Denunciação à Lide da Seguradora nas Ações de Indenização por Acidente de Trabalho e as Questões Relativas ao Contrato de Seguro

AutorGislaine Ruiz Guilhen
CargoAnalista Judiciária do TRT 9a. Região
Páginas15-19

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Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04 era pacífico o entendimento pela impossibilidade de intervenção de terceiros no processo do trabalho, notadamente da denunciação à lide. No entanto, diante da ampliação de competência que o dispositivo citado trouxe à justiça do trabalho, abriu-se novamente o debate jurídico a respeito do tema.

O Tribunal Superior do Trabalho, algum tempo depois do advento da Emenda, ao proceder ao cancelamento da Orientação Jurisprudencial 2271 da SDI-1, abriu as portas para nova análise da pertinência ou não de se aceitar a denunciação à lide no processo do trabalho.

A denunciação à lide, segundo Amaral Santos, "é o instrumento concedido a qualquer das partes do litígio para chamar a juízo um terceiro, com o qual tenha uma relação de regresso na eventualidade de perder a demanda"2. Este é o conceito que se extrai do artigo 70 do Código de Processo Civil.

A hipótese cabível de denunciação à lide dentro do processo do trabalho seria a do inciso III do artigo citado, que diz que a denunciação é obrigatória: "... àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda".

O contrato de seguro, como o próprio nome diz, trata-se de "contrato", e, portanto, é perfeitamente a hipótese tratada no inciso III do artigo 70 do Código de Processo Civil.

Pela hipótese preconizada em lei, ao se aceitar a denunciação à lide, formam-se duas relações processuais distintas, uma entre autor e réu, no caso de acidente de trabalho, entre empregador e empregado, e, outra, geralmente entre empregador e terceiro, e, no caso da matéria a ser tratada neste artigo, esse terceiro é a seguradora com a qual o empregador mantém ou mantinha à época do acidente de trabalho um contrato de seguro.

Embora ainda resista o meio jurídico trabalhista a respeito da aceitação da denunciação à lide da seguradora em ações de indenização por acidente de trabalho, existem argumentos fortes que pesam a favor dessa aceitação.

Um deles emana do próprio TST, com o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 227 da SDI-1, o que reabriu as discussões sobre a aplicação do instituto na justiça do trabalho.

O segundo está no fato de ser a justiça do trabalho um instrumento de justiça social. Porém, deve haver a efetividade da prestação jurisdicional de forma a realizar de fato essa justiça.

Nesse entendimento, toma-se como exemplo um caso em que o empregado ingressa com ação de indenização por acidente de trabalho contra o empregador, e este mantinha seguro de "responsabilidade civil empregador" ou "responsabilidade civil geral", com sociedade seguradora. Suponha-se que não seja aceita pelo magistrado a denunciação à lide desta última e, ao final da ação, a empresa sucumbe. Indaga-se: se a empregadora não tiver situação econômica solvente para arcar com o pagamento da condenação, poderá a seguradora responder pelo pagamento?

À primeira resposta que vem à mente seria "sim", eis que nos contratos de seguro de responsabilidade civil geralmente consta cláusula que obriga a seguradora a reembolsar o segurado nas quantias que este vier a despender, em virtude de evento coberto contratualmente, mediante sentença condenatória transitada em julgado. Porém, a palavra que geralmente consta nos contratos de seguro é "reembolsar", o que significa que o empregador só irá se ressarcir contratualmente perante a seguradora depois que efetuar o pagamento ao empregado. E se o empregador não tiver condições de efetuar esse pagamento? Poderá o juiz obrigar a seguradora (que não fez parte da lide) a efetuar o pagamento ao empregado? Certamente que não, pois ela não fez parte da relação processual. Mesmo na hipótese do empregador indicar à penhora a apólice de seguros3, o que pode ser aceito em tese, obviamente a seguradora ingressará com embargos de terceiro, o que procrastinaria ainda mais o feito e poderia levá-lo a tramitar por muito mais tempo na justiça do que aquele que seria despendido caso tivesse sido aceita a denunciação à lide lá no início do processo de conhecimento.

Cumpre lembrar que os contratos de seguros são contratos que originam, para o segurador, a obrigação principal de cobrir o risco (garantia) e, para o segurado, a de pagar o prêmio4. No caso de ocorrer um sinistro, o segurador pagará ao segurado o valor da indenização nos limites estabelecidos na apólice, observando-se as condições previstas no contrato5.

Ainda, os contratos de seguro são baseados na boa-fé6 dos contratantes, possuem legislação específica, coberturas específicas em virtude de riscos predeterminados7 , inclusive condições e cláusulas que podem restringir e limitar as hipóteses de cobertura. Basta uma sumária leitura dos artigos 757 a 802 do Código Civil de 2002 para se ter uma idéia das implicações legais inerentes aos contratos de seguro. Não é só o simples fato da empresa contratar um seguro de responsabilidade civil que automaticamente gera cobertura a todo e qualquer evento ocorrido, mas tão-somente nas hipóteses e limites previstos no contrato.

Se, por acaso, o tipo de acidente de trabalho ocorrido estiver em uma hipótese contratual de "risco excluído"8 ? Ou, se a empresa tiver pago com atraso a parcela do prêmio, depois de ocorrido o sinistro?9 Enfim, existem diversas situações em que a empresa seguradora se ampara no contrato e na legislação e não paga a indenização (pelo menos não amigavelmente). Essas situações não poderão ser discutidas na ação de indenização na justiça obreira se o juízo trabalhista não tiver aceito a denunciação.

Assim, se a discussão acerca do contrato de seguro entre empresa e seguradora não foi feita e não se instaurou no processo a lide secundária, não se pôde discutir se a negativa de cobertura foi legal ou abusiva. Nesse caso se o empregador não tiver condições financeiras de arcar com a condenação em prol do empregado, terá que ingressar com uma ação na justiça comum estadual, contra a seguradora, para discutir se aquela responsabilização atribuída pela condenação na justiça obreira está abrangida nas hipóteses contratuais ou não da relação securitária. Esta lide, por certo, demorará anos para uma solução final.

E aí surge outra indagação: como ficará o crédito do empregado nesse interregno de tempo? Certamente, se a empresa não possuir condições financeiras e não tiver bens passíveis de constrição, tal crédito ficará sobrestado até o trânsito em julgado da ação cível entre empregador e seguradora, e, caso esta última sucumbir, aí é que ocorrerá o pagamento dos valores condenatórios ao empregador, que repassará ao empregado vencedor da ação indenizatória trabalhista.

Poder-se-ia argumentar que as hipóteses de insolvência da empregadora seriam exceções. No entanto, as ações de indenização por acidente de trabalho geralmente envolvem dois pedidos: danos morais e pensão mensal vitalícia, muitas vezes com determinação para constituição de capital que garanta o pagamento das parcelas vincendas relativas à pensão, pedidos que, ao final dos cálculos de liquidação, geram um montante condenatório monetariamente considerável, e, assim, forçoso concluir que boa parte das empresas, por mais solventes que sejam, não possuem condições imediatas de arcar com tais valores, até mesmo em função disso é que acabam por celebrar contrato de seguro privado.

Ainda, tem-se o fato de que os contratos de seguro geralmente contém cláusula que desobriga a seguradora a ressarcir o seu segurado por valores que este desembolsar em eventual acordo, mesmo que relativo à verba que possui cobertura no contrato de seguro, se não houver a concordância prévia da seguradora. Isso diminui consideravelmente o interesse na realização de acordo nos autos, pois o empregador, caso possua seguro e queira fazer um acordo com o empregado, se a verba em questão for prevista no seu contrato de seguro, e, se a seguradora não o autorizar expressamente e previamente, poderá ficar sem o ressarcimento daquilo que desembolsar em virtude do acordo. Daí o seu interesse em entabular acordo acaba perecendo, eis que esbarra na condição imposta pela seguradora, a qual, se não for litisconsorte nos autos, dificilmente liberará o segurado para a composição com o empregado.

Por todos os argumentos expostos impõe-se repensar a aceitação da denunciação à lide de empresa seguradora com a qual o empregador mantenha ou mantinha contrato de seguro à época do acidente, pois, a justiça do trabalho não pode ser socialmente correta apenas na teoria, deve...

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