Liberdade de expressão e direito autoral na União Europeia casamento de pessoas

AutorClara Iglesias Keller
Páginas227-229
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO
AUTORAL NA UNIÃO EUROPEIA236
Clara Iglesias Keller
13 | 09 | 2018
Até quando vamos sacricar a liberdade de
expressão tentando regular a Internet?
Ontem, 12 de setembro, foi aprovada pelo Parlamento Europeu a
proposta237 de revisão da Diretiva de Direitos Autorais, trazendo em
seus artigos 11 e 13 graves consequências para o exercício da liberdade
de expressão online.
O artigo 11 cria para os veículos de imprensa um direito exclusivo
de gerenciar a divulgação de suas publicações digitais. Segundo sua
redação, até 20 anos após a publicação de um conteúdo pelo veículo,
o mesmo só poderá ser compartilhado – ao todo ou em partes – atra-
vés de um licenciamento. A disposição tem o objetivo de garantir a
remuneração das publicações pelo valor que seus conteúdos podem
agregar às plataformas onde são compartilhados – um motivo no
mínimo razoável.
No entanto, é preciso levar em conta o efeito dessa disposição
para veículos menores, que têm menos poder de barganha perante
as plataformas, e correm o risco real de perder espaço. Além disso,
mecanismos semelhantes já foram implementados,238 por exemplo,
236 O título original do artigo publicado no Jota era “Direito autoral na
União Europeia”.
237 A íntegra da proposta se encontra disponível em: European Commission
Directive of the European Parliament and of the Council on Copyright
in the Digital Single Market. Disponível em:
legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016PC0593&from=EN>.
Acesso em: 12 fev. 2019.
238 GIANNOPOULOU, Alexandra. Proposed Directive on Copyright in
the Digital Single Market: a missed opportunity? Zenodo, 11 set. 2018.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
na Espanha e Alemanha, sem que se tenham atingidos os ns pre-
tendidos de remuneração do autores.
Por sua vez, o artigo 13 traz para as plataformas de compartilha-
mento a obrigação de impedir a disponibilização de conteúdos que
infrinjam direitos autorais através de ltros de upload. Conforme
abordei em artigo anterior,
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essas ferramentas serão operadas por
atores privados, sem garantias de transparência e responsabilização.
Possuem, ainda, inúmeras limitações técnicas, que comprometem
direitos individuais e até a sua própria ecácia. Não à toa, tiveram sua
implementação amplamente repudiada por uma série de acadêmicos
especializados,240 pela Relatoria das Nações Unidas para Promoção
e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão
241
e por
parcela relevante do próprio parlamento europeu.242
Em um processo legislativo amplamente informado por todas essas
perspectivas – e pelo arcabouço técnico e empírico a elas pertinente –, a
decisão do Parlamento Europeu é uma mensagem clara. A liberdade de
expressão on-line será sacricada, ainda que sem garantia de resultado.
Disponível em: -
ght-in-the-digital-single-market-a-missed-opportunity/>. Acesso em: 12
fev. 2019.
239 KELLER, Clara Iglesias. Controle de conteúdo na internet: ltros de
upload e o perigo da censura prévia. JOTA, 25 jun. 2018. Disponível
em: -
do-na-internet-ltros-de-upload-e-o-perigo-de-censura-previa-25062018>.
Acesso em: 12 fev. 2019.
240 O documento encontra-se disponível em: INSTITUUT VOOR
INFORMATIERECHET. Academics launch nal appeal to European
Parliament. Disponível em: ics-against-pr
ess-publishers-right/>. Acesso em: 12 fev. 2019.
241 O documento encontra-se disponível em: UNITED NATIONS
HUMAN RIGHTS. Mandate of the Special Rapporteur on the pro-
motion and protection of the right to freedom of opinion and expression.
Disponível em:
Legislation/OL-OTH-41-2018.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2019.
242 A cart a aberta de membros do Parlamento Europeu encontra-se dispo-
nível em: DIGITAL AGENDA INTERGROUP. More than a hundred
MEPs oppose new publishers right. Disponível em:
digitalagendaintergroup.eu/more-than-a-hundred-meps-oppose-new-pu-
blishers-right/>. Acesso em: 12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
Já aprovada, a proposta agora passará por um período de negociação
sobre os termos de sua implementação. A base é o seu texto, o que já
signica que ele produzirá algum efeito prático, seja maior ou menor.
Foram institucionalizados mecanismos que interferem em dois dos
avanços mais celebrados das tecnologias digitais: o aquecimento do
livre uxo de informação e o democratização da produção de conte-
údo. O avanço tecnológico permitiu que as pessoas deixassem de ser
apenas consumidoras de conteúdo, tendo a possibilidade de também
de produzir o seu próprio em ampla escala e com baixo custo.
Apesar da norma visar a coibição da circulação de conteúdo sem
autorização legal, seus conhecidos e imprecisos efeitos abarcarão
uma série de situações que fazem parte da experiência dos usuários
na Internet em total conformidade com a legislação.
Somadas, as medidas dos artigos 11 e 13 impedirão, por exemplo,
a livre divulgação de notícias e vídeos de veículos de imprensa em
quaisquer plataformas, a publicação de memes, gifs, paródias, trechos
especícos de conteúdo com nalidades legítimas, enm, todo e
qualquer uso de material que seja identicável pelos ltros de upload.
Imagine, por exemplo, que diante de uma notícia de um site jorna-
lístico – possivelmente independente ou de menor tamanho – você
não consiga publicar o link na sua página do Facebook, pois não foi
acertada remuneração entre este a publicação. Ou que use a foto da
famosa personagem Nazaré com expressão intrigada para fazer um
meme e não consiga postá-lo na página do seu irmão, pois a imagem
foi detectada por um ltro de upload como infringente.
Não se trata de questionar a pertinência da proteção autoral, mas sim
a ecácia e proporcionalidade dos mecanismos utilizados para garan-
ti-la. Uma medida como esta, por si, tem um impacto imensurável nos
direitos de liberdade de expressão e de acesso à informação – devido
ao volume de situações sob sua égide e à literal impossibilidade de
aferir-se seus efeitos. Como se não isso não fosse suciente, ela tam-
bém não garante a devida proteção e remuneração de autores, pela
falibilidade dos mecanismos eleitos e sua pouca aderência à realidade
das dinâmicas sociais que acontecem na Internet.
Agrava-se, ainda, pelo potencial de ser estendida para outros ns
de direito – como o combate ao discurso de ódio, por exemplo; e, ou
de ser copiada por outros países – especialmente o nosso. Não custa
lembrar que a revisão da Lei de Direitos Autorais Brasileira ainda está
pendente no Congresso Nacional.

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