilhões de barris.
Atualmente, o Estado é o segundo maior produtor de petróleo do
Brasil, com 140 mil barris diários. Até o nal deste ano, este número
deve chegar a 200 mil barris por dia, e em 2010, atingirá a marca de
500 mil barris/dia. Os campos petrolíferos se localizam tanto em terra
quanto em mar, em águas rasas, profundas e ultra-profundas, conten-
do óleo leve e pesado e gás não associado.
[...]
O Espírito Santo é hoje responsável por 40% das notificações de pe-
tróleo e gás natural, conforme levantamento da Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) desde sua cria-
ção, em janeiro de 1998 (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO, 2009).
A promessa de crescimento na área, a cada dia, transforma-
-se em realidade. Os diferentes impactos são notados na sociedade e no
Estado. Segundo a mídia nacional,
a expectativa em torno da possibilidade de descobertas de novas áreas
para a exploração de petróleo no litoral do Espírito Santo desencadeou
uma fase de otimismo entre os empresários da região. De cursos uni-
versitários a empreendimentos imobiliários, Vitória e cidades vizinhas
já movimentam cifras com a promessa de descoberta de novas reser-
vas de gás e óleo (CARVALHO, 2004).
O processo evolutivo de investimento e movimentação do mer-
cado do petróleo foi ainda mais estimulado com a decisão da Petrobras
de construir uma sede administrativa regional em Vitória, ES, confor-
me anunciado ocialmente pela prefeitura da capital capixaba em 25 de
abril de 2007, em um investimento de R$ 426 milhões (SALLES, 2007).
Essa empresa é símbolo da exploração/gestão dessa riqueza no Brasil e,
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inclusive, até o advento da EC 9/957, detinha o monopólio de todas as ati-
vidades que envolviam desde a pesquisa até a comercialização do produto.
Tudo isso demonstra a importância deste assunto para o de-
senvolvimento do Estado e da sociedade capixaba. E, a reboque disso, a
tendência natural, em qualquer tipo de sociedade que vivencia tamanha
transformação, é aparecer os impactos negativos, os problemas, enm, os
conitos que acabam “desaguando” no Poder Judiciário.
A expansão incessante da atuação do Judiciário em questões re-
levantes que envolvem o desenvolvimento socioeconômico na chamada
judicialização da política, por meio do ativismo judicial, tende a assumir
importantes contornos também na área ambiental, especicamente nes-
se importante tema que é o licenciamento do petróleo.
Nesse sentido, nota-se a importância da análise dos problemas
jurídico-ambientais proporcionados pelo boom do mercado petrolífero no
Estado do Espírito Santo, ou seja, o que (e como) se tem discutido so-
bre o impacto ambiental em todos os níveis do Poder Judiciário (Justiça
Estadual e Federal, em diferentes instâncias).
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Diante de um Estado Social e Democrático de Direito, a pa-
lavra de ordem é efetividade. Nunca se falou tanto em efetividade das
normas constitucionais como a partir de 1988, com a promulgação da
Constituição da República de1988 (CR/88). A busca por essa efetividade
das normas constitucionais tem movimentado doutrina e jurisprudência,
a m de dar uma maior legitimidade ao ordenamento jurídico.
Ora, se a Constituição é a convergência das forças políticas exis-
tente no país, no exercício da democracia, a força normativa da constitui-
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ção impõe a interpretação que dê a maior efetividade possível das normas
constitucionais, para que se garanta maior legitimidade ao ordenamento
jurídico (BONIFÁCIO, 2009, p. 218). Essa busca pela efetividade das nor-
mas constitucionais tem por nalidade garantir a conformação jurídica de
justiça (BONIFÁCIO, 2009, p. 222).
A judicialização da política é a deliberação de questões dessa
ordem por órgãos do Poder Judiciário, sem qualquer tendência política.
Quando o Judiciário é provocado pelos jurisdicionados, não há opção do
Estado-juiz em decidir ou não. Se o conteúdo da demanda, ou seja, se
o pedido e a causa de pedir são relacionados a um direito fundamental,
por exemplo, que não tem sido garantido pelo Estado, cabe ao Judiciário
se manifestar, a m de garantir que o jurisdicionado tenha o seu direito
reconhecido e cumprido por quem é obrigado.
“O direito assume um caráter marcadamente hermenêutico”,
explica Streck (2009), em função “de um efetivo crescimento no grau de
deslocamento do pólo de tensão entre os poderes de Estado em direção à
jurisdição (constitucional), diante da impossibilidade de o legislativo (a
lei) poder antever todas as hipóteses de aplicação e do caráter compromis-
sório da Constituição, com múltiplas possibilidades de acesso à justiça”
(STRECK, 2009, p. 65).
O crescimento desse fenômeno tem três causas, em especial,
que passamos a enumerar:
a) o processo de redemocratização do país, que a partir de 1988 to-
mou corpo, por meio: i) das garantias institucionais da magis-
tratura – o que possibilita que o Judiciário não seja visto mais
como um órgão técnico-jurídico do Estado, a m de lhe dar su-
porte e garantir a independência dos juízes; ii) a ampliação das
atribuições do Ministério Público, estabelecidas na CR/88, que,
por meio da ação civil pública, tem legitimidade para requerer a
tutela de interesses difusos e coletivos; iii) assim como o cresci-
mento da presença das defensorias públicas, no âmbito estadual
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e federal, o que possibilita o acesso da população menos presti-
giada ao Poder Judiciário para a proteção dos seus interesses;
b) a abrangência temática da constituição, que ca demonstrada em
sua forma analítica, com a constitucionalização de diversos te-
mas, tais como tributação, educação, saúde, desporto, assistên-
cia social, trabalho, além do extenso rol de direitos fundamen-
tais, sem falar na cláusula geral de abertura inserida no art. 5º,
§ 2º, CR/88; além disso,
c) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que
comporta o controle difuso, em que qualquer juiz pode declarar
uma lei ou ato normativo como inconstitucional, mesmo de ofí-
cio, ou por meio do controle concentrado, via ação direta, exer-
cido pelo STF, por meio da ação direta de inconstitucionalidade,
da ação declaratória de constitucionalidade, ação de inconstitu-
cionalidade por omissão e pela arguição de descumprimento de
preceito fundamental.
No entanto, diante da necessidade de efetivação dos direitos
fundamentais, em especial no que se refere aos direitos fundamentais so-
ciais, a atividade do juiz pode fazer as vezes de atividade política, típica
dos Poderes Legislativo e Executivo, o que pode representar uma violação
do princípio da separação de poderes (art. 2º, CR/88)8.
O ativismo judicial é, portanto, a atividade pela qual o Poder
Judiciário, no exercício de suas funções, atua de modo proativo, a m de
interpretar a Constituição de modo a garantir a efetivação de direitos,
diante de uma retração na atuação dos outros Poderes. É exatamente a
possibilidade de confusão entre a atividade administrativa ou a formula-
ção de políticas públicas e a atividade jurisdicional que coloca o ativismo
judicial em uma situação delicada, diante da separação de poderes.
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A pesquisa jurisprudencial: a incipiente intromissão
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Na pesquisa realizada, com consideráveis contribuições dos alu-
nos bolsistas de iniciação cientíca, na tentativa da coleta de dados pre-
sencialmente (nos fóruns de Vitória e Vila Velha e no Tribunal de Justiça
Estadual, bem como na Justiça Federal sediada em Vitória) e virtualmen-
te (nos sites do TJES e do TRF2), em diversas esferas do Judiciário, com-
petentes para apreciar causas que envolvam o meio ambiente no Estado
do Espírito Santo, percebeu-se a escassez de apreciações de questões en-
volvendo a exploração do petróleo pela “Justiça capixaba”.
Essa escassez só não foi total em razão da existência da interessan-
te decisão proferida pelo Juiz da 6ª Vara Federal Cível, na Seção Judiciária
do Espírito Santo, nos autos do processo n. 2005.50.01.00.7655-9.
Trata-se de uma ação ordinária, movida pela Petrobras em face
do Ibama, na qual aquela pleiteava a concessão imediata da licença prévia
de produção para pesquisa no litoral do Espírito Santo. Isso havia sido
negado por se entender que a requerente (Petrobras) não havia cumprido
todas as suas exigências – que no caso era a realização de uma compensa-
ção ambiental, prevista no art. 36, caput, da Lei n. 9.985/2000.
De fato, o Ibama entendeu que o empreendimento produziria
signicativo impacto ao meio ambiente e, portanto, seria necessária a
compensação ambiental, com a criação de uma unidade de conservação,
cando a sua criação e manutenção a cargo da Petrobras. Como a referida
empresa não concordou com a exigência, por entender que sua atividade
não provocaria signicativo impacto ambiental, ela ajuizou a ação ordi-
nária, para que o Poder Judiciário determinasse a concessão da referida
licença ambiental.
Nesse sentido, parece tratar-se de um caso concreto de judicia-
lização da política, uma vez que o Poder Judiciário poderia interferir na
esfera administrativa e, talvez, tomar o lugar do administrador.
O juiz federal, ao analisar o caso, entendeu que todos os requisi-
tos legais para a concessão da licença haviam sido preenchidos. Portanto,
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a negativa da concessão da licença seria ilegal, tendo em vista que a
Petrobras apresentou os documentos listados no art. 7º da Resolução
Conama n. 23/97, dentre eles o estudo de viabilidade ambiental (EVA).
Desse modo, entendeu o magistrado que, como a referida re-
solução não trata da compensação ambiental, ela não é aplicável ao caso
concreto. Se o Ibama quisesse exigir a compensação ambiental (art. 36,
Lei n. 9.985/2000), deveria ter exigido o estudo prévio de impacto am-
biental, conforme previsão nesse dispositivo legal.
Embora o Ibama tenha explicitado que o nome do documento
deve ser tratado de modo genérico pelo intérprete, a tese que prevaleceu
foi a da Petrobras, determinando o juiz a imediata concessão da licença
ambiental para a pesquisa pretendida.
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Conforme prevê a Constituição, quando se trata de questão am-
biental a Administração não deve agir apenas considerando um “direito
subjetivo de exploração” de qualquer atividade econômica – livre-iniciati-
va –, mas sim a tutela do meio ambiente, em uma racionalidade que deve
transcender a “lógica individualista burguesa” (BRASIL, 1988).
De acordo com o princípio da prevenção9 e o da precaução10, a
Administração Pública tem por m assegurar que os bens ambientais se-
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jam preservados de atividades econômicas danosas, mesmo que isso sig-
nique a obstaculação de atividades econômicas, caso não seja possível a
minimização dos danos ambientais em níveis aceitáveis.
A licença administrativa deve ser entendida como o instrumen-
to pelo qual a Administração Pública autoriza que um administrado pra-
tique determinados atos, no exercício de direitos subjetivos. Assim é a
licença para dirigir veículo automotor, ou para construir, por exemplo.
Uma vez preenchidos os requisitos legais, não pode a Admi-
nistração Pública se recusar a fornecer ao particular a referida licença, sob
pena de praticar ato abusivo, atacável por mandado de segurança. Isso
porque não há para o administrador nenhuma liberdade de escolha. Uma
vez preenchidos os requisitos legais, o administrado tem o direito à expe-
dição da licença (CARVALHO FILHO, 2010, p. 155). Além disso, os atos
vinculados são denitivos. Uma vez praticados, não podem ser desfeitos
por atos posteriores, salvo quando a própria lei estabeleça um prazo de
validade para determinado ato (CARVALHO FILHO, 2010, p. 156).
Assim, no âmbito da dogmática jurídica, parte da doutrina
(BELTRÃO, 2009, p. 132) entende que a licença ambiental tem natureza
jurídica de licença e, portanto, vinculada, pelas seguintes razões:
a) se a licença ambiental for considerada uma autorização, não ha-
veria direito subjetivo à exploração de atividades econômicas, o
que colocaria o administrado à mercê da discricionariedade da
Administração Pública; esse entendimento violaria nosso siste-
ma constitucional, que garante a livre-iniciativa (art. 170, caput,
b) a possibilidade da não renovação, modicação, suspensão ou
cancelamento da licença não signica a precariedade do ato
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administrativo, porque não o coloca à mercê da arbitrariedade,
tendo em vista que a não renovação não pode ocorrer de modo
discricionário, mas sim de acordo com a lei (BELTRÃO, 2009,
p. 132-133).
Aloísio Pereira Neto também defende a vinculação da licença
ambiental. No entanto, se houver qualquer violação das condicionantes
ou normas legais, a licença poderá ser cassada (PEREIRA, 2009, p. 260).
Por outro lado, a autorização “é o ato pelo qual a Administração
consente que o particular exerça atividade ou utilize bem público no seu
próprio interesse” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 160). A autorização é um
ato discricionário da Administração e precário. Portanto, a autorização
pode ser cancelada a qualquer tempo.
É sabido que o art. 170, § 1º, CR/88 assegura “a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de auto-
rização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” (grifo nosso).
Como a proteção ambiental está inserida no contexto da Ordem
Econômica, torna-se claro que as atividades econômicas, quando estão
submetidas ao licenciamento ambiental, necessitam de uma autorização
ambiental (MACHADO, 2009. p. 275). Além disso, outras razões podem
ser explicitadas, como se vê a seguir.
O art. 10, § , da Lei n. 6.938/81 trata do pedido de renova-
ção da licença, como forma de manifestar que essa licença ambiental tem
natureza de autorização, diante da necessidade de renovação. Se fosse li-
cença mesmo, esta se tornaria ato denitivo. A mesma lei, ao tratar dos
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, aborda o licencia-
mento e a revisão das licenças, que, no mesmo sentido, demonstra a ne-
cessidade de revisão das licenças emitidas, com um caráter temporário.
A Resolução Conama n. 237/97 estabelece prazo de validade das
licenças ambientais, em seu art. 18 – licença prévia não superior a cinco
anos; licença de instalação não superior a seis anos; e licença de operação
não superior a dez anos. A obrigatoriedade das licenças serem temporárias
também demonstra que a licença ambiental tem natureza de autorização.
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Contudo, o que isso signica? As autorizações são atos adminis-
trativos precários. Não estão vinculados a direitos subjetivos dos admi-
nistrados, podendo ser, a qualquer tempo, canceladas, por serem atos ad-
ministrativos discricionários. Nos atos vinculados, a Administração não
pode se negar a praticar o ato, uma vez preenchidos os requisitos legais.
No entanto, o regime jurídico dos atos administrativos vinculados não
é o adequado no que se refere à licença ambiental. Traduzindo-se para a
linguagem losóca de François Ost, percebe-se que:
a alternativa não poderia consistir senão num direito brando, pura-
mente simbólico, desprovido de todo o efeito constrangente; ou en-
tão num direito excessivamente rígido e estável, sempre ultrapassado
pelas realidades. Bem entendido, há um preço a pagar: os princípios
de respeito à legalidade e da segurança jurídica não poderão sair in-
demnes deste embrandecimento da norma, em que a iniciativa é fre-
quentemente delegada do legislador à administração, e cujo conteúdo
é objecto de uma revisão contínua (OST, 1995, p. 115).
Diante de tantas condicionantes e levando-se em consideração
que a tutela do meio ambiente se refere a um direito difuso, de interesse
de toda a sociedade, não há como se permitir que a licença ambiental per-
maneça presa ao regime jurídico dos atos administrativos vinculados, por
ser temerário dar muitos direitos subjetivos aos indivíduos, em detrimen-
to do restante da sociedade.
Assim, para garantir uma maior efetividade à tutela ambiental,
e diante do que já foi colocado pela legislação, há que se entender que a “li-
cença ambiental”, na verdade, tem natureza jurídica de uma autorização
e, portanto, é um ato administrativo discricionário.
Isso não quer dizer que os administrados estarão sujeitos à arbi-
trariedade do administrador, uma vez que é possível, como se sabe, con-
trolar a discricionariedade da Administração.
Na decisão que se comenta neste trabalho, o julgado tratou a
licença ambiental como ato vinculado. Assim, uma vez demonstrado o
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cumprimento das exigências legais e regulamentares, nasce um direito
subjetivo para o administrado na expedição da licença ambiental.
No entanto, se a Administração negou a licença ambiental talvez
seja porque havia elementos que colocavam em dúvida se a atividade da
empresa causaria ou não danos ao meio ambiente. Nesse caso, quando o
Estado-juiz profere decisão anulando aquela decisão de não conceder licença,
ele interfere em um ato administrativo praticado pelo órgão administrativo
competente (Ibama), tomando, assim, o lugar do administrador (?).
Apontamentos conclusivos
Na pesquisa desenvolvida no transcurso do ano de 2010, inti-
tulada “Expansão da exploração do petróleo, política de proteção do meio
ambiente e atuação do Poder Judiciário”, cadastrada na UVV, com o apoio
da Funadesp, além de algumas produções internas, alcançou-se também
a elaboração do presente artigo cientíco. Neste artigo, buscaram-se re-
exões acerca da problemática envolvendo o Direito Ambiental, a atuação
do Poder Judiciário e a expansão econômica pelo petróleo, por meio da
hipótese centrada na análise de uma possível interferência desse Poder na
atuação da Administração Pública.
Assim, com base nessa problematização, lograram-se alguns
apontamentos conclusivos, conforme se vê a seguir.
1) A proposta trazida pela Constituição de 1988, no âmago de um
projeto de construção de um Estado Democrático de Direito, in-
troduz no âmbito normativo uma galopante preocupação com
a questão ambiental, acompanhando, inclusive, uma tendência
mundial manifestada, sobretudo, em tratados internacionais.
Todavia, ocorre que a “globalização da proteção ambiental” con-
vive ora paralelamente, ora contraditoriamente, com a globali-
zação do “desenvolvimento” econômico. Diante delas o Direito,
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em seu paradigma moderno, se vê em diversos momentos em
encruzilhadas labirínticas.
Essas encruzilhadas surgem no âmbito da decidibilidade jurídi-
ca, momento em que se tem o ápice da aplicattio, no sentido gadameriano
(GADAMER, 1996) de compreensão-interpretação-aplicação, hermenêu-
tica. Ou seja, a questão que se coloca envolve desde a maneira como aplicar
a lei e, consequentemente, construir a norma jurídica (se a discussão será
meramente dogmática e aí se tem uma redução à esfera puramente lega-
lista, vide decisão comentada dogmaticamente aqui), até a própria postu-
ra assumida pelo Poder Judiciário, com base nas possibilidades abertas
pela CF/1988 no Brasil. Sobre esse segundo ponto, este texto abordou o
fenômeno da judicialização da política e do ativismo judicial.
2) No caso em tela, antes mesmo de se abordar a intervenção ou
não do Judiciário em políticas públicas (expansão econômica
pela exploração do petróleo, proteção ambiental, etc.), foi pre-
ciso se estabelecer uma breve distinção entre a judicialização e
o ativismo. Considerando-se o segundo como uma possível con-
sequência do primeiro, Canotilho apresenta certa rejeição ao
ativismo, quando arma que “além de se limitarem a sentenças
casuísticas [...], falta-lhes legitimidade para a apreciação políti-
co-judicial das desconformidades constitucionais das políticas
públicas” (CANOTILHO, 2009, p. 57).
Embora se possa pensar o contrário, segundo Streck (2009,
p. 73), não cabe aos juízes uma liberdade de escolhas nas suas decisões
judiciais, em que pesem as decisões relativas ao exercício do ativismo ju-
dicial. O trabalho do intérprete é compreender o fenômeno e encontrar
a resposta mais adequada à Constituição. A resposta esperada é a que me-
lhor se adéque aos princípios e regras constitucionais para a solução do
caso concreto. Com isso, é possível controlar a atividade jurisdicional, do
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mesmo modo que é possível controlar a discricionariedade administrativa
do administrador público.
Desse modo, além de se criticar dogmaticamente, como fora fei-
to no último item deste texto, também se pode questionar se é legítimo
ao julgador afastar a obrigatoriedade de compensação imposta por um
órgão de scalização administrativo que, em tese, teria empreendido a
devida análise técnica sobre aquele caso especíco. Ao afastar aquela exi-
gência do órgão de proteção ambiental, não estaria o Judiciário se arvo-
rando na condição de gestor? Não seria isso uma exceção no exercício da
possibilidade de um Poder interferir no outro?
Quais seriam os limites dessa interferência? Esse pode ser um
pano de fundo que vem sendo requestionado diante de enfrentamentos
tão polêmicos e atuais como o da exploração do petróleo em face da pro-
teção do meio ambiente.
3) Como dito alhures, o debate em torno dos limites da expansão
da atividade econômica impostos pela necessidade de proteção
do equilíbrio ecológico ainda não encontra eco suciente no
Poder Judiciário capixaba, no que tange ao julgamento de cau-
sas envolvendo a exploração de petróleo no litoral do Espírito
Santo. Assim, uma das conclusões que se pode alcançar é jus-
tamente o caráter ainda incipiente da apreciação desse tipo de
demanda pelo Poder Judiciário, seja na esfera federal seja na
estadual em terras capixabas, não obstante o assustador avanço
desse tipo de atividade econômica no Estado que, como noticia-
do anteriormente, ocupa o segundo lugar no ranking nacional de
exploração de petróleo.
4) No que se refere à natureza jurídica da licença ambiental, tra-
ta-se, na verdade, de uma autorização administrativa conce-
dida pelo Poder Público para o particular exercer uma deter-
minada atividade econômica que seja potencialmente danosa
ao meio ambiente. Em se tratando de um bem difuso, que vai
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além do conceito de bem público, por transcender aos inte-
resses da Admi nistração Pública, há que se ter maior cautela
no trato desse bem tão valioso.
Por isso, se por um lado não parece prudente deixar o meio am-
biente à mercê dos totais interesses do particular; por outro, a atuação
de sua scalização e “controle” também não pode estar totalmente “pro-
tegida” pelo “arbítrio” do julgador. Em outras palavras, o meio ambiente
não deve ser colocado à disposição da esfera subjetiva dos interesses de
ninguém, seja um particular, seja o Estado-juiz. Diante disso, pelas razões
expostas, a licença ambiental deve ser tratada como uma autorização para
exploração de atividade econômica potencialmente danosa ao meio am-
biente, devendo ser concedida com muita cautela e com base em estudos
cientícos para se evitar danos muitas vezes irreversíveis.
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