Limites concorrenciais da cláusula de condução dos negócios em contratos de M&A

AutorGabriel da Silva Freire
Páginas91-152
LIMITES CONCORRENCIAIS DA CLÁUSULA DE CONDUÇÃO
DOS NEGÓCIOS EM CONTRATOS DE M&A
Gabriel da silva Freire
RESUMO
Com a entrada em vigor da Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011, em
2012, as operações de M&A no Brasil passaram a se sujeitar a um paradig-
ma de defesa da concorrência pautado no controle prévio de atos de con-
centração pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Nessa dinâmica, um dos principais debates na agenda antitruste ocorre
em torno do gun jumping, ilícito concorrencial de consumação prévia de
atos de concentração antes da autorização legal. No entanto, a referida
lei não trouxe contornos objetiva e materialmente robustos a respeito do
que poderia ser enquadrado como gun jumping, principalmente em casos
como o da cláusula de condução de negócios, relevante mecanismo con-
tratual comumente adotado para a proteção de interesses legítimos fren-
te a incertezas inerentes ao M&A. Dessa forma, o trabalho analisa, sob a
ótica do gun jumping, quais são as preocupações e limites concorrenciais
derivados do uso da cláusula de condução de negócios em contratos de
operações de M&A de aquisição de participação societária sujeitas à análi-
se do CADE. Nesse sentido, o estudo foi realizado com base em (i) pesqui-
sa bibliográfica; (ii) análise da legislação; (iii) pesquisa jurisprudencial do
CADE; e (iv) estudo de caso da Comissão Europeia. Ao partir da hipótese
inicial de que não há no Brasil um referencial, em termos de uma parame-
trização objetiva e material, sobre a delimitação da cláusula de condução
dos negócios quanto à configuração de gun jumping, ao final do trabalho
conclui-se que não é possível extrair da atual legislação e jurisprudência
nacionais uma linha divisória satisfatória a respeito do que é permitido,
de modo que, o recurso ao uso de um referencial estrangeiro oriundo de
um julgamento da Comissão Europeia mostrou-se como uma importante
fonte de benchmark para parametrização de limites.
Palavras-chave
Direito Concorrencial; M&A; Cláusula de Condução dos Negócios; CADE;
Gun Jumping.
Coleção Jovem Jurista 2023
92
Abstract
With the entry into force of Law No. 12,529, of November 30, 2011, in 2012,
M&A operations in Brazil became subject to a paradigm of defense of com-
petition based on prior control of mergers by the Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE). In this dynamic, one of the main debates on
the antitrust agenda revolves around gun jumping, the competitive offense
of prior consummation of concentration acts before legal authorization.
However, that law did not bring objectively and materially robust contou-
rs regarding what could be classified as gun jumping, especially in cases
such as the conduct of business clause, a relevant contractual mechanism
commonly adopted for the protection of legitimate interests in the face
of uncertainties inherent to M&A. Thus, this paper analyzes, from a gun
jumping perspective, what are the concerns and competition limits derived
from the use of the conduct of business clause in M&A contracts for the
acquisition of equity interest subject to CADE’s analysis. In this sense, the
study was carried out based on (i) bibliographical research; (ii) analysis of
legislation; (iii) CADE jurisprudential research; and (iv) European Commis-
sion case study. Starting from the initial hypothesis that there is no referen-
ce in Brazil, in terms of an objective and material parameterization, on the
delimitation of the conduct of business clause regarding the configuration
of gun jumping, at the end of the work it is concluded that it is not possible
extract from the current national legislation and jurisprudence a satisfac-
tory dividing line regarding what is allowed, so that the use of a foreign
reference derived from a judgment by the European Commission proved
to be an important source of benchmark for parameterization of limits.
Keywords
Competition Law; M&A; Conduct of Business Clause; CADE; Gun Jumping.
1. INTRODUÇÃO
As aceleradas inovações tecnológicas do século XXI fazem com que o
direito enfrente desafios em ritmo e volatilidade jamais vistos. Frente aos
contornos de estruturas e práticas inovadoras, exige-se das leis a capaci-
dade de adaptação em uma frequência crescentemente abrupta. Nesse
contexto, o crescente dinamismo do mercado impõe a executivos e em-
preendedores uma maior impermanência do fazer negócios e eleva-se a
necessidade de revisita e de redefinição de estratégias corporativas,1 por
1 “A elevada competitividade nos mais diversos setores da economia e o dinamismo
cada vez mais intenso do mercado impõem aos empreendedores e executivos de
empresas a necessidade de ‘revisitarem’ e redefinirem as estratégias corporativas
com uma frequência muitas vezes exacerbada. Nesse contexto, a realização de ope-
rações de F&A, compreendidas, como se afirmou anteriormente, como medidas de
limites concorrenciAis dA cláusulA de condução dos negócios em contrAtos de m&A 93
meio de mecanismos negociais, como a realização de operações de fusões
e aquisições (M&A).2
No Brasil, o cenário negocial das operações de M&A, fortemente
influenciado pela experiência de países de origem anglo-saxã3 de common
law4 como Estados Unidos da América e Reino Unido,5 desde a entrada em
crescimento inorgânico e/ou compartilhado (muito embora sirvam, também, como
medidas para implementar a estratégia da redução), passou a constar como uma
opção recorrente nos planejamentos estratégicos de empresas de praticamente to-
dos os setores da economia, não se limitando ao universo das companhias abertas ou
empresas de grande porte.” BOTREL, Sérgio. Fusões e Aquisições. 5a ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 25.
2 “Literalmente há milênios, negócios são criados, vendidos e fundidos, sendo um con-
senso que as transações de M&A são as mais antigas e frequentes dentre todos os
tipos de operações financeiras. Executivos de todos os mercados reavaliam continu-
adamente as suas estratégias, almejando, planejando e estudando viabilidades entre
as mais diversas oportunidades” SIQUEIRA, Marcelo. Prefácio. In: SIQUEIRA, Marcelo;
BUHATEM, Fernanda Bastos; TREIGER, José Marcos; SHERIQUE, Elie Jaques (Org.).
Brasil M&A: Guia para Fusões e Aquisições de Empresas Brasileiras. Rio de Janeiro:
Donnelley Financial Solutions do Brasil Ltda, 2017. p. 3.
3 Segundo Elie Jaques Sherique e Clarissa Figueiredo Freitas: “O cenário negocial
brasileiro relacionado às operações de fusões e aquisições (“M&A”) é fortemente
influenciado pelos Estados Unidos e, em menor escala, pelo Reino Unido. Muito dis-
so se deve ao fato de executivos, advogados e profissionais do mercado financeiro
possuírem experiências profissionais e acadêmicas nesses países. Além disso, a par-
tir da década de 1990, verificou-se um aumento significativo no ingresso de capital
estrangeiro no país em função da abertura econômica proposta na nova ordem po-
lítico-econômica brasileira. Consequentemente, houve um aumento substancial no
volume das operações de M&A no Brasil envolvendo partes estrangeiras. A crescen-
te internacionalização da economia brasileira gerou grandes reflexos no ambiente
jurídico, tendo se tornado prática comum a “importação” de conceitos jurídicos e
modelos contratuais oriundos de países que adotam o sistema da Common Law.
Nesse contexto, as operações de M&A, via de regra, são conduzidas por assesso-
res especializados (advogados e assessores financeiros) que costumam utilizar uma
estrutura de contrato já padronizada. A estrutura desses contratos costuma utilizar
como base contratos norte-americanos que têm por finalidade regular operações de
M&A, porém com as adaptações necessárias à realidade de nosso ordenamento jurí-
dico.” SHERIQUE. Elie Jaques; FREITAS, Clarissa Figueiredo. Contratos de Compra e
Venda e Investimento – 1o Parte. In: SIQUEIRA, Marcelo; BUHATEM, Fernanda Bastos;
TREIGER, José Marcos; SHERIQUE, Elie Jaques (Org.). Brasil M&A: Guia para Fusões
e Aquisições de Empresas Brasileiras. Rio de Janeiro: Donnelley Financial Solutions
do Brasil Ltda, 2017. P. 49.
4 “Em operações desse tipo há muita influência de modelos e cláusulas jurídicas
‘importadas’ de países do common law, especialmente, Estados Unidos da América
e Reino Unido”. GAUDÊNCIO, Samuel Carvalho; MCNAUGHTON, Charles William.
Fusões e Aquisições: Prática Jurídica no M&A. 3a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2019. p. 7.
5 De acordo com o relatório anual da Transactional Track Record (TTR) sobre o cenário
de M&A no Brasil em 2021, os Estados Unidos da América e o Reino Unido figuram,
respectivamente, como primeiro e terceiro maiores países de origem de empresas
estrangeiras adquirindo sociedades brasileiros em operações de M&A. Das 441 ope-
rações avaliadas, 244 envolviam os Estados Unidos da América e 36 o Reino Unido,
número correspondente a, respectiva e aproximadamente, 55% e 8% das transações.
Isto é, quase dois terços das operações em que empresas estrangeiras adquirem em-
presas brasileiras envolvem esses dois países. O mesmo relatório traz que das 179
operações envolvendo empresas nacionais adquirindo sociedades estrangeiras em
jurisdições externas, 58 transações, isto é, aproximadamente 32%, foram relacionadas

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