Juízes fora do lugar de fala: uma análise constitucional de decisões judiciais racistas

AutorSimone Alvarez
CargoDoutora em Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá
Páginas97-114
Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009 Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009
96 97
JUÍZES FORA DO LUGAR DE FALA: UMA ANÁLISE
CONSTITUCIONAL DE DECISÕES JUDICIAIS RACISTAS
JUDGES OUTSIDE THE SPEAKING PLACE: A CONSTITUTIONAL
ANALYSIS OF RACIST JUDICIAL DECISIONS
Simone Alvarez
Doutora em Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá.
Professora da Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá e da
Pós-Graduação em Filosofia e Sociologia da Universidade Estácio de Sá
E-mail: sissyalvarez22@yahoo.com.br
http://orcid.org/0000-0002-8431-8205
RESUMO
O Brasil é um país em que se reconhece a existência do racismo, entretanto raríssimos
são os que se declaram racistas. Por outro lado, há juízes brancos, que se negam racistas,
mas sentem-se confortáveis para falar sobre negritude e racismo, chegando ao ápice de
fundamentar sentenças judiciais em determinismo biológico - instituto utilizado no âmbito
da Antropologia e rechaçado pela mesma. Duas decisões judiciais foram destacadas: a
proferida no Paraná, na qual se considerou que o acusado pertencia ao grupo criminoso
por ser negro; e a proferida em Campinas, na qual foi concluído que o acusado branco
não tinha estereótipo de bandido. Tão preocupante quanto essas decisões é verificar
que o Conselho Nacional de Justiça nunca sancionou juiz algum por racismo, o que
leva à conclusão de que, provavelmente, há subnotificação de racismo em decisões
judiciais justamente pela desconfiança no órgão que, de acordo com o art. 103-B, §4º, III
da Constituição Federal, tem competência para receber e conhecer reclamações contra
órgãos do Poder Judiciário e avocar processos disciplinares em curso. É essencial refletir
e alertar que o Conselho Nacional de Justiça não pode ser um simulacro de proteção,
quando, na verdade, pode estar agindo de acordo com o racismo à brasileira e agindo
contrariamente ao que a Constituição vigente prega: o combate ao racismo. Foi utilizado
o método dedutivo porque partiu de aspectos gerais sobre racismo para a questão
específica que é decisão judicial com conteúdo racista (estudo de caso). Os dados foram
levantados por pesquisa bibliográfica e documental, tendo como principal marco teórico
a autora Djamila Ribeiro.
Recebido: 14/02/2021
Aceito: 26/04/2022
Este é um artigo de acesso aberto licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações Internacional
4.0 que permite o compartilhamento em qualquer formato desde que o trabalho original seja adequadamente reconhecido.
This is an Open Access article licensed under the Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License
that allows sharing in any format as long as the original work is properly acknowledged.
Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009 Revista Direito.UnB | Janeiro – Abril, 2022, V. 06, N. 01 | ISSN 2357-8009
98
Palavras-chave: Racismo; lugar de fala; determinismo biológico; sentença judicial;
Conselho Nacional de Justiça.
ABSTRACT
Brazil is a country in which the existence of racism is recognized, however, very few
are those who declare themselves as racist. On the other hand, there are white judges,
who deny themselves racists, but feel comfortable talking about blackness and racism,
reaching the apex of basing judicial sentences on biological determinism, an institute used
in the scope of Anthropology and rejected by it. Two judicial decisions were highlighted:
the one given in Paraná, in which the accused was considered to belong to the criminal
group for being black, and the one given in Campinas, in which it was concluded that the
white accused did not have the stereotype of a criminal. As worrying as these decisions is
to verify that the National Council of Justice has never sanctioned any judge for racism,
which leads to the conclusion that, probably, there is underreporting of racism in judicial
decisions precisely because of the mistrust in the body which, according to art. 103-B, §4,
III of the Federal Constitution has the competence to receive and hear complaints against
organs of the Judiciary and to initiate ongoing disciplinary proceedings. It is essential
to reflect and warn that the National Council of Justice cannot be a sham of protection,
when, in fact, it may be acting according to Brazilian racism and acting contrary to what the
current Constitution preaches: the fight against racism. The deductive method was used
because it started from general aspects of racism to the specific issue that is a judicial
decision with racist content (study case). Data were collected through bibliographic
and documental research, having the author Djamila Ribeiro as the main theoretical
framework.
Keywords: Racism; place of speech; biological determinism; judicial sentence; Nacional
Council of Justice.
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo mostrar o quão preconceituosas podem ser
determinadas decisões judiciais que, com base em determinismo biológico, pré-julga se
uma pessoa tem ou não “estereótipo de bandido”.
O primeiro item do presente artigo traz o conceito de lugar de fala e dialoga com
sua relação com o direito à liberdade de expressão, mostrando que todas as pessoas
possuem local de fala a partir do seu locus social, contudo, isso não ampara discurso de
ódio e nem racismo. Neste item, será demonstrado que lugar de fala não significa que
apenas negros podem falar sobre racismo, mas que eles possuem autonomia para falar
por si, dispensando a representatividade de pessoas que em nada os representam.
No segundo item, é feita uma abordagem sobre os aspectos críticos do
determinismo biológico e da doutrina racista, conceitos extraídos da Antropologia, mas
que tiveram impacto em diversos ramos das ciências sociais, como História, Sociologia

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT