Legislação e quadro legal da gestão de resíduos sólidos urbanos em Moçambique

AutorHelena Ribeiro, Lina Buque
Páginas132-147
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 132-147, nov. 2013/ fev. 2014
Tema em Debate / Argument
Artigo Original / Original Article
LEGISLAÇÃO E QUADRO LEGAL
DA GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
URBANOS EM MOÇAMBIQUE
Legislation and legal framework of urban solid
waste management in Mozambique
Helena Ribeiro*
Lina Buque**
RESUMO
Este artigo descreve a base legal que regula a gestão de resíduos sólidos urbanos em
Moçambique com a visão focada nas organizações de coleta seletiva e reciclagem. Para
tanto, fez-se uso do método analítico-descritivo, utilizando como estratégia metodológica
o levantamento bibliográfico e documental em obras de maior relevância sobre o tema
abordado, a partir do qual, foi feita uma análise descritiva da legislação e das normas
legais. A pesquisa demonstrou que a legislação ambiental apresenta as normas ambientais,
contudo, há inadequação dos meios de implementação, por carência de recursos
materiais, técnicos, humanos e financeiros. A legislação ambiental moçambicana contém
instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao país no enfrentamento
dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo
inadequado dos resíduos sólidos urbanos (RSU). Destaca-se o fato de prever a redução
na geração de resíduos, propondo o reuso e o reaproveitamento. Uma lacuna da legislação
é que não menciona a pertinência da elaboração de um Plano Estratégico Nacional e/ou
Municipal de Resídios Sólidos Urbanos, instrumento estratégico diretor da gestão de RSU,
fundamental para que o setor possa dispor de orientações e objetivos claros, bem como
de uma estratégia de investimento. A legislação não apresenta instrumentos para propiciar
a reciclagem e o reaproveitamento, nem faz referência à participação de organizações
de coleta seletiva e reciclagem no sistema de gestão de resíduos sólidos dos municípios,
como forma de enfrentamento à pobreza e aos problemas causados pelos resíduos sólidos.
Palavras-chave: Moçambique; Legislação Ambiental; Resíduos Sólidos Urbanos.
* Mestre e Doutora em Geografia; Livre-docente em Saúde Pública. Professora Titular, Diretora,
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. São Paulo/SP – Brasil. E-mail: lena@usp.br
** Mestranda em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo. Bolsista da Fundação Ford para
realização deste trabalho. Maputo - Moçambique. E-mail: lbuque@usp.br
Texto recebido em 01/11/2012. Revisado em: 01/03/2013. Aprovado em 04/03/2013.
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ABSTRACT
This article describes the legal framework that regulates urban solid waste management
in Mozambique, with focus on recycling organizations. The methodology of the research
was based on analysis of Mozambican environmental laws and secondary data available
in newsletters and other documents. Between the positive aspects of Mozambican
environmental legislation, it is highlighted the fact that the law emphasizes reuse and
return of residues. A gap on law is the lack of reference to participation of organizations
dedicated to benefit and to recycle urban solid waste. There is no foresight of the municipality
financing recycling projects/programs developed by scavengers. The research shows
that formulation of public policies of solid waste must consider articulating and integrating
recycling organizations of waste management as a local solution for the environmental
and social problems faced by the municipality.
Keywords: Environmental Legislation; Mozambique; Urban Solid Waste.
Introdução
Após a luta pela independência (1975), as cidades de Moçambique passaram a
estar administrativamente dependentes do Governo Central, principalmente no
que diz respeito aos recursos financeiros. Muitas estruturas administrativas da
época dos portugueses mantiveram-se até os dias de hoje. O crescimento das
cidades moçambicanas não foi acompanhado pela provisão de infraestrutura
e de serviços urbanos, entre eles os serviços públicos de saneamento básico,
que incluem o abastecimento de água potável, a coleta e tratamento de esgoto
sanitário, a estrutura para a drenagem urbana e o sistema de gestão e manejo
dos resíduos sólidos.(1) Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano
2011 Sustentabilidade e Equidade: Um futuro melhor para todos, publicado
pelas Nações Unidas, entre 1990 e 2011 o valor do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de Moçambique aumentou de 0,200 para 0,322. Não obstante o
aumento continuado no valor de IDH, Moçambique classifica-se em 184° lugar,
de um total de 187 países.(2)
Os resíduos sólidos domiciliares coletados são depositados em lixeiras oficiais
ou clandestinas sem nenhum tratamento. Desse total, 60% podem potencial-
mente ser reaproveitados, desde que separados na fonte geradora e coletados
1 MAPUTO (Município). Plano Director da Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos da Cidade de
Maputo. Maputo, 2008.
2 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD) Moçambique.
Thomas Kring. Moçambique e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2011. Maputo, Publicado
pela Unidade de Análise de Políticas e Economia (EPAU). Disponível em:
org.mz/en/Publications/National-Reports/Mocambique-e-o-Indice-de-Desenvolvimento-Humano-
IDH-2011>. Acesso em: 05 dez. 2011.
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seletivamente para serem encaminhados para reaproveitamento e reciclagem,
poupando recursos naturais e promovendo assim o aumento da vida útil dos
aterros e a geração de trabalho e renda.
A rápida urbanização, o crescimento de bairros sem nenhum serviço básico, os
fluxos migratórios internos, entre outros fatores, têm desafiado a administração
pública a enfrentar novas realidades. São cada vez mais comercializados e
usados nas lojas e nos mercados, em substituição a cestos de material natural
e tecidos, produtos plásticos, especialmente os sacos. O aumento exponencial
no uso do plástico em objetos de uso diário, mais econômico em relação aos
mesmos produtos fabricados com madeira ou metal, tem sido causa de polui-
ção, destacando-se o aumento de lixo nas ruas e entupimento de canais de
drenagem de águas pluviais.
Apenas uma ínfima percentagem destes resíduos é reaproveitada e reciclada,
embora as populações, geralmente rurais, tenham o hábito de reaproveitar
materiais como garrafas/garrafões de plástico e vidro. Iniciativas de atividade
de coleta e venda de recicláveis no mercado moçambicano são reduzidas
devido à falta de incentivos econômicos e escassez de indústrias trans-
formadoras. Um fator fundamental para o sucesso dos projetos de coleta
seletiva é o reconhecimento dos catadores de materiais recicláveis como
atores centrais desta atividade. Contudo, em Moçambique, os catadores são
vistos como marginais, como sendo um dos agentes do aparecimento do
lixo fora dos depósitos (containers), que, na busca de materiais recicláveis
e alimento, entre outros, revolvem os resíduos depositados nos containers,
prejudicando a ação de limpeza do município. Saliente-se que a coleta de
materiais recicláveis nas ruas, em grande parcela, é feita por catadores autô-
nomos, visto associações de catadores serem muito recentes no país e não
existir um movimento nacional ou associação moçambicana de catadores.
Os poucos catadores que se encontram associados são os que pertencem
às cooperativas ou associações de coleta seletiva. Apesar do triste cenário
dos catadores de rua, no âmbito dos esforços visando ao combate à proli-
feração de resíduos sólidos, eles poderiam ter um papel importante, desde
que reconhecidos pela legislação.
Com a introdução das autarquias, em 1999, foi estabelecido um novo marco
regulatório de gestão urbana e as autoridades municipais se encarregam do
gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, bem como do cumprimento da
legislação pertinente a sua área de jurisdição.
De acordo com o Recenseamento Geral de População e Habitação, realizado
em 2007, publicado em 2010, Moçambique tem uma população de cerca de 20
milhões de habitantes, que representa um aumento de 27,8% em relação a 1997.
Ainda segundo o censo, 30% da população está concentrada nas cidades e o res-
tante em áreas rurais. Os principais centros urbanos com grande concentração
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populacional são Maputo, Matola e cidade da Beira.(3) Em Moçambique, todos
os municípios destinam seus resíduos sólidos à disposição a céu aberto, nas
denominadas lixeiras ou lixão. Nenhum município do país ainda resolveu
satisfatoriamente o gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos e o modelo
tradicional de gestão apresenta uma série de problemas, sem trazer soluções.
Estima-se que, no país, pouco mais de um terço da população tenha acesso à
água potável e pouco mais de 45% da população tenha acesso ao saneamento
adequado. Grande parte das cidades do país apresenta rede de esgoto com
ligações domiciliares, embora o uso de fossas sépticas seja comum nas zonas
periféricas. No meio rural, abundam latrinas melhoradas e/ou tradicionais. As
metas do país são atingir 70% da cobertura de abastecimento de água potável
até 2015. A meta para o saneamento rural é atingir 50%, servindo 8,4 milhões
de pessoas, e para as zonas urbanas é atingir 80%, servindo 6,1 milhões de
pessoas com saneamento adequado.(4)
Atualmente, a taxa de lixo ou de limpeza é cobrada, usando o sistema de fa-
turação da Eletricidade de Moçambique. Portanto, todos os usuários de ener-
gia elétrica, no sistema pré-pago (Credelec) ou no pós-pago (Contrato), são
obrigados a pagar a taxa de lixo quando pagam as suas contas de consumo
de energia elétrica, uma vez que a taxa de lixo vem inclusa, mensalmente, na
fatura ou no recibo de Credelec.
Considerando a crescente atenção dada à problemática causada pelos resídu-
os sólidos em Moçambique, iniciaram-se em 2006 (em Maputo), as primeiras
atividades de valorização dos resíduos sólidos, dentre eles o plástico, o vidro,
o papel, o metal e o resíduo orgânico vegetal. Alguns anos mais tarde, estas
atividades levaram à criação de centros para tratamento e valorização de resí-
duos sólidos, oferecendo oportunidade de trabalho, aumento do rendimento e
de sensibilização ambiental. O tema de resíduos sólidos abre possibilidades de
formulação de políticas públicas que reduzam os impactos sobre o meio ambiente
e promovam inclusão social e geração de renda. Este artigo descreve a base
legal que regula a gestão de resíduos sólidos urbanos em Moçambique, com a
visão focada nas organizações de coleta seletiva e reciclagem.
3 INSTITUTO NACIONAL DA ESTATÍSTICA (INE). Recenseamento Geral de População e Habitação,
2007. Maputo, 2010. Disponível em: . Acesso em:
10 nov. 2011.
4 UNICEF MOÇAMBIQUE E MISA-MINISTÉRIO DA SÁUDE. Água e saneamento: análise da
cobertura jornalística e recomendações para os media. Maputo, 2008. Disponível em:
unicef.org/mozambique/UNICEF-MISA_Analise_de_Imprensa-_agua_e_Saneamento_COVER.
pdf>. Acesso em: 15 nov. 2011.
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I. Enquadramento legislativo da gestão de resíduos sólidos urbanos em
Moçambique
Nesta secção é apresentada a legislação moçambicana aplicável a resíduos
sólidos urbanos desde os comandos institucionais, regulamentos e posturas
municipais. Um maior destaque é dado ao Decreto n.º 13/2006, de 15 de
junho de 2006, Regulamento sobre Gestão de Resíduos Sólidos, por ser o
instrumento que aborda com mais detalhe o tema dos resíduos sólidos. En-
tretanto, há outros instrumentos legais e normativos que guardam relações
com o tema resíduo sólido, os quais, em conjunto, vêm preenchendo a lacuna
causada pela inexistência de uma política mais abrangente de resíduos sólidos
urbanos. Destacam-se:
• Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro de 1997, Lei das Autarquias Locais;
• Lei n.º 11/97, de 31 de Maio de 1997, Lei das Finanças e Patrimônio das
autarquias locais;
• Decreto n.º 8/2003, de 18 de Fevereiro de 2003, Regulamento sobre a
Gestão de Lixos Biomédicos;
• Decreto n.º 45/2004, Regulamento sobre o Processo de Avaliação de Im-
pacto Ambiental;
• Decreto n.º 11/2006, de 15 de Junho de 2006, Regulamento sobre Inspeção
Ambiental;
• Decreto n.º 13 /2006, de 15 de Junho de 2006, Regulamento sobre a Gestão
de Resíduos Sólidos;
• Resolução n.º 86/AM/2008, de 22 de Maio de 2006, Postura de Limpeza de
Resíduos Sólidos Urbanos no Município de Maputo; e
• Plano Diretor da Gestão de Resíduos Sólidos do Município de Maputo.
O país carece de uma política nacional de resíduos sólidos que contem-
ple de forma ampla as diversas questões que envolvem o gerenciamento
destes resíduos. Entretanto, é importante salientar a criação do Ministério
para Coordenação da Ação Ambiental (MICOA), como órgão consultivo e
deliberativo responsável por assessorar e propor ao Conselho de Governo,
diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e para os re-
cursos naturais. Há, ainda, na legislação, instrumentos jurídicos para auxiliar
os municípios na gestão dos resíduos sólidos: o Plano Diretor de Resíduos
Sólidos; a Lei de Uso e Ocupação do Solo; Código de Postura de Limpeza,
entre outras disposições.
A constituição da República de Moçambique, de 2004, não introduz o meio am-
biente em capítulo próprio, porém, garante o direito de todos os moçambicanos
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade
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de vida. Contempla o meio ambiente no artigo 90,(5) em que declara o meio
ambiente de uso comum de todos e impõe, tanto ao poder público, quanto à
coletividade, o dever de zelar pela sua proteção. Observa-se, dessa maneira,
a preocupação relacionada a uma qualidade ambiental sustentável. Contudo,
observa-se que temas específicos, sobre os resíduos sólidos urbanos, não foram
Em 1995, o Governo aprovou a Resolução n.º 5/95, de 3 de Agosto, a Política
Nacional do Ambiente. Da aplicação desta política resultaram ações concretas
para que o país, pela primeira vez, desse um passo fundamental na concretiza-
ção de uma política de resíduos sólidos urbanos. A Política Nacional do Ambiente
adotou a Gestão do Ambiente Urbano e, dentro desta, a gestão de resíduos
domésticos e hospitalares, como prioridade de intervenção. A estratégia foi
descentralizar a competência da gestão ambiental urbana para os municípios,
capacitando-os na gestão de resíduos sólidos domésticos e hospitalares, visando
melhorar o sistema de recolha, tratamento e disposição dos resíduos e introduzir
mecanismos para participação das comunidades na gestão dos resíduos sólidos.
Embora a política não estabeleça metas para o encerramento de todos os lixões
no país, propõe a criação e o gerenciamento de novas áreas de disposição
final de resíduos sólidos, introduzindo sistemas de tratamento e reciclagem. A
Política Nacional do Ambiente vai além e propõe a introdução, aos cidadãos,
de mecanismos para a prática de separação dos resíduos sólidos. Sugere,
em médio e longo prazos, a adoção de medidas legislativas que obriguem os
poluidores a procederem à reciclagem dos seus resíduos. Pode-se se entender
com isto que a política propõe a criação de aterros sanitários (domésticos e
industriais), infraestruturas de valorização, eliminação e disposição de resíduos
(domésticos, químicos e biológicos perigosos) e criação de sistemas de coleta
seletiva. A Política abriu caminho, também, para a constituição e o licenciamento
de entidades gestoras de fluxos especiais de resíduos.
Em 1997, foi aprovada pela Assembleia da República a Lei do Ambiente, Lei
n.º 20/97, de 1 de Outubro. Esta lei estipula as bases do sistema de prevenção
e proteção do ambiente em Moçambique. Esta lei vem definir as bases legais
para a utilização e gestão correta do ambiente e seus componentes, com vista
à materialização de um sistema de desenvolvimento sustentável no país. A Lei
do Ambiente também proíbe a importação de resíduos ou lixos perigosos, salvo
o que vier estabelecido em legislação específica. Nela, define-se ambiente como
“o meio onde o homem e outros seres vivos vivem e interagem entre si e com
o próprio meio e inclui: a) O ar, a luz, a terra e a água; b) Os ecossistemas, a
5 Art. 90 (Direito ao ambiente). 1. Todo o cidadão tem o direito de viver num ambiente equilibrado
e o dever de o defender. 2. O Estado e as autarquias locais, com a colaboração das associações
de defesa do ambiente, adoptam políticas de defesa do ambiente e velam pela utilização racional
de todos os recursos naturais. MOÇAMBIQUE. Portal do Governo de Moçambique. Constituição
da República de Moçambique. Disponível em:
constituicao_republica/>. Acesso em: 19 jan. 2014.
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biodiversidade e as relações ecológicas; c)Toda matéria orgânica e inorgânica;
d) Todas as condições sócio-culturais que afetam a vida das comunidades.”
O conceito de ambiente adotado pela lei é um conceito amplo, abrangendo não
só os elementos naturais, também designados componentes ambientais, mas
também os artificiais (como o meio urbano), cultural (patrimônio cultural, bens
relevantes a comunidades locais) e laboral (salubridade do meio ambiente de
trabalho).
Sendo os resíduos sólidos um fator determinante ou potencialmente determinan-
te de saúde pública e problemas ambientais, não podem ser olhados com indife-
rença. Invoca-se a validade dos princípios de defesa ambiental em especial da
prevenção e o do poluidor-pagador. Nos termos do artigo 9º da Lei do Ambiente,
optou-se por se impor uma proibição de poluir, prevendo, expressamente, que:
Não é permitida, no território nacional, a produção, o depósito no
solo e no subsolo, o lançamento para a água ou para a atmosfera,
de quaisquer substâncias tóxicas e poluidoras, assim como a
prática de atividades que acelerem a erosão, a desertificação,
o desflorestamento, ou qualquer outra forma de degradação do
ambiente, fora dos limites legalmente estabelecidos.
A lei prevê que está também proibida “qualquer outra forma de degradação do
ambiente, que não somente aquelas especificamente consagradas na Lei”. A
aplicação desses princípios permite deslocar a visão tradicional da natureza
jurídica que conecta os resíduos sólidos urbanos com aqueles que o geram,
e com aquele que tem a obrigação de dar-lhes uma destinação adequada(6).
Como instrumentos de prevenção do dano ambiental, a Lei do Ambiente esta-
belece que seja o Governo, através do Ministério para Coordenação da Acção
Ambiental, a quem cabe a tarefa de elaborar e executar as políticas em matéria
ambiental, como tal, é em sede administrativa que a prevenção e precaução
do dano devem ser primeiramente levadas em consideração e defendidas. A
Lei do Ambiente aponta, também, nesse sentido, ao identificar o licenciamento
ambiental, a avaliação de impacto ambiental e as auditorias ambientais.
Outro documento aprovado que guarda alguma relação, embora que exígua, com
residuos sólidos urbanos é o Decreto Ministerial n.º 45/2004, de 29 de Setembro,
que aprova o Processo de Avaliação de Impacto Ambiental. Estabelece critérios
para licenciamento ambiental de atividades poluidoras e institui a obrigatorie-
dade de realização de Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
A Lei das Autarquias locais, Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro, garante aos mu-
nicípios competência para a busca do desenvolvimento local com qualidade
6 SILVEIRA, Paula de Castro. Algumas considerações sobre a Lei do Ambiente em Moçambique.
Beira, 2010. GEOUSP. Disponível em:
Geousp14/Geousp_14_intercambio1.htm>. Acesso em: 13 set. 2011.
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ambiental, conferida da seguinte forma: autonomia quanto ao licenciamento
ambiental e controle dos impactos ambientais locais; criação e manutenção de
Parques e Áreas Verdes; promoção da educação ambiental e planejamento am-
biental; e aumento de arrecadação, através de taxas de licenciamento e multas.
A fim de alcançar tais competências, os municípios contam com a cooperação do
Estado e participação dos organismos da sociedade civil, tendo em vista a máxi-
ma eficiência e a adequada proteção ambiental e a saúde pública. Para compor
a base do sistema de planejamento municipal e efetivar suas competências, são
exigidos aos municípios: plano diretor; plano plurianual: estabelece as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública para as despesas do município;
diretrizes orçamentárias: compreendem metas e prioridades da administração
pública e despesas de capital para o exercício subsequente; orçamentos anuais:
abrangem o orçamento fiscal, de investimento e seguridade social.
Com os instrumentos normativos de planejamento adotados pelos municípios,
estes expressam sua autonomia administrativa para organizar e prestar os ser-
viços públicos de interesse local, incluindo a limpeza urbana. Estes englobam:
prover, sobre limpeza de vias públicas, remoção e destinação final dos resíduos
domiciliares; tratamento e distribuição da água; coleta e tratamento de esgotos;
obras de drenagem e limpeza de bueiros e córregos, vigilância sanitária, entre
outros. Os municípios vinculam a organização dos serviços de limpeza urbana
à administração direta, e os serviços de limpeza encontram-se ligados a uma
direção/secretaria do governo municipal, a Direcção de Serviço Municipal de
Saúde e Salubridade.
A título de exemplo, da legislação municipal relacionada com o tema em estudo,
destaca-se a Resolução n.º 86/AM/2008, de 22 de Maio, Postura de Limpeza
de Resíduos Sólidos Urbanos no Município de Maputo. Esse documento define
o Sistema de Limpeza do Municipio de Maputo, integrando as componentes
varredura e gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). Aplica-se a todas
as atividades públicas e privadas que, direta ou indiretamente, influenciam
na componente de limpeza do município. Visa o estabelecimento do quadro
de princípios e normas gerais do Sistema de Limpeza de RSU. Não se aplica
a resíduos biomédicos e perigosos, sujeitos a regulamentação específica. A
justificativa para aprovação do documento, por parte do município de Maputo,
era a de que o quadro legislativo do município sobre gestão de resíduos sólidos
urbanos encontrava-se disperso, não harmônico, insuficiente e desajustado em
relação à legislação nacional em vigor no país, bem como não havia qualquer
perspectiva de aproveitamento econômico dos RSU e de envolvimento ou in-
tegração do setor privado no respectivo processo de gestão.(7)
7 MOÇAMBIQUE. Assembleia Municipal da cidade de Maputo. Decreto n.o 86/AM/2008 de 22 de
Maio. Aprova a Postura de limpeza de resíduos sólidos urbanos do município de Maputo. Boletim
da República, Maputo, III série n.49, 5 dez. 2008.
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1. Decreto n.o 13/2006, de 15 de julho, Regulamento sobre a Gestão de
Resíduos Urbanos
Havendo necessidade de se definir o quadro legal moçambicano para se pro-
cessar a gestão de resíduos resultantes das atividades humanas, foi aprovado,
a 15 de Julho de 2006, o Decreto n.º 13/2006, Regulamento sobre a Gestão
de Resíduos. Ficou como competência do MICOA aprovar as normas que se
mostrem necessárias para assegurar a aplicação do regulamento. O regulamento
sobre resíduos sólidos é uma ferramenta legal indispensável para se promover
uma adequada gestão dos resíduos no país. Trata o regulamento de estabelecer
as diretrizes mínimas para que se equacione um dos mais graves problemas
ambientais urbanos em Moçambique. As deficiências ainda são enormes e o
caminho para que se chegue a condições ambientalmente sustentáveis, so-
cialmente justas e economicamente viáveis em relação aos resíduos sólidos
ainda é bastante longo.
O decreto institui a regulamentação sobre a gestão de resíduos sólidos em nível
nacional, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como
sobre as diretrizes relativas à gestão integrada, ao gerenciamento de resíduos
sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder
público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Estão sujeitas, à obser-
vância desta lei, as pessoas físicas, ou jurídicas, de direito público ou privado,
responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as
que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada, ou ao gerenciamento
de resíduos sólidos. A lei não se aplica aos rejeitos radioativos, resíduos bio-
-médicos; águas residuais, com exceção das que contenham características de
risco descritas nos anexos III e IV do regulamento e resíduos perigosos sujeitos
a regulamentação específica.
1.1. Definições
No primeiro título da lei, estão incluídas, no capítulo I, disposições gerais sobre
o objeto e o campo de aplicação do regulamento. Deve ser destacado que a
lei direciona-se tanto ao setor público quando aos empreendedores privados
e a todos aqueles envolvidos, direta ou indiretamente, na geração, gestão
ou gerenciamento de resíduos sólidos, incluindo o cidadão. Ainda no mesmo
capítulo, tem-se um conjunto de definições a serem empregadas ao longo do
texto. Entre a série de definições presentes no artigo 1.o, dispostas em ordem
alfabética, cabe destacar as seguintes: aproveitamento ou valorização, detentor,
eliminação e resíduos:
a) Aproveitamento ou Valorização - utilização de resíduos ou
componentes destes, por meio de processos de refinação, recu-
peração, regeneração, reciclagem, reutilização ou qualquer outra
acção (que conste da lista do Anexo VI) tendente à obtenção de
matérias-primas secundárias, com o objetivo da reintrodução dos
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resíduos nos circuitos de produção e ou consumo em utilização
análoga, sem alteração dos mesmos.
d) Detentor - o produtor dos resíduos ou outra pessoa ou entidade
que detém a sua posse ou controle.
e) Eliminação - o recurso a quaisquer das operações especifi-
cadas no Anexo VI do regulamento.
l) Resíduos - as substâncias ou objetos que se eliminam, que se
tem a intenção de eliminar ou que se é obrigado por lei a eliminar,
também designados por lixos.
Esta lei omite definições de conceitos importantes aplicados à gestão de resíduos
sólidos, entre outras, destacam-se as seguintes: destinação final ambientalmente
adequada, disposição ambientalmente adequada, geradores de resíduos sólidos,
coleta seletiva, reciclagem.
Cabe atenção para a diferenciação entre os conceitos de destinação final e
disposição final, conceitos não assumidos pela lei. Consideram-se ambiental-
mente adequados, como destinação dos resíduos, a reutilização, a reciclagem, a
compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético, bem como outras
destinações admitidas pelos órgãos públicos competentes. A disposição final,
por sua vez, é entendida como a distribuição ordenada dos rejeitos em aterros,
desde que observadas as regras ambientais e de saúde pública pertinentes.(8)
O conceito “detentor”, trazido pelo regulamento, subentende geradores de
resíduos. No entanto, o conceito detentor/geradores de resíduos é amplo,
abrangendo todas as pessoas físicas ou jurídicas, públicos ou privados cujas
atividades geram resíduos sólidos. Cabem no conceito detentor aqueles que
desenvolvem atividades como tratamento de resíduos.
Cabe, também, distinguir gerenciamento e gestão de resíduos sólidos. O geren-
ciamento diz respeito às etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e
destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos. Apresenta-se, assim,
lógica processual ou operacional. O gerenciamento pode dizer respeito apenas
a tipo determinado de resíduos. Por sua vez, a gestão integrada engloba o
planejamento e a coordenação de todas as etapas insertas no gerenciamento
e, também, a inter-relação das dimensões políticas, econômica, ambiental,
cultural e social envolvidas.(9)
No artigo 2.o, tem se, como objeto do regulamento, o estabelecimento das
regras relativas à produção, ao depósito no solo e no subsolo, ao lançamento
para água ou para atmosfera, de quaisquer substâncias tóxicas e poluidoras,
8 ARAÚJO, S.; JURAS, I. Comentários à lei dos resíduos sólidos: Lei n. 12.305, de 2 de agosto de
2010 (e seu regulamento). São Paulo: Ed. Pillares, 2011.
9 RIBEIRO, H.; JACOBI, P.; BESEN, G.; GUNTHER, W.; DEMAJOROVIK, J.; VIVEIROS, M. Coleta
seletiva com inclusão social: cooperativismo e sustentabilidade. São Paulo: Annablume. 2009.
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assim como a prática de atividades poluidoras, que acelerem a degradação do
ambiente, com vista a prevenir ou minimizar os seus impactos negativos sobre
a saúde e o ambiente.
A lei não traz um artigo especificando os seus objetivos. Contudo, entende-se
que a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos,
agregados à disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, podem ser
tomados como o objetivo síntese das disposições gerais trazidas pelo Decreto n.o
13/2006. De forma direta ou indireta, a lei tem esse propósito como subjacente
a praticamente todas as suas determinações.
O regulamento deveria trazer, para seus objetivos, entre outros, incentivo aos
municípios à criação e à contratação de associações e/ou cooperativas de coleta,
triagem e beneficiamento de matérias recicláveis para execução das atividades
de coleta, processamento e comercialização de resíduos urbanos recicláveis ou
reutilizáveis; desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial
voltados para a melhoria dos processos produtivos; aproveitamento energético,
assim como o estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável.
1.1.1. Classificação dos Resíduos
No artigo 5.o, consta a classificação geral dos resíduos sólidos. Há dois tipos
de classificação, pela origem e pela periculosidade. Na classificação segundo
origem, tem se: resíduos domiciliares, vindos de atividades domésticas; resí-
duos de limpeza urbana, decorrentes da varrição, limpeza de espaços públicos
e serviços conexos; resíduos de estabelecimentos comerciais, gerados nessas
atividades e não caracterizados como de limpeza urbana, de serviço de sane-
amento básico, de serviços de saúde, de construção civil ou de transportes.
Os resíduos sólidos urbanos reúnem os resíduos domiciliares e os resíduos
de limpeza urbana.
Por sua vez, na classificação quanto à periculosidade, tem se: resíduos perigo-
sos, assim considerados em razão de suas características de inflamabilidade,
corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade,
teratogenicidade ou mutagenicidade; e resíduos não perigosos. Seja na tipo-
logia consoante à origem, seja na ponderação da periculosidade, as classes
de resíduos estabelecidas pelo regulamento refletem o entendimento de que
cada uma delas demanda procedimentos particulares em seu gerenciamento.
1.2. Plano de gestão de resíduos
Embora não conste do Decreto n.o 13/2006 referencia a instrumentos do re-
gulamento, podem-se apontar os seguintes: os planos de resíduos sólidos;
os inventários e os sistemas de declaração semestral de resíduos sólidos; o
monitoramento e a fiscalização ambiental; a educação ambiental e o cadastro
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nacional de operadores de resíduos perigosos. No artigo 7.o, destaca-se a abor-
dagem sobre planos de gestão de resíduos. O texto, muito breve e geral, destaca
a obrigação das entidades públicas ou privadas que desenvolvem atividades
relacionadas com a gestão de resíduos, de elaborar um plano de gestão dos
resíduos por elas geridos, antes do início da sua atividade. O referido plano tem
a validade de cinco anos.
O texto não traz normas sobre o gerenciamento, nem impõe responsabilidades
nesse sentido tanto ao poder público, em seus diferentes níveis, quanto aos
empreendedores privados. Não há menção da obrigação de se elaborar um pla-
no nacional e ou municipal de resíduos sólidos/plano estratégico para resíduos
sólidos urbanos. No entanto, um plano nacional é fundamental por diagnosticar
a situação do país em relação aos resíduos sólidos, incluindo metas de redução,
reutilização, reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de
resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final.
Ainda neste contexto, o artigo sobre plano de gestão de resíduos não faz men-
ção a metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão
social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis; à criação de um aterro sanitário para resíduos sólidos urbanos, bem
como a programas e projetos de reaproveitamento de resíduos.
Cumpre perceber que os empreendedores privados, que operam com resíduos
perigosos, são obrigados por lei a declarar, semestralmente, ao Ministério, para
a Coordenação da Acção Ambiental, a sua produção de resíduos. O sistema de
declaração semestral de resíduos sólidos reúne as informações sobre a execução
dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos, que constituem atribuições de
todos aqueles empreendedores, públicos ou privados, cujas atividades geram
determinados tipos de resíduos, especificados pelo anexo IV do regulamento.
Contudo, apesar da obrigação da declaração dos resíduos, não consta do regula-
mento a determinação de elaboração de inventário municipal de resíduos sólidos.
Ainda no âmbito dos planos, o regulamento impõe a elaboração de plano de ge-
renciamento de resíduos sólidos a todas as entidades públicas ou privadas que
desenvolvem atividades relacionadas com a gestão de resíduos. Assim, no plano,
devem constar: descrição do empreendimento ou atividade; diagnóstico dos resí-
duos sólidos abarcados pelo plano, incluindo origem, volume e caracterização dos
resíduos, assim como possíveis passivos ambientais relacionados a esses resíduos;
medidas saneadoras desses passivos ambientais; e ações preventivas e corretivas
a serem executadas nas situações de gerenciamento incorreto ou acidentes.
1.3. Capítulo IV - Infrações
O capítulo contempla diferentes tipos de vedações: o embaraço ou obstrução,
sem justa causa, à realização das atividades de fiscalização às entidades
competentes para o efeito nos termos deste regulamento; A não observância
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do disposto nos artigos 7.o, 8.o, 9.o, 10.o e 14; o não cumprimento das recomen-
dações exaradas no âmbito de um processo de auditoria ambiental pública, a
não observância das disposições estipuladas no capítulo III.
II. Discussão
A legislação ambiental moçambicana contém instrumentos importantes para
permitir o avanço necessário ao país no enfrentamento dos principais proble-
mas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos
resíduos sólidos urbanos. Destaca-se o fato de prever a redução da geração de
resíduos, propondo o reuso e o reaproveitamento. Impõe que empresas públicas
ou privadas elaborem seus planos de gerenciamento de resíduos sólidos. Uma
lacuna da legislação é que esta não menciona a pertinência da elaboração de
um Plano Estratégico Nacional e/ou Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos.
Este é instrumento estratégico diretor da gestão de resíduos sólidos urbanos,
fundamental para que o setor possa dispor de orientações e objetivos claros,
bem como de uma estratégia de investimento que confira coerência, equilíbrio
e sustentabilidade à intervenção dos vários agentes diretamente envolvidos.
Estudos de base que permitam elaborar uma sólida proposta deverão incidir so-
bre aspectos específicos, como tecnologias de tratamento de resíduos, sistema
tarifário vigente e os custos associados aos diferentes modelos de gestão de
RSU, bem como realização de sessões de debate entre especialistas do setor.
A proposta deve resultar de um processo muito participativo, para um setor
de tanta complexidade. Afigura-se relevante a consulta dos principais agentes
ligados à problemática dos RSU, nomeadamente, o poder público municipal,
organizações não governamentais de ambiente, associações de catadores, bem
como outras entidades e organizações intervenientes, ou seja, agentes de cujo
envolvimento depende indiscutivelmente o sucesso deste plano. Deve-se, tam-
bém, promover um processo de auscultação dos agentes interessados através
de um processo de consulta prévia destas entidades. Igualmente importante
é o papel dos cidadãos no setor, cada vez menos como produtores passivos
e mais como consumidores responsáveis, com influência clara no domínio da
prevenção e como agentes decisivos da gestão de resíduos, designadamente,
por via de adesão aos esquemas de coleta seletiva.
A legislação ambiental não apresenta instrumentos para propiciar a reciclagem e
reaproveitamento, nem faz referencia à participação de organizações de coleta
seletiva e reciclagem no sistema de gestão de resíduos sólidos dos municípios
como forma de enfrentamento à pobreza e aos problemas causados pelos
resíduos sólidos. Também não apresenta previsão de financiamento para mu-
nicípios que desenvolvam projetos/programas de coleta seletiva e reciclagem.
A relevância do papel das organizações engajadas na recuperação de resíduos
e na redução dos impactos ambientais a eles associados não está refletida nos
diferentes pontos da legislação. Esta poderia trazer diversos benefícios para o
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país, principalmente no tocante à destinação de resíduos, que deveria ser inte-
gralmente regularizada num prazo determinado. O arcabouço legal necessita de
uma urgente sistematização, com vistas à superação de suas falhas, tais como
confusões conceituais, omissões e ambigüidades, fatores que comprometem seu
cumprimento, uma vez que carecem da explicitação de parâmetros e critérios
para a matéria, embora seja pródigo em comandos genéricos.
Em virtude da presença de entidades dedicadas a atividades de coleta seletiva e
reciclagem no país, mesmo que de abrangêcia insignificante, deve o poder local
proceder à implantação de programas/projetos de coleta seletiva, reciclagem e
compostagem, através de formulação de políticas públicas de resíduos sólidos,
que contemplem, de forma articulada e integrada, a gestão dos resíduos sólidos,
com a participação destes atores, como forma de promover geração de renda,
sua inclusão social e evitar desperdício de recursos materiais.
É importante comentar, na opinião das autoras, que os moçambicanos não
têm muito conhecimento sobre a questão ambiental, porém nota-se que há
uma consciência quanto à necessidade de se preservar o meio ambiente
para evitar danos para o próprio homem. A formação de uma consciência
ambiental nos cidadãos está diretamente ligada à inexistência (ou quase)
de um trabalho de educação ambiental, formal e informal, que dissemine
sistematicamente informações ambientais, entre elas a legislação, a todas
as camadas da população e a todas as faixas etárias. Contudo, o país tem
vindo a implementar uma Estratégia da Educação Cívica/Ambiental na área
de gestão de resíduos sólidos urbanos, constituída por campanhas públicas
de sensibilização sobre necessidade de mudanças no comportamento e na
postura em relação aos resíduos. Pretende-se que haja envolvimento do setor
privado na gestão de resíduos sólidos, bem como minimização da produção
de RSU, com utilização de medidas de reciclagem, reuso e outras. É impor-
tante referir que, para coleta seletiva e reciclagem, o processo da educação
ambiental em Moçambique, entre outros, deve integrar o saber como proceder
com os diversos tipos de resíduos, tanto no âmbito da população, quanto no
dos catadores de materiais recicláveis. Os desafios da educação ambiental
vão desde elaboração de proposta ao governo municipal e outros segmentos
para realização da educação ambiental e da reciclagem e da disponibilidade
de material didático pedagógico adequado.
O exemplo da Educação Cívica citada reflete a necessidade de limpeza urba-
na, em decorrência da problemática causada pelos RSUs. Apontam-se outros
indicadores de despertar de uma maior consciência ambiental e consequente
preocupação com a legislação: o crescimento de investimentos públicos na
área ambiental em todo país, assim como os recursos privados e internacionais
destinados a projetos e programas no setor. Constitui exemplo o Programa de
Desenvolvimento Municipal de Maputo - PROMAPUTO I e II; programa, financia-
do pelo Banco Mundial, que visa o desenvolvimento institucional, planejamento
urbano e ambiental incluindo a componente gestão de RSUs.
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Considerações Finais
A legislação ambiental apresenta as normas ambientais, contudo, há inadequa-
ção dos meios de implementação, por carência de recursos materiais, técnicos,
humanos e financeiros. Consequentemente, cumpre verificar como o Estado e
os demais órgãos responsáveis pela implementação da legislação ambiental
vêm desempenhando o seu papel, os recursos de que eles dispõem para isso
e como esses recursos vêm sendo aplicados.
Segundo Ribeiro et al,(10) ao se inverter a lógica de marginalização dos catadores,
estes passam a integrar, ainda que de forma frágil, o sistema de gerenciamento
de resíduos sólidos. Em países latinos, como o Brasil, Colômbia, Peru e Méxi-
co, por exemplo, o crescimento da capacidade de organização dos grupos de
catadores foi essencial no processo de interlocução e, aliados aos movimentos
sociais, abriram uma nova perspectiva para a relação do poder municipal com
os grupos organizados de catadores.
Os projetos de coleta seletiva, em parceria de catadores com os municípios, podem
gerar a valorização do trabalho do catador e de outras pessoas desfavorecidas,
promovendo a inclusão social e a cidadania. Considerando-se a conjuntura da socie-
dade de consumo e os diversos impactos gerados, a reciclagem de resíduos sólidos,
desde que atendidas todas as condições de segurança e salubridade, especialmente
daqueles que manipulam diretamente tais resíduos, desponta como alternativa capaz
de minimizar os impactos da disposição dos resíduos no meio ambiente, tornando
disponível matéria prima que não implique em novos custos à natureza.
Referências
ARAÚJO, S.; JURAS, I. Comentários à lei dos resíduos sólidos: Lei n. 12.305,
de 2 de agosto de 2010 (e seu regulamento). São Paulo: Ed. Pillares, 2011.
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das autarquias locais. Boletim da República, Maputo, I série n. 7, 18 fev. 1997.
10 RIBEIRO, H.; JACOBI, P.; BESEN, G.; GUNTHER, W.; DEMAJOROVIK, J.; VIVEIROS, M. Coleta
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147
Legislação para resíduos sólidos em Moçambique
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19 de Novembro 2004. Boletim da República, Maputo, 2004.
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n. 24, 15 jun. 2006.
______. Conselho de Ministros. Decreto n.º 13/2006, de 15 Junho. Aprova o
regulamento sobre gestão de resíduos sólidos. Boletim da República, Maputo,
n. 24, 15 jun. 2006.
______. Conselho de Ministros. Decreto n.º 8/2003, de 18 de Fevereiro. Aprova
o regulamento sobre a gestão de resíduos sólidos bio-médicos. Boletim da
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______. Conselho de Ministros. Lei no 20/97 de 1 de Outubro. Aprova a lei do
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