Lei 12.403/11: O Art. 310 do CPP e a Inafiançabilidade na Visão do STF

AutorRenato Marcão
CargoMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo
Páginas79-81

Page 79

1. Introdução

Olhando "por cima", é até possível falar que as alterações introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, são virtuosas. Esta afirmação, contudo, só poderá ser feita enquanto referência isolada aos novos institutos criados e algumas alterações aos antigos, pois, nas entranhas, o que se constata é mais um diploma legal de péssima qualidade técnica.

As inúmeras impropriedades deste novo regramento estão cuidadosamente tratadas em nosso novo livro, intitulado Prisões cautela-res, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas1.

Por aqui, cuidaremos de refletir sobre a situação a que se encontra lançado o instituto da liberdade provisória no direito brasileiro, pois, a depender da compreensão de alguns, ou o inciso II do art. 310 do CPP é inconstitucional, ou é hora de se reconhecer, como pensamos seja correto, que a ina-fiançabilidade, tratada no art. 5o, incisos XLII, XLIII e XLIV, da CF, não impede a concessão de liberdade provisória, sem fiança, em todo e qualquer caso.

2. O novo art 310 do CPP

Dispõe o novo art. 310 do CPP, com a redação da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, que, LLao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III— conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decre-to-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação".

A obrigatoriedade de relaxar a prisão ilegal já estava prevista no art. 5o, LXV, e a obrigatoriedade de se conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, no art. 5o, LXVI, ambos da CF.

Pelo que se conclui do novo art. 310, ou a prisão é relaxada e o autuado é colocado em liberdade, ou converte-se a prisão em flagrante em prisão preventiva, quando presentes os requisitos legais (arts. 311 a313 do CPP), ou concede-se liberdade provisória, com ou sem fiança.

As reflexões que seguem estão relacionadas exclusivamente com o tratamento jurídico explicitado pelo legislador em relação ao instituto da liberdade provisória.

3. Durabilidade da prisão em flagrante

Mesmo antes das modificações impostas pela Lei 12.403/11, sempre entendemos que a prisão em flagrante não poderia ultrapassar o limite temporal que vai de sua efe-tivação até a comunicação ao juiz competente, providência obrigatória que deve ocorrer nas 24 horas seguintes à prisão-captura.

Esta forma de pensar encontra sua fundamentação no art. 5o, LXVI, da CF, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Do art. 5o, LXI, da CF, retiramos autorização para que pessoas possam ser presas em flagrante, mas a interpretação da regra deve ser feita em harmonia com o citado inciso LXVI, do qual se extrai que, após a prisão em flagrante, a pessoa não poderá continuar presa e, portanto, ser levada ao cárcere, se cabível a liberdade provisória, daí a necessidade de análise desta situação jurídico-constitucional já no momento do controle jurisdicional imediato, a demonstrar absoluta impropriedade em se afirmar a possibilidade de que alguém possa permanecer preso por força do flagrante.

Neste momento primeiro do controle jurisdicional, só poderá subsistir prisão se presentes os requisitos da custódia preventiva.

A possibilidade jurídica de alguém sofrer restrições à sua liberdade por força de prisão em flagrante sempre esteve restrita e delimitada no tempo, até porque constitui exceção da exceção, na exata medida em que a liberdade é a regra e a exceção é a prisão mediante ordem prévia de autori-

Page 80

dade judiciária, sendo a prisão em flagrante exceção a esta última ex-ceção2. Nunca pode ultrapassar o lapso temporal que medeia entre a prisão-captura e sua comunicação ao juiz competente.

Isto sempre esteve muito claro no texto constitucional e também no Código de Processo Penal.

A propósito deste tema, a lúcida visão do ministro Celso de Mello é suficientemente esclarecedora quando afirma:

"Aquele que foi preso em flagrante, embora formalmente perfeito o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT