A Liberdade Sindical à Luz do Direito do Trabalho Brasileiro

AutorGilberto Carlos Maistro Junior
CargoAdvogado em São Paulo/SP
Páginas10-15

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Introdução

Não há dúvida que, para a Organização Internacional do Trabalho, o princípio fundamental do Direito Coletivo do Trabalho é o da liberdade sindical, orientação esta seguida por considerável parte do ordenamento jurídico dos países democráticos, contando, ainda, com o majoritário pensamento doutrinário juslaboral mundial1 .

Mantendo coerência a tal posição, a OIT chamou a debate e fez inserir na legislação internacional, no decorrer da evolução histórica do sindicalismo, textos que consagram a liberdade sindical, nos quais residem os fundamentos do modelo de sindicalização com liberdade, somando-os a outros de expressão e importância como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além das menções ao tema havidas já na sua própria constituição2 .

Diversas são, assim, as Convenções OIT que dispõem, de alguma forma, sobre a liberdade sindical, dentre as quais podemos citar principalmente as de nº 87 e 98, tendo sido apenas a última ratificada pelo Brasil, em 1952, pelo Decreto Legislativo nº 49.

Entretanto, não há como se negar que é na Convenção nº 87, adotada em 09 de julho de 1948, dispondo sobre a "liberdade sindical e a proteção do direito sindical", que encontramos a base do posicionamento da OIT. Aliás, tamanha é a importância da referida Convenção que chega esta a ser considerada por Arion Sayão Romita como o instrumento fundamental em tema de liberdade sindical3 .

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Ocorre que o Brasil, até o presente momento, não ratificou a Convenção nº 87 da OIT, o que, aliás, exigiria prévia reforma sindical, a se dar no âmbito constitucional, já que diversos preceitos trazidos no art. 8º e seguintes da Carta Magna brasileira, de 1988, colidem com os ditames da referida convenção internacional. Traz a Constituição, em especial no art. 8º, certa rigidez, expressa em normas incompatíveis com o modelo de liberdade sindical proposto pela OIT ao, por exemplo, garantir a liberdade coletiva de associação e de administração, e manter restrições quanto à organização sindical como, por exemplo, o faz pela imposição de unicidade sindical, base territorial mínima etc.

No presente trabalho, procuraremos, dentro de nossa ótica e da melhor forma possível , desenvolver análise acerca dos principais temas que compõem o estudo da liberdade sindical, buscando, ao final, entender como esta se expressa dentro da realidade do direito coletivo do trabalho brasileiro, suas falhas e seus acertos.

Para tanto, após um breve apontamento quanto à sua previsão já no Tratado de Versalhes e às principais Convenções da OIT sobre o tema, apresentaremos os sentidos e o conceito de liberdade sindical, inclusive abordando os conceitos de categoria profissional e econômica, e sua classificação.

Apontaremos, ainda, a questão da autonomia sindical, como expressão da liberdade sindical coletiva, concluindo o presente estudo tratando da unicidade e da pluralidade sindical, em especial à luz da realidade brasileira.

1. A liberdade sindical e a OIT

No início do século passado, em 1919, diversas nações proclamaram, no preâmbulo o Tratado de Versalhes, o princípio de liberdade sindical como caminho para a melhoria das condições da pessoa trabalhadora e forma de se assegurar a paz. O mesmo documento legal internacional, em seu art. 427, nº 2, garantiu o direito de livre associação para todo e qualquer fim lícito, tanto para os 'assalariados' (entenda-se, empregados e, hoje, mais ainda, trabalhadores) quanto para os empregadores.

O referido princípio da liberdade de associação de empregadores ou empregados recebeu, ainda no cenário internacional, o prestígio da Organização Internacional do Trabalho, especialmente em duas de suas Convenções Internacionais, de nº 87 e 98.

A Convenção nº 87 (São Francisco, 1948), sobre "liberdade sindical e proteção do direito de sindicalização", traz diretrizes que visam assegurar garantias básicas a trabalhadores e empregadores quanto ao livre exercício do direito de sindicalização, retirando de tal caminho eventuais obstáculos impostos pelas autoridades públicas, contendo, em seu bojo, dentre outros, os quatro direitos fundamentais oriundos do referido princípio de liberdade: fundar, administrar, atuar e filiar. A referida Convenção não foi, até o presente momento, incorporada ao direito sindical brasileiro.

Já a Convenção nº 98 (Genebra, 1949), aprovada por nosso país em 1952 pelo Decreto Legislativo nº 49, versa sobre "aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva", estabelecendo regras gerais quanto a interferências recíprocas entre trabalhadores e empregadores no exercício do direito de associação ora tratado.

2. Liberdade sindical e categorias profissional e econômica: sentidos e conceitos

A liberdade sindical abrange um aspecto multifacetário, manifestando-se em três sentidos, a saber: (a) como o direito dos trabalhadores e empregadores se organizarem e constituírem livremente sindicatos, como agremiações, da forma que entenderem, objetivando a promoção dos interesses dos grupos representados, sem que sofram qualquer interferência externa, quer estatal, quer de uns em relação aos outros; (b) como o direito de decisão voluntária dos trabalhadores e empregadores, sem qualquer pressão externa, quanto a se sindicalizarem ou deixar de fazê-lo; e (c) como o direito dos trabalhadores e empregadores sindicalizados de, a qualquer tempo, retirarem-se dos sindicatos, vedada a obrigatoriedade de filiação ou o prejuízo dos direitos dos não sindicalizados.

Acontece que a Constituição

Federal, em seu art. 5º, caput, ao enunciar os direitos e garantias fundamentais, assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e, ao fazê-lo, garante aos brasileiros e estrangeiros aqui residentes a inviolabilidade de diversos direitos, dentre os quais à liberdade e à igualdade. Neste contexto, a plena liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (inciso XVII) e a vedação à imposição de associação ou de manutenção desta (inciso XX).

Já na seara infraconstitucional, o art. 511 da CLT legaliza a associação para fins de estudo, defesa e coordenação de interesses econômicos ou profissionais, como direito dos empregadores, empregados, agentes, trabalhadores autônomos ou profissionais liberais reunidos, respectivamente, pela identidade de atividade ou profissão, sejam estas idênticas, similares ou conexas, atributos estes que fixam as dimensões dentro das quais a categoria é homogênea e a atividade é natural (CLT, art. 511, § 4º). O mesmo dispositivo, em seu § 1º, estabelece que o vínculo social básico constituído pela a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas denomina-se "categoria econômica" enquanto, no § 2º, traz o conceito legal de "categoria profissional" como sendo a expressão social elementar composta pela " similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas", sendo tida por "diferenciada" quando formada por empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em conseqüência de condições de vida singulares, a teor do § 3º do mesmo artigo. Cite-se, ainda, a CLT, arts. 540 e 544.

Nota-se que o Brasil consagra o princípio da liberdade de filiação, de modo que o trabalhador tem liberdade para inscrever-se ou não no sindicato de sua categoria profissional, valendo a mesma regra para o empregador quanto ao sindicato Page 12 da categoria econômica. Desta feita, qualquer lei que determinasse a filiação obrigatória seria fulminada pela inconstitucionalidade, inválida, também, qualquer cláusula contratual, de documento coletivo ou individual, que trouxesse a exigência do trabalhador proceder à sua sindicalização. Afastadas, assim, as ditas "cláusulas sindicais" ou de "segurança sindical".

Interessante mencionar, ainda, o art. 199 do Código Penal, onde...

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