Jurisprudência e ementário

AutorOs Editores
Páginas158-240
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Nov.2011/Fev.2012RDisan, São Paulo v. 12, n. 3, p. 189-271
Jurisprudência e Ementário
JURISPRUDÊNCIA E EMENTÁRIO
JURISPRUDENCE AND ABRIDGEMENT OF LAW
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PROCESSO: MS 30824 MC / DF - DISTRITO FEDERAL
RELATOR: GILMAR MENDES
JULGAMENTO: 15/12/2011
DIREITO PUBLICO SANITÁRIO. FINANCIAMENTO DO SUS. DECISÃO:
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por JOSE
MENEZES DIREITO, em face do Acórdão 1989/2006 do Plenário do Tribunal
de Contas da União (TCU), mantido pelos Acórdãos 450/2009 (pedido de ree-
xame) e 754/2011 (embargos declaratórios), nos autos do TC 018.233/2006-1,
mediante o qual se aplicou ao impetrante a multa prevista no Art. 58, inciso II,
da Lei 8.443/92, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em decorrência de
transferência, em 10.7.2006, de R$ 8.381.818,92 (oito milhões, trezentos e
oitenta e um mil e oitocentos dezoito reais e noventa e dois centavos), ao Go-
verno do Estado do Piauí, com infração ao inciso I, alínea “a”, do Art. 73 da Lei
9.504/97. O impetrante alega que, na qualidade de Diretor-Executivo do Fundo
Nacional de Saúde, foi condenado pelo TCU, ao fundamento de que ao trans-
ferir, de forma voluntária, os valores mencionados, em 10.07.2006, não obser-
vou a vedação da Lei 9.504/97 (nos três meses que antecedem os pleitos
eleitorais), a tipif‌i car conduta infracional descrita no Art. 58, inciso II, da Lei
8.443/92, da qual decorre a aplicação de multa. No presente writ, af‌i rma-se que
a transferência é exceção à vedação apontada, pois se trata de transferência
obrigatória (ainda que operada por meio de Convênio), que se conf‌i gura como
serviço público de saúde (e não como compra). Aponta-se, ainda, que o ato
fundamentou-se na IN/STN/MF 2/2006 e na LC 101/2000. Assim, em síntese,
a ilegalidade do ato impugnado consistiria em “(i) forjar a substituição do gêne-
ro ‘serviço público’, pela espécie ‘compra’; (ii) revogar o § 3º, do Art. 25 da LC
101/2000, que trata as transferências destinadas à saúde como obrigatórias,
independentemente do instrumento usado para transferir os recursos; e ainda
(iii) incompetência do TCU para interpretar a legislação eleitoral”. Por f‌i m, apon-
ta a presença dos requisitos para a concessão da medida liminar e requer sua
concessão até o julgamento f‌i nal. Antes de analisar o pedido liminar, notif‌i quei
a autoridade coatora para prestar informações, bem como determinei a intima-
ção da Advocacia-Geral da União, nos termos do Art. 7º, II, da Lei 12.016/2009.
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Decido. A autoridade coatora, ao prestar informações, destacou que a transfe-
rência de valores decorrente do convênio tem caráter voluntário e refere-se à
aquisição de 143 ambulâncias (unidades móveis de saúde) pelo Governo do
Piauí, aquisição esta que não pode ser considerada como serviço, mas, sim,
como compra, conforme análise do objeto do Pregão 02/2006 do Governo es-
tadual, que, segundo a SECEX-PI, faria menção aos dispositivos da Lei 8.666/93
relacionados a contrato de compra de bens. Consta ainda a informação de que
os valores transferidos não foram utilizados pelo Governo do Piauí, por força
de medida cautelar deferida pelo próprio TCU à época. No referido acórdão,
af‌i rma-se, ainda, que “a responsabilidade pelo ato irregular aferido nestes autos
cinge-se ao Diretor-Executivo do Fundo Nacional de Saúde, responsável pela
realização do repasse da verba federal em data vedada pela legislação eleito-
ral, único agente que, para os f‌i ns que interessam à atividade de controle ex-
terno, deve ter sua conduta aferida por este Tribunal nesta oportunidade”.
Ademais, ao analisar o pedido de reexame do ora impetrante, consignou-se que
a IN/STN nº 02/2006 seria ilegal e não se sobreporia à vedação do Art. 73, in-
ciso VI, alínea ‘a’, da Lei 9.504/97 e que, em 29.6.2006, teria sido editada a
Resolução TSE nº 22.284, que também vedaria a transferência em análise, de
cujo teor se extraiu o seguinte excerto: “É vedada à União e aos Estados, nos
três meses que antecedem o pleito, a transferência voluntária de verbas, ainda
que decorrentes de convênio ou outra obrigação preexistente, desde que não
se destinem à execução de obras ou serviços já iniciados”. Dessa forma, o TCU
fundamentou-se no Art. 58, inciso II, que dispõe que ele poderá aplicar multa
ao responsável por “ato praticado com grave infração à norma legal ou regula-
mentar de natureza contábil, f‌i nanceira, patrimonial, orçamentária, operacional
e patrimonial.” Entende que a norma legal infringida foi a seguinte (Art. 73, VI,
alínea ‘a’, da Lei 9.504/97): “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, ser-
vidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de opor-
tunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VI - nos três meses que
antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União
aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade
de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal
preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronogra-
ma pref‌i xado, e os destinados a atender situações de emergência e de calami-
dade pública);”. Primeiramente, não verif‌i co a plausibilidade da alegação de
incompetência do TCU para apreciar a conduta de agentes públicos com base
na lei 9.504/97. É que, conforme se constata do Art. 73, § 4º, da Lei 9.504/97,
há previsão de multa para as condutas vedadas, o que não impede que sejam
também conf‌i guradoras de ato de improbidade (Art. 73, § 7º, da Lei 9.504/97),
ou que impeçam a responsabilidade em outras esferas, a exemplo do que dis-
põe o Art. 78 da referida lei: “Art. 78. A aplicação das sanções cominadas no
Art. 73, §§ 4º e 5º, dar-se-á sem prejuízo de outras de caráter constitucional,
administrativo ou disciplinar f‌i xadas pelas demais leis vigentes”. Entretanto,
entendo presentes os requisitos de concessão de medida liminar em relação
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ao argumento de que a transferência autorizada pelo impetrante se enquadra-
ria na exceção prevista no Art. 73, inciso VI, alínea “a”, da lei 9.504/97, qual
seja: “ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexis-
tente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma
pref‌i xado”. Conforme se colhe dos autos, o impetrante demonstra a existência
de obrigação formal preexistente (Convênio nº 4.505/2005, entre a União e o
Governo do Piauí, f‌i rmado em 31.12.2005, com vigência até 26.12.2006), o que
não é refutado pelo TCU no acórdão 1989/2006, a saber: “23. De fato, o pro-
cessamento da aquisição de ambulâncias objeto do Convênio nº 4.505/2005,
quando da realização do 2º repasse por parte do Fundo Nacional de Saúde
(ordem bancária nº 2006OB908130, de 10/07/2006), já estava em curso: a lici-
tação havia sido efetivada e homologada e os contratos respectivos celebrados,
conforme demonstrado a seguir (…); 24. Não há nos autos, portanto, contro-
vérsias quanto à preexistência de obrigação formal contraída pela Secretaria
de Saúde do Estado do Piauí; 25. A irregularidade apontada pelo Tribunal
consiste no fato de que, a aquisição de ambulâncias, por tratar-se de ‘compra’,
não estaria excepcionada da vedação ínsita na alínea ‘a’, VI, do Art. 73, da Lei
9.504/97. Ou seja, a discussão tem como foco principal a caracterização do
objeto conveniado: se ‘compra’ ou ‘serviço’; 26. Entendo que o conceito de
‘serviço’ deve receber interpretação restritiva, tendo em vista que as exceções,
conforme as normas básicas de hermenêutica, interpretam-se restritivamente”.
Como se apreende do excerto acima, há dúvida interpretativa sobre o enqua-
dramento ou não do objeto do Convênio como compra ou serviço. O impetran-
te demonstra que a aquisição de ambulâncias busca “viabilizar deslocamentos
de pacientes do SUS para a Capital e outras cidades que se reporta a estrutu-
ra para o atendimento de serviços públicos especializados, se constituindo em
parte estruturante de atenção à Saúde do Estado do Piauí”, entre outros servi-
ços. Assim, parece razoável, ao menos neste juízo preliminar, a alegação de
que as ambulâncias instrumentalizam e servem para a manutenção dos servi-
ços de saúde e que sua aquisição, nos termos do referido Convênio, pode se
enquadrar na def‌i nição de ‘serviços’ prevista na exceção legal. Da mesma
forma, há razoável dúvida quanto ao fundamento adotado pelo ato atacado de
que, por se tratar de convênio, consequentemente se trataria de transferência
voluntária, inclusive se o convênio é prévio e estipula obrigações formais e
preexistentes, com cronograma de pagamentos. Nesse sentido, em 22.6.2006,
ou seja, em data anterior ao período de vedação previsto na Lei 9.504/97, já
havia sido determinada a transferência de parte dos valores pactuados no
mencionado Convênio. Ao mesmo tempo, o impetrante demonstra que sua
atitude, em princípio, estaria em sintonia com o disposto no Art. 1º da IN/STN
nº 2, de 31.05.2006, que assim dispunha: “Art. 1º No exercício de 2006, a libe-
ração de recursos de convênios durante o período eleitoral, compreendido
entre 1ª de julho e 29 de de outubro (datas-limite, inclusive), f‌i ca condicionada
a: I – haver sido assinado o Termo de Convênio até 30 de junho; e, II – haver
sido iniciada uma de suas etapas de execução até 30 de junho”. A questão de

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