Legislativo: 13 táticas parlamentares para aprovação das leis

AutorRoberta Simões Nascimento
CargoProfessora adjunta da Universidade de Brasília
Páginas54-82
54 REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 670 I JUN/JUL 2021
DOUTRINA JURÍDICA
Roberta Simões NascimentoPROFESSORA ADJUNTA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
13 TÁTICAS PARLAMENTARES
PARA APROVAÇÃO DAS LEIS
I
MAPEAR OS ARTIFÍCIOS ESTRATÉGICOS, SEJAM ELES
INSTITUCIONALIZADOS OU NÃO, É TAREFA CRUCIAL E NECESSÁRIA
PARA COMPREENDER COMO FUNCIONA O PODER LEGISLATIVO
INTRODUÇÃO1,2
Nos estudos voltados para a análise da
decisão dos legisladores, um aspecto
particular (o papel das táticas parla-
mentares) com frequência fica relegado
a plano desvinculado da disputa ar-
gumentativa. A limitação a um enfoque estri-
tamente argumentativo, centrado no aspecto
discursivo, e que desconsidera o curso de ação
global dos parlamentares, é incompleto para
dar conta das práticas parlamentares observa-
das no dia a dia dentro do Poder Legislativo.
Por isso, aqui se entende que prestar atenção
às manobras dos legisladores – calcadas ou não
nos regimentos internos das casas legislativas,
voltadas para o alcance de posições favoráveis
no processo de elaboração e deliberação de nor-
mas legais – é medida salutar para avaliar a de-
cisão legislativa.
Neste sentido, uma perspectiva pragmática,
voltada para o que efetivamente acontece na
arena legislativa, deve chamar a atenção para
uma infinidade desses expedientes dos quais os
atores lançam mão nas diversas etapas de uma
discussão dentro do parlamento por ocasião da
elaboração das leis. Além das razões, dos argu-
mentos apresentados – inclusive os falaciosos
–, cumpre dar conta também das “táticas parla-
mentares”, aqui definidas como os movimentos
dos argumentadores, já não no âmbito do dis-
curso oral, mas no plano da ação, “operativos”,
destinados a fazer prevalecer seus pontos de
vista ou interesses, conciliando os diversos ob-
jetivos envolvidos na atuação dos parlamenta-
res no processo legislativo.
Um parlamentar, para ter êxito em suas ini-
ciativas, precisa conhecer bem as regras regi-
mentais que definem a condução dos trabalhos
dentro do Poder Legislativo, não só para usá-las,
mas também para saber saltá-las quando for o
caso, ou para tirar proveito delas “atrapalhando”
seus adversários políticos. O governo, mais do
que ninguém, precisa entender esses meandros
para conseguir aprovar as leis de seu interesse.
O comportamento estratégico dos parlamen-
tares é esperado e é assim que acontece. Nes-
ses termos, propõe-se o estudo das “manobras
estratégicas” possíveis em cada contexto com
vistas à compreensão do curso de ação tomado,
resultante na aprovação da lei ou rejeição da
proposição legislativa.
Roberta Simões NascimentoDOUTRINA JURÍDICA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 670 I JUN/JUL 2021
1. ALGUMAS APROXIMAÇÕES ÀS TÁTICAS
PARLAMENTARES COMO COMPONENTES
ESTRATÉGICOS NA ARENA LEGISLATIVA
Os regimentos internos das casas legislativas
trazem regras disciplinadoras da atuação par-
lamentar, definindo condições e procedimentos
para, entre outras ações, a apresentação de pro-
jetos de leis, emendas, a organização das comis-
sões, o modo de debater, votar etc. A ideia é que
os regimentos estabeleçam a ordem dos traba-
lhos, evitando os inconvenientes inerentes a
reuniões numerosas, a fim de que o parlamento
melhor alcance sua finalidade de deliberar so-
bre o bem comum.
Tomadas nesses termos, as regras parlamen-
tares impingem constrangimentos institucio-
nais e têm consequências políticas inegáveis. O
regimento interno constitui legislação essencial,
pois oferece uma espécie de moldura, que, de
forma semelhante a um manual de instruções,
permite que se entenda o funcionamento de al-
gumas engrenagens da dinâmica parlamentar.
Cabe considerar táticas parlamentares como
o conjunto de manobras estratégicas emprega-
das pelos parlamentares, partidos políticos e o
presidente da república, durante o processo de
elaboração legislativa, com vistas a obter posi-
ções favoráveis na tomada de decisão, pelo uso
das regras dos regimentos internos ou não.
As táticas parlamentares abrangem tanto as
técnicas de obstrução das minorias parlamen-
tares – para atrapalhar e dilatar ao máximo a
decisão legislativa – como os mecanismos de
que as maiorias se valem para aprovar rapida-
mente suas proposições, inclusive saltando as
tramitações. As táticas parlamentares revelam
a dinâmica legislativa independentemente da
ideologia dos parlamentares e partidos polí-
ticos envolvidos, pois todos fazem uso dessas
manobras. Algumas são aceitáveis, outras não,
como será possível ver adiante. Seja como for,
o comportamento estratégico é uma realidade
inerente à prática parlamentar e, justamente
por isso, parece imprescindível começar a tratar
adequadamente a questão.
Ficam de fora da noção de táticas parlamenta-
res aqui empregada a mentira, o ocultamento de
razões, a manipulação, a chantagem, o pagamen-
to de vantagens indevidas para a adoção de de-
terminados comportamentos (de votar a favor
ou contra), como tudo o relacionado à chamada
“má política”, que, na verdade, socava toda a pos-
sibilidade de deliberação pública em prol do bem
comum. Também não se encaixam na definição
aqui utilizada as barganhas horizontais entre
os próprios parlamentares nos bastidores e os
acordos “de cafezinho”, sem prejuízo de que es-
tes últimos possam ser o objetivo desejado com
a tática parlamentar (com frequência, o que se
pretende é forçar uma rodada de negociações).
Como será possível ver com mais detalhes,
parte das táticas parlamentares encontra ex-
pressa previsão regimental, outras não. Algu-
mas podem ser usadas a qualquer tempo, ao
passo que outras têm momento certo e disci-
plina específica. A rigor, nem todas as condutas
detalhadas na sequência representam violação
a algum preceito ético ou valor moral. Como
sua aplicação se dá dentro de um contexto, este
também deve ser analisado para verificar se o
recurso ao expediente tático de fato contribuiu
– ou não – para o desiderato em concreto (forçar
ou barrar a aprovação da lei ou emenda), favore-
cendo ou atrapalhando o devido processo legis-
lativo, isto é, as táticas podem ser usadas para
diversos fins, inclusive boas causas.
Seja como for, invariavelmente causam per-
plexidade, na medida em que muitas artima-
nhas parlamentares funcionam como subter-
fúgios à efetiva troca de razões, espelhando o
lema que intitula o presente trabalho, pois o uso
de certas táticas sugere que pode ser melhor
“calar” do que “falar” para aprovar leis. Inclusive,
pode-se dizer que esse é o padrão de comporta-
mento da quase totalidade dos parlamentares.
Isso não é um problema em si, já que não se
Cabe considerar táticas parlamentares como o conjunto de manobras
estratégicas com vistas a obter posições favoráveis na tomada de
decisão, pelo uso das regras dos regimentos internos ou não

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