A Lei Fundamental Alemã e a Celebração de Tratados

AutorRoberto Chacon de Albuquerque
CargoAdvogado. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/FDUSP. Professor da Universidade Católica de Brasília
Páginas9-13
REVISTA BONIJURIS - Ano XX - Nº 530 - Janeiro/2008
IX
09
1. Relações exteriores
A Lei Fundamental1, art. 322, dispõe sobre as
relações exteriores alemãs. A Alemanha não é, da mesma
maneira que o Brasil, um estado unitário. Levando em
consideração esta circunstância, o art. 32, § 1°, especifica:
“Compete à Federação conduzir as relações com Estados
estrangeiros”3. O presidente da República representa o
país internacionalmente. Na Alemanha, onde se adota o
regime parlamentarista, compete ao governo participar do
processo de celebração de tratados. O primeiro-ministro ou
o ministro das Relações Exteriores, como agentes
plenipotenciários da Alemanha, negociam o conteúdo e a
finalidade política dos tratados. Para que a Alemanha se
vincule a um tratado, é necessário que ele seja aprovado por
seu Parlamento, composto pela Assembléia Federal4 e pelo
Conselho Federal5 mediante uma lei na qual o Parlamento
manifeste seu consentimento6. A declaração internacional
de assentimento ao tratado, que conclui seu processo de
ratificação, é efetuada pelo presidente da República.
A Federação alemã, no entanto, não pode celebrar
tratados que afetem setores sob competência constitucional
exclusiva dos estados federados7 sem o consentimento
destes últimos. É o que prevê o art. 32, § 2°: “Antes de firmar-
se um tratado que afete circunstâncias particulares de um
estado, este deverá ser ouvido oportunamente”8. Se o
interesse de apenas um estado federado for afetado, ele deve
ser consultado. Se o interesse de todos os estados federados
for afetado, todos eles devem ser consultados. Uma série de
setores se encontra sob competência constitucional não da
Federação alemã, mas de seus respectivos estados federados.
A Lei Fundamental, art. 30, reconhece: “Compete aos estados
exercer poderes de Estado e cumprir funções de Estado,
salvo disposição em contrário prevista nesta Lei
Fundamental9. Em seguida, no art. 70, § 1°, ela prevê: “Os
estados poderão legislar sobre matérias que esta Lei
Fundamental não tenha atribuído à Federação”10. A
Alemanha unificou-se tardiamente, ao contrário, por exemplo,
da França. O estados federados dispõem de uma considerável
autonomia política à luz da Lei Fundamental alemã.
O Acordo de Lindau disciplinou as atribuições da
Federação alemã e dos Länder no que diz respeito à
competência de conclusão11 e transformação12 de tratados
internacionais. A competência de conclusão de tratados
internacionais é, conforme o art. 32, § 1°, da Lei Fundamental,
da Federação. A Federação, no entanto, não tem
competência para celebrar tratados que compreendam setor
sob competência constitucional exclusiva dos estados
federados sem o consentimento destes últimos. Para que os
tratados internacionais sejam eficazes internamente, eles
precisam ser transformados em direito interno. Se o tratado
internacional versar sobre um setor sob competência
constitucional exclusiva dos estados federados, serão eles
que precisarão transformar o conteúdo do tratado em direito
A LEI FUNDAMENTAL ALEMÃ E A CELEBRAÇÃO DE TRATADOS
Roberto Chacon de Albuquerque
Advogado
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/FDUSP
Professor da Universidade Católica de Brasília
interno. Na prática, em conformidade com o previsto no
Acordo de Lindau, quando a Federação alemã pretende
celebrar um tratado que necessitará da colaboração dos
Länder para ser transformado em direito interno, ela precisa
submetê-lo à aprovação da Comissão Permanente de
Tratados dos Estados13 14.
Os estados federados na Alemanha, por outro lado,
podem em circunstâncias específicas celebrar tratados:
“Dentro dos limites de sua competência legislativa, e com
a aprovação do Governo Federal, os estados poderão firmar
tratados com Estados estrangeiros” (Lei Fundamental, art.
32, § 3°)15. Se o setor abrangido pelo tratado for da
competência constitucional exclusiva dos estados
federados, eles podem celebrar tratados, mas este processo
de celebração só será concluído se ele for aprovado pela
Federação alemã. Para que a Alemanha se vincule a um
tratado, é necessário que ele seja aprovado por seu
Parlamento mediante uma lei federal16.
2. Direito internacional e direito federal
Há, no entanto, uma exceção a esta necessidade de
aprovação pelo Parlamento de normas de direito
internacional público. A Lei Fundamental, art. 25, prevê:
“As normas gerais do direito internacional serão parte
integrante do direito federal. Prevalecerão sobre as leis e
produzirão diretamente direitos e obrigações para os
habitantes do território federal”17. Que espécies de “normas
gerais do direito internacional”18 são estas? Elas dizem
respeito basicamente às normas internacionais costumeiras
e ao ius cogens, normas que são aceitas pela comunidade
internacional como sendo de caráter obrigatório sem que
os Estados possam modificá-las. O art. 25, no entanto, não
diz que as “normas gerais do direito internacional” serão
superiores à Constituição, mas às “leis”, federais ou não.
O art. 25 foi concebido como uma garantia dos cidadãos
alemães contra a tirania. Durante o nazismo, várias medidas
totalitárias foram implementadas através de leis aprovadas
pelo Parlamento alemão. Podemos mencionar, por exemplo,
a lei que institucionalizou a esterilização e a eutanásia dos
portadores de doenças hereditárias19. Para que tal exceção
obtivesse uma maior eficácia jurídica, seria necessário que
a Lei Fundamental tivesse reconhecido explicitamente o
primado sobretudo do ius cogens em relação ao seu próprio
texto. As outras modalidades de normas de direito
internacional público, à exceção das normas internacionais
costumeiras e ao ius cogens, para terem eficácia interna,
precisam ser transformadas em direito nacional.
3. Representação da Federação em questões de
direito internacional
especificamente: “O presidente representará a Federação
em questões de direito internacional. Ele firmará tratados

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