Lei: Poder ou Restrição ao Julgador?

AutorEdlamar Provesi
CargoMestre e Doutoranda em Ciência Jurídica - CPCJ/Univali, Professora de Direito Processual Civil e Prática de Escritório, Responsável pelo Escritório Modelo de Advocacia (EMA) do Campus I - Itajaí
Páginas57-67

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1. Introdução

O Direito, analisado do ponto de vista da Política Jurídica, tem como objetivo fundamental, manter a paz e a estabilidade social, com o fim específico, de fazer justiça. Este intento obtém-se a partir do momento em que os Órgãos Jurisdicionados do Estado cumprem o seu papel determinado na norma constitucional.

Mais que o produto de convivência das relações sociais, o Direito consagrou-se numa ciência que pretende, utilizando-se das normas que lhe são pertinentes, regular a Sociedade, concedendo-lhe o bem-estar que cada um dos cidadãos espera encontrar num Estado Democrático de Direito.

Porém, o papel do Estado não deve circunscrever-se apenas em "cuidar" para que os indivíduos respeitem os direitos subjetivos alheios; hoje, o Estado tem a função de primar por um controle na legislação, com vistas a atender no conceito racional de justiça, critérios que possibilitem assegurar aos homens a busca e satisfação de seus anseios e necessidades, evitando a insatisfação e o sofrimento de cada um. Isto, no entanto, só será possível, quando a aplicação do Direito, em especial da norma jurídica, pautar-se na Política Jurídica, por uma norma justa, legítima e útil, porque a Justiça é uma obrigação social.

Partindo do princípio de que Direito e Justiça devem estar interligados; conclui-se que uma das premissas básicas para o exercício de Direito ocorre por uma de suas Fontes essenciais denominada Lei e a verificação destas, não pode estar adstrita apenas para atender à política, mas, para que o Direito possa imperar e contribuir para a construção social de forma ilimitada.

Por outro lado, o Poder do Legislador deve estar balizado em critérios objetivos como defensor da ordem jurídica, a fim de assegurar a atuação do Direito, impedindo a sua violação e opondo-se aos desmandos exercitados pelos governantes e a população em geral.

2. A necessidade de um princípio norteador

Como afirmou MONTESQUIEU1, "as leis, no seu sentido mais amplo, são relações necessárias que derivam da natureza dasPage 58 coisas e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis; a divindade possui suas leis; o mundo material possui suas leis; as inteligências superiores ao homem possuem suas leis; os animais possuem suas leis; o homem possui suas leis" [...], donde se conclui que há uma lei cósmica regendo a todos que fazem parte do Universo. "Os seres particulares inteligentes podem possuir leis feitas por eles, mas possuem também as que não fizeram"2 na concepção do referido autor.

Nesta última afirmação, se verifica que está a referir-se ao Direito Natural e ao Direito Positivo. Enquanto naquele, o homem rege-se pelos princípios que encontra na natureza, neste, há que se amoldar às normas estabelecidas por outros homens e seus respectivos Sistemas de Governo.

O poder soberano de elaborar leis adapta-se ao longo dos tempos, ao princípio da separação dos poderes e sua influência sobre o Estado, tendo precursores desde a época Clássica, passando pela Idade Média e complementando-se na atualidade. Porém, é "através do poder legislativo que fazem-se leis para sempre ou para determinadas época, bem como se aperfeiçoam ou ab-rogam as que já se acham feitas", afirma BONAVIDES.3

No entanto, o poder de legislar na maioria das vezes não é suficiente para fazer com que as leis sejam devidamente cumpridas; é necessário um terceiro poder - o Judiciário - que atribui ao magistrado a faculdade de punir os crimes ou julgar os dissídios de ordem civil, no estrito cumprimento ao que estabelecem as leis. Em sua função jurisdicional, deve prevalecer uma notável autonomia, segundo CRUZ4: "[...] em que pese as evoluções sofridas pelo princípio da Separação dos Poderes, ao longo da história constitucional, este princípio continua tendo hoje uma projeção relevante, do ponto de vista da garantia da liberdade dos cidadãos, no que se refere à existência de um Poder Judiciário independente e diferenciado do resto dos poderes do Estado".

Para este autor5, a essencialidade da independência do Poder Judiciário está vinculada à sua primeira função: aplicação da lei aos casos concretos, o que gera, por sua vez, a segurança jurídica com a certeza do Direito e da força vinculante de suas previsões, numa união indispensável. A independência do Juiz em relação aos demais poderes possibilita que a vontade da lei deve sempre prevalecer, mesmo se opondo ao Estado.

Embora seja o juiz quem aplica o Direito, Este, geralmente, se apresenta sob várias formas (seja através de leis emanadas dos poderesPage 59 legislativo ou até mesmo do executivo - por meio de medidas provisórias -), subjugando o magistrado ao ordenamento pré-estabelecido. Contudo, não só a codificação é meio regular para nortear o julgamento dos juízes; os tribunais também passaram a decidir observando seus próprios critérios, elaborando normas de origem jurisprudencial e que servem de padrão para situações congêneres.

Fundamentando-se em sistema adotado por alguns países da common law, o Direito aplicado nessas circunstâncias, passou a ser um Direito de criação judicial, modificando-se de sua essência, pelos mesmos juízes que deveriam aplicar a lei. Com afirma DAVID6, "a técnica inglesa não visa "interpretar" fórmulas mais ou menos gerais, estabelecidas pelo legislador. Ela é essencialmente uma técnica de "distinções". O jurista inglês, utilizando uma série de "precedentes" fornecidos pelas decisões judiciárias, procura encontrar a solução para o novo caso a ele submetido". No entanto, para o mesmo autor7, há um esforço do Estado para se formar uma nova Sociedade visando mais igualdade e justiça e, neste afã, "o direito inglês, que até o século XX era um direito essencialmente jurisprudencial, atribui hoje uma importância cada vez maior à lei".

Enquanto os Estados com forma distinta de observância judicial à norma (países da common law) procuram adaptarem-se ao seguimento da lei, o Brasil, procura modificar-se para decidir voltado para a jurisprudência. Mas, afinal, qual a melhor solução: a lei ou a jurisprudência? A resposta exige análise sobre cada uma das Fontes de Direito apontadas.

3. O que é Lei?

Em sentido lato sensu a Lei é um comando que gera causa e efeito, todavia, em sentido jurídico, deve ser muito mais que uma ordem baseada em ameaças, mas estar intimamente ligada com a moral e a justiça. Todo sistema jurídico é constituído totalmente por regras. Se essas regras são de fácil ou difícil interpretação, não alteram a obrigatoriedade de os tribunais oferecerem respostas aos casos que lhe são apresentados. Como aduz HART8 centrado no sistema jurídico americano e inglês, "[...] não restam dúvidas de que os tribunais proferem os seus julgamentos de forma a dar a impressão de que as suas decisões são a conseqüência necessáriaPage 60 de regras predeterminadas cujo sentido é fixo e claro. Em casos muitos simples, tal pode ser, assim; mas na larga maioria dos casos que preocupam os tribunais, nem as leis, nem os precedentes em que as regras estão alegadamente contidas admitem apenas um resultado. Nos casos mais importantes, há sempre uma escolha. O juiz tem de escolher entre sentidos alternativos a dar às palavras de uma lei ou entre interpretações conflituantes do que um precedente "significa". É só a tradição de que os juízes "descobrem" o direito e não o "fazem" que escondem deduções feitas com toda a facilidade de regras claras preexistentes, sem intromissão da escolha do juiz".

Essa também tem sido a preocupação de outros...

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