Lei dos Juizados Especiais Federais: reflexos da ampliação do conceito de infrações de menor potencial ofensivo no ordenamento penal e processual penal

AutorProfa.Márcia Aguiar Ared; Dr. Rudson Marcos
CargoDoutoranda da UFSC, Promotora de Justiça em SC e Coordenadora do Centro das Promotorias da Coletividade do Ministério Público do Estado de Santa Catarina; Bacharel em Direito e Servidor Estadual, lotado na Coordenadoria Criminal do Centro das Promotorias da Coletividade do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
Páginas1-11

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I - Introdução

Com grande repercussão na mídia nacional, especialmente em decorrência dos efeitos civis que dela irão derivar, foi sancionada no último dia 12 de julho de 2001 e publicada no dia seguinte, a Lei n.º 10.259, com previsão legal para entrar em vigor no dia 13 de janeiro de 2.002, a chamada Lei dos Juizados Especiais Federais, que teria por escopo a disciplina dos Juizados Especiais Cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal. Page 2

Ocorre que, não obstante o legislador ressaltar que a matéria seria exclusiva para as ações e processos de competência da Justiça Federal, o novo texto legal, ainda sob os efeitos da vacância, introduz profundas e sérias alterações na Lei n.º 9.099/95, notadamente no que pertine ao novo balizamento definidor da menor potencialidade delitiva.

Este estudo pretende contribuir para a reflexão e debate sobre esta nova lei e seus reflexos no nosso atual ordenamento penal e processual penal.

II - Ampliação do conceito jurídico de infrações de menor potencial ofensivo

A Constituição Federal, em seu artigo 98, previu a criação dos Juizados Especiais, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. Tal dispositivo tem a característica de norma constitucional de eficácia limitada, pois, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo exige complementação por intermédio de legislação infraconstitucional, para que possam surtir os efeitos essenciais, visados pelo Constituinte.1Vale dizer, a mediatização da norma constitucional fica relegada ao legislador ordinário, que tem a incumbência de fixar os parâmetros caracterizadores das infrações de menor potencial ofensivo.

Somente com a edição da Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, tornou-se possível a aplicação do dispositivo constitucional em comento, pois estabeleceu os elementos formadores do conceito jurídico de infrações penais de menor potencial ofensivo, nos seguintes termos:

"Art. 61 - Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial." (grifo não-original).

Assim, o legislador ordinário demarcou os limites das infrações penais de menor potencial ofensivo utilizando-se de dois critérios: a natureza da infração, ao identificar a contravenção penal, independentemente da sanção cominada , e a expressão temporal das penas, metrificando a menor ofensividade como sendo própria de tipos penais de previsão sancionatória até o limite máximo de 1(um) ano.

Agora, com o advento da Lei n.º 10.259/2001, o legislador ordinário volta a utilizar-se da incumbência constitucional de conceituar as infrações penais de menor potencial ofensivo e promove expressivo alargamento em seu conceito para abranger, também, os crimes cuja pena máxima cominada não seja superior a 2 (dois) anos e aqueles apenados com multa, assim:

"Art. 2º [...] Page 3

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima dois anos, ou multa." (grifo não-original).

Pode-se afirmar, que o legislador manteve o critério de natureza do crime, concernente às contravenções penais, porém, ampliou o espectro de abrangência da menor potencialidade lesiva, no tocante ao critério de preceito penal secundário, pois, além de incluir todos os crimes cuja sanção cominada seja a de multa, desde que isoladamente prevista, também ampliou o conceito ao incluir os crimes, cuja pena máxima da privação da liberdade, abstratamente cominada, atinja o limite máximo de 2 (dois) anos, evidenciando, neste particular, inequívoca derrogação do artigo 61 da Lei n.º 9.099/95, que considerava de menor potencialidade lesiva os crimes cuja pena máxima da privação de liberdade não excedesse a 1 (um) ano.

Portanto, para efeitos de regulamentação do artigo 98 da Constituição é possível afirmar que, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 10.259/01, numa visão sistêmica do ordenamento jurídico, serão infrações penais de menor potencial ofensivo: 1)As contravenções penais; 2) Os crimes punidos com pena de multa, desde que cominada isoladamente e 3) Os crimes punidos com pena privativa de liberdade, cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Poder-se-ia argumentar no sentido de que as disposições contidas na Lei n.º 10.259/01 não têm o condão de derrogar os preceitos determinados pela Lei n.º 9.099/95, uma vez que aquela tem aplicação específica nos feitos de competência da Justiça Federal, haja vista, que a nova lei, ao conceituar infração penal de menor potencial ofensivo, de forma mais abrangente, faz a expressa ressalva de que o aludido conceito é utilizado "para os efeitos desta lei" (art. 2º, par. único, da Lei n.º 10.259/01). Entretanto, este argumento não pode prosperar, pois, ao nosso sentir, os princípios de direito penal, MUITOS DELES INSCULPIDOS NA Carta Magna, repelem uma interpretação restritiva para o assunto em foco, tornando-se forçosa uma análise principiológica, que passa a ser objeto de análise.

III - Prevalência dos princípios sobre as normas

Os princípios jurídicos desempenham basilar função no ordenamento jurídico, uma vez que deles se extraem preceitos integrativos e constitutivos, sobre os quais se assentarão todo o sistema normativo.

Os princípios jurídicos, assim como ar que respiramos, dão vida, identidade e organicidade ao sistema jurídico. Os princípios são as essências de sustentação do ordenamento jurídico. Situam-se onipresentemente (ou deveriam assim estar) na superestrutura normativa.

Portanto, embora a Lei n.º 10.259/01preceitue que o conceito dilatado de infrações de menor potencial ofensivo (pena máxima até 2 anos) só valha para os feitos(processos) que tramitem na Justiça Federal, tal comando legal há de Page 4 ser desconsiderado devendo ser aplicado a todos os processos em que as condutas capituladas nas ações penais subsumam-se a nova baliza conceitual da menor ofensividade. Ou seja, as condutas típicas para as quais a pena abstrata não ultrapasse 2 anos, sejam elas quais forem, exigem a aplicação das disposições penais e processuais próprias dos Juizados Especiais Criminais.

IV- Lesão ao princípio constitucional da isonomia

A Constituição brasileira de 1988 adotou a chamada igualdade substancial ou real em nosso o ordenamento jurídico, segundo a qual, "o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais"2

No caso do princípio constitucional da isonomia, a doutrina classifica-o como princípio jurídico fundamental, segundo o qual, "tem sempre uma força vinculante, de modo tal, a poder dizer-se ser a liberdade de conformação legislativa vinculada pelos princípios jurídicos gerais"3. Princípio estatuído expressamente no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, deve espargir-se sobre a totalidade do sistema normativo, ordenando-o, dando coerência geral ao sistema.

Assim, não se adequa ao princípio constitucional da isonomia a exclusão dos efeitos Lei n.º 10.259/2001 para as infrações de menor potencial ofensivo objeto de conhecimento e processamento pela chamada Justiça Estadual. Não há como estabelecer diferenciações em...

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