A liminar em mandado de segurança preventivo e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário

AutorMariana Paludo Magarinos
CargoMestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada
Páginas178-187

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1. Considerações iniciais

Muito se discute acerca da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, suas causas e efeitos. Ainda que com suas causas enunciadas pelo Código Tributário Nacional (art. 151),1suas especificações são geradoras de polêmicas e divergências.

A concessão de medida liminar em mandado de segurança (inciso IV do art. 151), em especial do mandado de segurança preventivo, uma das causas de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, é o objeto do presente trabalho.2Ainda como uma questão pouco estu-dada, porém, não menos relevante que as demais, a liminar concedida preventivamente pretende evitar ameaça a um direito do administrado por parte da Administração Pública. A suspensão da exigibilidade do crédito, antes mesmo da sua constituição, é um ato preventivo que pretende evitar que seja causado dano irreparável ou de difícil reparação.

Traçaremos, inicialmente, as premissas das quais partimos para o desenvolvimento do trabalho, ingressando, na sequencia, no estudo do crédito tributário e de uma causa

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específica de suspensão de sua exigibilidade: a liminar concedida em mandado de segurança preventivo.

2. Premissas

São premissas para o desenvolvimento deste trabalho:

  1. Todo o trabalho é baseado nas lições de Paulo de Barros Carvalho e na Teoria da Linguagem.

  2. Evento e fato não se confundem; evento é um acontecimento do mundo social, fato jurídico é o evento vertido em linguagem competente baseado nas provas; um fato só é um fato, ou seja, um evento só é juridicizado, só ingressa no mundo jurídico, quando vertido em linguagem por autoridade competente.

  3. A incidência não é automática e infalível - o mero acontecimento, caso não seja relatado, será apenas fato social, não importando ao direito. É necessário que haja um observador que realize a incidência e aplicação da norma para que haja o fato jurídico.

  4. Incidência e aplicação se dão num mesmo momento.

  5. Norma jurídica pode ser entendida em sentido estrito ou em sentido amplo: (i) em sentido amplo quando se refere tanto seu suporte físico quanto à sua significação; (ii) em sentido estrito quando se refere apenas a sua significação hipotético-condicionalmente estruturada - composta por hipótese e consequente. Neste trabalho, ao tratar de norma, estaremos nos referindo à norma em sentido estrito.

  6. Ao tratar de hipótese e consequente, estaremos nos referindo a estrutura da norma jurídica tributária: a regra-matriz de incidência tributária. A regra-matriz possui um antecedente (sua hipótese), formado os critérios material, espacial e territorial, e um consequente, formado pelos os critérios pessoal e quantitativo.

  7. Há diversos tipos de normas jurídicas classificadas pela Ciência do Direito, conforme critério de cada jurista. Para nosso trabalho, interessa-nos as normas jurídicas classificadas em: (i) gerais; (ii) individuais;

(iii) abstratas; e, (iv) concretas. Aurora Tomazini de Carvalho define cada uma das classes da seguinte maneira: "Gerais aquelas cujos sujeitos se mantêm indeterminados quanto ao número. Individuais as que se voltam a certo indivíduo ou a um grupo de determinado de pessoas. Abstratas aquelas que descrevem um fato futuro e incerto. E concretas as que relatam um fato passado, propulsor de efeitos no mundo jurídico".3Antes de adentrarmos no tema principal, achamos por bem tratar dessas ideias relacionadas à Teoria Geral do Direito objetivando uma melhor interpretação do texto. A partir dessas premissas, iniciaremos nosso estudo e, baseado nelas, chegaremos a determinadas conclusões.

3. O crédito tributário e a suspensão de sua exigibilidade

Paulo De Barros Carvalho define o conceito de crédito tributário como "o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro".4Há, na relação jurídico-tributária, o sujeito ativo, possuidor de um direito subjetivo, decorrente de uma obrigação tributária principal, chamado crédito; e, o sujeito passivo, possuidor de um dever subjetivo, chamado débito. Nasce a relação jurídica não no momento em que ocorre determinado evento do mundo social, que supostamente enseja uma obrigação, mas sim quando tudo for

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vertido em linguagem competente. Para o Professor, o crédito tributário nasce a partir da sua formalização, que é feita pela aplicação da regra-matriz de incidência. "Formalizar o crédito significa verter em linguagem jurídica competente o fato e a respectiva relação tributária, objetivando o sujeito ativo, o sujeito passivo e o objeto da prestação, o bojo de norma individual e concreta".5A constituição do crédito, ou melhor, sua formalização, pode ser feita tanto pela autori-dade administrativa, por meio do lançamento, quanto pelo contribuinte, na realização e deveres instrumentais.

Paulo de Barros Carvalho define o conceito de lançamento tributário:6"é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem com antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela vase de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido".7E ao tratar do tema, o Código Tributário Nacional prescreve:

"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

"Parágrafo único. A atividade admi nistrativa de lançamento é vinculada e obri gatória, sob pena de responsabilidade funcional."

Na sequencia, o mesmo Diploma Legal trata nos arts. 147 a 150 das modalidades de lançamento: (i) lançamento direto, ou por ofício; (ii) misto, ou por declaração; e, (iii) por homologação. A classificação decorre do tanto de envolvimento que o administrado teve no ato de lançamento.8Ao ser constituído um crédito, surge o direito da Fazenda Pública de perceber o valor devido, isto é, nasce o direito de exigir do sujeito passivo o pagamento do valor pecuniário constituído. Por essa exigibilidade (direito de exigir) "havemos de compreender o direito que o credor tem de postular, efetivamente, o objeto da obrigação (...)".9Assim, cabe à Fazenda Pública proceder à cobrança do que por direito lhe pertence.

O direito positivo, no entanto, não prevê apenas o direito pertencente à Fazenda de exigir o crédito constituído. Objetivando resguardar os direitos do administrado, o Código Tributário Nacional prescreve, em seu art. 151, hipóteses que suspendem a exigibilidade desse crédito temporariamente, aguardando sua extinção ou seu regular seguimento de cobrança:

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

"I - moratória;

"II - o depósito do seu montante integral;

"III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

"IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança;

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"V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;

"VI - o parcelamento.

"Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes."

Sacha Calmon Navarro Coêlho ensina: "O crédito tributário, quer nos casos em que o dever de pagar decorre diretamente da lei (tributos sujeitos à homologação posterior ao pagamento), quer nas hipóteses em que este é precedido de lançamento, está sempre sujeito a ter sua exigibilidade suspensa, obrigando a Fazenda Pública a abster-se de formalizá-lo ou mesmo de cobrá-lo".10Cumpre ressaltar, que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, conforme previsto no parágrafo único desse artigo, não suspende (dispensa) o cumprimento dos deveres instrumentais inerentes à obrigação principal. Portanto, ainda que dispensado do recolhimento do valor do tributo, está o sujeito passivo obrigado a emitir as notas fiscais, escriturar livros fiscais e realizar os demais atos obrigatórios.

Dentre as hipóteses previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional, trataremos neste artigo do inciso IV: a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

É o que faremos a seguir.

4. Mandado de segurança

O mandado de segurança é uma ação mandamental que visa coibir qualquer ativi-dade abusiva e/ou ilícita de possível come-timento pelo Poder Público ou por qualquer um que exerça sua função.

Hely Lopes Meirelles, com amparo constitucional e infraconstitucional, define o mandado de segurança como: "o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito líquido individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ao ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".11Enunciado no art. 5º da nossa Constituição Federal,12o mandado de segurança tem suas peculiaridades prescritas pela Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009.13Logo em seu...

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