Princípio da Juridicidade versus Princípio da Legalidade Estrita nas Licitações Públicas: Admissibilidade de Juntada Posterior de Documento no Procedimento Licitatório

AutorVictor Aguiar Jardim de Amorim
CargoBacharel em Direito (UFG). Especialista em Direito Público (Universidade de Rio Verde - FESURV). Especialista em Direito Processual Civil (Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL)
Páginas40-44

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1. Noções preliminares do princípio da legalidade e sua evolução conceituai

Como corolário da própria concepção de Estado Democrático de Direito, tem-se que somente a lei, expressão da vontade popular, pode inovar com originalidade no ordenamento jurídico.

Sendo dessa forma, o princípio da legalidade (art. 5o, II) funciona como instrumento de garantia do indivíduo contra a ação arbitrária do Estado. Com efeito, a lei é a medida da atuação esta-tal. O ente político administrativo só está autorizado a interferir na esfera do patrimônio jurídico individual quando autorizado pela lei.

Ademais, é imperioso consignar que, embora não seja possível precisar onde se situam os limites impostos no ordenamento constitucional para a restrição a direitos fundamentais, em princípio só através de lei strictu sensu (espécie normativa primária que retira o seu fundamento de validade diretamente da Constitui-ção) é possível restringir direitos e liberdades fundamentais.

O princípio da legalidade difunde-se, ainda, por toda Constituição, através de seus subprincí-pios, a saber: legalidade administrativa (art. 37, caput), legalidade penal (art. 5o, XXXIX) e legalidade tributária (art. 150,I e III).

No tocante à Administração Pública, é célebre a formulação segundo a qual, enquanto aos particulares é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíba, o Poder Público só poderá fazer aquilo que esteja expressamente previsto em lei.

O princípio da legalidade, em matéria de licitação, é de suma relevância, pois esta constitui um procedimento inteiramente vinculado à lei.

Tal obrigatoriedade atinge a todos os agentes públicos, que, no exercício de suas funções, não poderão desvincular-se das balizas impostas pelas normas que incidam sobre o tema das licitações e contratos, sob pena de ilegalidade dos atos que praticarem e do desencadeamento de sanções civil, penal e administrativa.

Contudo, há que se ter a devida ponderação quando da interpretação da incidência do princípio da legalidade no seio dos procedimentos licitatórios. Partindo-se de uma concepção estrita da legalidade, chegar-se-ia à extremada situação do administrador que, sem qualquer juízo de valoração, em todas as situações, resumiria seu campo de atuação à mera observância literal de um preceito legal.

A atividade administrativa não se limita a tão somente realizar o comando normativo aparentemente previsto no texto legal. Deve o administrador pautar sua atuação de forma a não re-

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putar a norma escrita como fim. mas como meio para se atingir a real finalidade de toda e qualquer atividade do Estado: o interesse público.

Fale-se, nesse ponto, no chamado princípio da finalidade. Nos dizeres de Afonso Queiró, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello1, "o fim da lei é o mesmo que o seu espírito e o espírito da lei faz parte da lei mesma". Com efeito,

"(...) o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isso: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objeti-vo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la."2

Portanto, a atividade administrativa mais consentânea com o real sentido do Estado Democrático de Direito, ao observar o princípio da legalidade, não pode prescindir da legitimidade cujo referencial é o interesse público.

"Pero el principio, como garantía de legitimidad jurídica, tiene un doble aspecto: la legalidad (formal) y la razonabilidad o justedad (material). Ya temos visto que no se trata de una mera garantía formal, lingüística, sino que lo és también de contenido, razonabilidad, igualdad, irretroactividad dañosa de la ley."3

Nesses termos, só será legítimo o comportamento administrativo se houver, além da observância dos aspectos formais de atendimento das regras legais, o respeito aos valores consagrados expressamente como fundamentos do ordenamento jurídico-constitucional.

Em outros termos, está-se a exigir do administrador um papel que extrapole o de mero aplicador do texto legal e implique uma atividade realmente interpretativa. Afinal, partindo-se do pressuposto de que não há identidade entre a norma jurídica e o texto normativo, tem-se que a atuação do administrador depende da realização da concretude do texto legal, que imprescinde de uma atividade interpretativa, vez que a norma jurídica é o significado que o jurista constrói a partir da leitura dos textos.

Logo, não se pode dizer que a Administração atua tão somente com base na literalidade do texto normativo. A bem da verdade, o comportamento administrativo será pautado na norma jurídica, cuja produção é derivada de um processo intelectivo do intérprete/administrador que contempla uma concepção de legitimidade e finalidade.

2. Noções conceituais do princípio da juridicidade

Pautados os termos da legalidade estrita no tópico anterior, passar-se-á, nas linhas que se seguem, à análise do atual estágio da hermenêutica jurídica no tocante à interpretação dos textos legais que preconizam a forma e o modo de realização das condutas da Administração Pública.

A bem da verdade, a concepção da juridicidade apresenta-se como uma evolução...

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