Legislações estaduais sobre as class actions norteamericanas: um estudo panorâmico

AutorAndre Vasconcelos Roque
CargoDoutorando e Mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Association of the Bar of the City of New York. Advogado e consultor no Rio de Janeiro.
Páginas38-79
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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LEGISLAÇÕES ESTADUAIS SOBRE AS CLASS ACTIONS NORTE-
AMERICANAS: UM ESTUDO PANORÂMICO
Andre Vasconcelos Roque
Doutorando e Mestre em Direito Processual pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) e da Association of the Bar of the
City of New York. Advogado e consultor no Rio de
Janeiro.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar um estudo panorâmico das
legislações estaduais sobre ações coletivas nos Estados Unidos, com a finalidade de
demonstrar a influência do modelo estruturado nas Federal Rules of Civil P rocedure
(FRCP) sobre as normas locais. O estudo que aqui se apresenta revela, além da forte
influência exercida pelas FRCP, que a matéria tem sofrido rápidas transformações,
evidenciando ainda a sobreposição entre alguns dos requisitos de admissibilidade e de
categorias de class actions tradicionalmente conhecidos. Uma tendência tem sido a
aprovação de reformas para compatibilizar as regras estaduais às recentes alterações na
Regra 23 das FRCP.
Abstract: This article aims to present a panoramic study of state laws about class
actions in the United States, in order to demonstrate the influence of the structured
model in the Federal Rules of Civil Procedure (FRCP) on local rules. This study
reveals, in addition to the strong influence exercised by the FRCP, that the matter under
discussion has undergone rapid changes, showing also the overlap between some of the
admissibility requirements and categories of class actions traditionally known. A trend
observed is the approval of legislative reforms to match the state rules to recent changes
introduced in Rule 23 of the FRCP.
Palavras-chave: Ações coletivas direito comparado legislação estadual norte-
americana Estados Unidos processo civil
Keywords: Class actions comparative law American state law United States
civil procedure
Sumário: 1. Introdução: a importância de um estudo sobre o tema 2. Noções
fundamentais sobre as class actions norte-americanas 3. As legislações estaduais
sobre class actions 4. Algumas conclusões extraídas do presente estudo
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1. Introdução: a importância de um estudo sobre o tema
Muito já se escreveu na doutrina brasileira sobre as ações coletivas nos Estados
Unidos, tradicionalmente conhecidas como class actions. Até os anos noventa do século
XX, as obras publicadas em nosso país apresentavam o assunto a partir de estudos já
realizados pelos autores italianos, sem consultar diretamente as fontes estadunidenses. A
partir do livro precursor de José Rogério Cruz e Tucci1, outros trabalhos se seguiram2,
utilizando de forma crescente as fontes norte-americanas até que, no ano de 2007, foi
publicada a primeira obra específica a respeito das ações coletivas nos Estados Unidos,
de autoria de Antonio Gidi3.
Nada obstante, o tema tem se mostrado bastante complexo, revelando vários
aspectos ainda inexplorados pela doutrina brasileira, especialmente no que tange à
estrutura geral do direito processual estadunidense que, sob diversas facetas, se mostra
bem diferente do modelo brasileiro4.
Ao lado dessas dificuldades, cuja discussão5 extrapolaria os estreitos limites do
presente estudo, é preciso destacar que uma das principais características do modelo
federativo norte-americano é que, ao contrário do que se verifica no Brasil, os Estados-
membros sempre possuíram ampla autonomia legislativa, inclusive para editar leis sobre
direito processual6. Isso quer dizer, para os fins deste trabalho, que cada um dos estados
americanos poderá ter a sua própria legislação sobre ações coletivas.
1 V. TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva,
1990.
2 V. BUENO, Cássio Scarpinella. As class actions norte-americanas e as ações coletivas brasileiras:
pontos para uma reflexão conjunta. Revista de Pro cesso, n. 82, 1996, p. 92/151; LEAL, Márcio Flávio
Mafra. ões coletivas: história, teoria e prática. P orto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 149/167;
GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class a ctions for da mages à ação de classe brasileira: os requisitos de
admissibilidade. In: MILARÉ, Édis. (Coord.) Ação civil pública : Lei 7.34 7/1985 15 anos. 2 ed. São
Paulo: RT, 2002; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e
naciona l. São Paulo: RT, 2002, p. 63/97 e BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no
Brasil e alguns aspectos da class a ction norte-americana, Revista de Pr ocesso, n. 130, 2005, p. 131/154.
3 V. GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos. São Paulo: RT, 2007.
4 Apenas a título de uma rudimentar comparação, confrontem-se as Feder al Rules of Civil Proced ure, que
disciplinam o processo civil na Justiça Federal estadunidense, com o Código d e Processo Civil brasileiro.
As FRCP possuem apenas oitenta e sei s regras, ao passo que o nosso CPC contém mais de mil e duzentos
artigos. É verdade que a brutal diferença apontada não pode ser atribuída exclusivamente à flexibilidade
do direito norte-americano, nem ao formalismo e detalhismo do processo civil brasileiro . As FRCP são
redigidas em um estilo diferente, permitindo normas bastante extensas. Além disso, o CPC brasileiro tem
o u p elo menos teve, no momento de sua aprovação a pretensão de disciplinar praticamente toda a
matéria processual civil. As FRCP nunca tiveram qualquer pretensão de completude. O direito americano
como um todo, aliás, se mostra avesso a modelos abstratos ou sistemas rígidos.
5 Para uma discussão aprofundada sobre as dificuldades envolvidas, v. ROQUE, Andre Vasconcelos. A
experiência norte-americana das class actions: um ponto de reflexão para as ações coletivas no Brasil.
1071 f. Dissertação de mestrado (Direito Processual) Universidade do E stado do Rio de J aneiro, Rio de
Janeiro, 2008, especialmente p. 17/22.
6 Algumas passa gens de li vros norte-americanos revelam isto de forma bem clara. A utilização do termo
jurisdiction (jurisdição) pela doutrina estaduniden se, em vez de competence (competência), constitui um
excelente exemplo disso. Os autores a mericanos também não falam em autono mia dos estados, mas sim
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Torna-se necessário, portanto, delimitar o âmbito de incidência das legislações
estaduais e federal sobre ações coletivas. De uma forma geral, a questão remete ao tema
da divisão de competências entre a Justiça Federal e as Justiças Estaduais naquele país.
Trata-se de matéria bastante complexa7 mas, apenas para que se possa proporcionar uma
compreensão geral, cumpre dizer que, assim como se verifica no Brasil, a competência
das Justiças Estaduais americanas é residual. A Justiça Federal nos dois países somente
possui competência para determinados casos específicos. A diferença está nas hipóteses
que ensejam a competência dos juízes federais naquele país, que são basicamente duas:
a) causas que compreendam a interpretação e a aplicação da Constituição Federal e das
leis aprovadas pelo Congresso (subject-matter jurisdiction)8; e, b) litígios entre autor e
réu residentes em estados distintos, desde que a causa envolva um valor mínimo que se
encontra previsto em lei federal (diversity-of-citizenship jurisdiction)9.
Como se poderia facilmente imaginar, em princípio, a legislação federal sobre
ações coletivas é aplicada somente na Justiça Federal, ao passo que, nas Justiças locais,
incidem as legislações de cada estado sobre a matéria. Embora a competência da Justiça
Federal para julgar class actions de âmbito interestadual e nacional tenha sido ampliada
em sovereignty (soberania). V., nesse sentido, as expressões utilizadas po r FRIEDENTHAL, Jack H.;
KANE, Mary Kay; MILLE R, Arthur R. Civil procedure . St. Paul: Thomson West, 2005, p . 15 (“federal-
question jurisdiction‖) e KANE, Mary Kay. Civil procedur e in a nutshell. S t Paul: Thomson West, 2004,
p. 31 (“state sovereignty over real property within a given state‟s borders” ).
7 Nesse sentido, admitindo a enorme dificuldade em explicar o tema da competência nos Estados Unidos,
GIDI, Antonio. A class action como instr umento... Op. Cit., p. 64 (“A técnica processual através da qual
esse objetivo foi a tingido [concentração das cla ss actions de âmbito interestadual e nacional na Justiça
Federal] é impossível de explicar em po ucas pa lavras e envolve questões da divisão constitucional de
traba lho entr e as justiças federa l e estaduais, através dos conceitos de federal diversity jurisdiction e
choice of law. Como estas são questões que dizem respeito às idiossincra sias do Poder Ju diciário
american o, o tema da competência e jur isdição foi excluído desde (sic) livro.”)
8 Em um modelo centralizador como o brasileiro, esta hipótese de competência certamente deslocaria a
maior parte dos litígios para a Justiça Federal. O mesmo não ocorre nos Estados Unidos, onde os estados
possuem ampla competência legislativa, excepcionada por algumas poucas matérias de competência
exclusiva da Justiça Federal, tais como ações envolvendo a proteçã o de patentes e direitos autorais, bem
como procedimentos falimentares. Por outro lado, as causas envolvendo matéria de sucessões e família
são de competência exclusiva das Justiças Estaduais. Curiosamente, esta última re gra não está prevista em
nenhuma norma escrita. Trata-se de uma forma histórica de divisão do trabalho entre os juízes federais e
estaduais que sempre foi reconhecida nos Estados Unidos. V., sobre o assunto, KANE, Mary Kay. Civil
procedur e... Op. Cit., p. 7 e FRIEDENTHAL, Jack H. et. al. Civil procedure… Op. Cit., p. 14.
9 Tradicionalmente, par a instaurar a competência dos juízes federais, era necessário que todos os autores
envolvidos no pr ocesso fossem de estados disti ntos de tod os os réus e que o valor da causa atingisse um
valor mínimo de setenta e cinco mil dólares para cada pretensão individual d eduzida em juízo. Isso valia
inclusive para as ações coletivas, conforme decidido pela Suprema Corte nos casos Snyder v. Har ris, 394
U.S. 332 (1969) e Zahn v. Interna tional Pa per Co., 414 U.S. 291 (1973). No ano de 2005, entretanto, foi
aprovada uma lei conhecida como Cla ss Action Fairness Act (CAFA), que estabeleceu regras especiais de
diversity-of-citizenship jurisdiction para as ações coletivas, ampliando as hipóteses de competência da
Justiça Federal. As regras contidas no CAFA são complexas, controvertidas e seu estudo extrapolaria os
limites do presente artigo. Para uma discussão detida sobre a matéria, v. ROQUE, Andre Vasconcelos.
Class actions e reformas processuais: um ponto de reflexão para as ações coletiva s no Brasil. Revista
Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, n. 1, p. 86-124, out./dez. 2007. Disponibilizado em
www.redp.com.br (acessado em 6 de setembro de 2010).

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