Nos labirintos de uma arqueologia: análise crítica da configuração brasileira do processo de impeachment

AutorLucas Catib de Laurentiis
Páginas28-44
Rev. direitos fundam. democ., v. 21, n. 21, p. 28-44, dez. 2016. Edição especial
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
NOS LABIRINTOS DE UMA ARQUEOLOGIA: ANÁLISE CRÍTICA DA
CONFIGURAÇÃO BRASILEIRA DO PROCESSO DE IMPEACHMENT
LABYRINTHS OF ONE ARCHEOLOGY: A CRITICAL ANALYSIS OF THE BRAZILIAN
CONFIGURATION OF THE IMPEACHMENT PROCESS
Lucas Catib de Laurentiis
Mestre e doutor em Direito constitucional pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Professor e pesquisador em regime de tempo
integral da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Resumo
O artigo trata de questões históricas e conceituais do processo
e julgamento do impeachment brasileiro. Desenvolve uma
abordagem crítica da configuração atual de tal instrumento e
analisa pontos polêmicos do julgamento recente, em que o
Supremo Tribunal Federal reavaliou o processo de
responsabilização de agentes políticos. O método da análise
desenvolvida é o histórico e conceitual e a estratégia de
abordagem do tema é analítica, vez que o trabalho apresenta
os contornos jurídicos do processo de impeachment em sua
lógica interna. Para tanto, os pontos controvertidos do mais
recente caso de impeachment brasileiro são avaliados. O
objetivo do trabalho é expor a configuração atual de tal
processo e suas conclusões indicam que, tal qual se encontra
estruturado, o impeachment é um elemento de desestabilização
do processo democrático.
Palavras-chave: Direito constitucional; processo de
impeachment; jurisprudência constitucional.
Abstract
The article deals with historical and conceptual issues
concerning the Brazilian impeachment process and trial. It
develops a critical approach to the current configuration of this
instrument and also analyzes controversial points of a recent
LUCAS CATIB DE LAURENTIIS
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Rev. direitos fundam. democ., v. 21, n. 21, p. 28-44, dez. 2016. Edição especial
judgment, in which the Brazilian Supreme Court reassessed the
process of political accountability. The method of the analysis
developed is historical and conceptual and theme approach
strategy is analytical, since the work exposes the legal contours
of the impeachment process in its internal logic. Therefore, the
controversial points about the latest impeachment Brazilian
process are evaluated. The objective is to expose the current
configuration of this process and its findings indicate that, as it is
structured, the impeachment is a destabilizing element in the
democratic process.
Keywords: Constitutional right; impeachment process;
constitutional jurisprudence.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Peça de museu, armadura medieval, tigre de palha. Uma instituição
anacrônica, inútil e arcaica.1 Qualificativos de um instituto que persiste no tempo e
espaço, apesar dos percalços, dificuldades, aporias e inseguranças de sua noção e
aplicação: o impeachment, esse ilustre e antigo desconhecido. As dificuldades iniciam
com a denominação. Falso cognato de impedimento, 2 o termo inglês designa a
acusação sofrida por uma autoridade eleita perante um tribunal legislativo,3 mas não se
pode negar que seu uso indiscriminado pela prática e a regulamentação deficiente em
nível constitucional e legal, fazem com que não se possa mais indicar com precisão o
sentido da expressão.4 Impeachment se tornou, assim, sinônimo de processo especial
a que se sujeitam altas autoridades, sejam elas eleitas ou não.5 Não são menos
problemáticas as descrições e teses a respeito de suas origens. Uns dizem que ele
vem do direito germânico,6 outros, que são a grande maioria, da tradição inglesa;7
enfim, há aqueles que indicam a revolução operada pelo direito norte-americano e seus
1 Para referências de autores, dentre eles Rui Barbosa e Aliomar Baleeiro, que designam o processo
de impeachment com tais qualificativos: BROSSARD, 1992, p. 193 e ss.
2 Utilizando de forma questionável impeachment e impedimento como sinônimos, por muitos: AGRA,
2012, item 26.3.1.
3 Corretamente, no sentido etimológico: HAMON; TROPER; BURDEAU, 2005, p. 134.
4 Tecnicamente, não se pode chamar os processos sofridos por Ministros do Supremo Tribunal
Federal, membros do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, o Procurador Geral da
República, ou o Advogado Geral da União (art. 52, II, CF/1988), que são julgados exclusivamente
perante o Senado Federal, e muito menos o processo a que estão sujeitos os Ministros de Estado, os
comandantes do Exército, Marinha ou Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores e do
Tribunal de contas (102, I, c, CF/1988), de impeachment. Aqueles porque não são autoridades
eleitas; esses porque não são julgados perante um tribunal político. Nessa linha: BROSSARD, 1992,
p. 6.
5 O termo se aproxima, assim, da matriz norte-americana, tal qual se observa, dentre outros, em:
CORWIN, 1967, p. 23.
6 Nessa linha: STORY, 1833, p. 215, para quem o processo tem origem na prática germânica de julgar
crimes capitais perante o público de cidadãos, reunidos em assembleia.
7 FAVER, 2016, p. 322; CUNHA, 1993, p. 165

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