Limites da negociação coletiva à luz dos direitos fundamentais: análise da Lei n. 13.467/2017-

AutorLuciana Paula de Vaz Carvalho
Páginas124-132

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Luciana Paula Vaz de Carvalho2

Considerações iniciais

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro novos contornos às negociações coletivas, especialmente ao dispor sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e elencar uma gama de possibilidades de negociação, reiterando o “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.

Nos atemporais ensinamentos de Evaristo de Moraes Filho “o direito do trabalho é um direito imperativo, que limita deliberadamente a suposta liberdade de contratar, intervindo o Estado naquela esfera, outrora sagrada, da autonomia da vontade, da doutrina liberal. Escreve o Estado, com sua mão poderosa, a maioria das cláusulas do contrato de trabalho, sendo que todas de interesse público, irrevogáveis e irrenunciáveis por pactos particulares”3.

Assim, aparentemente, há uma dicotomia entre o objetivo do legislador que, assumindo uma posição mais liberal fomenta a negociação coletiva, ampliando seu leque de possibilidades e a doutrina clássica, que alerta sobre a inderrogabilidade da norma e a indisponibilidade de direitos, dentro dos limites impostos pelos direitos fundamentais.

Dentro deste cenário, o presente estudo se desenvolve, com o profícuo objetivo de trazer à reflexão os limites da negociação da coletiva, sob a perspectiva dos direitos fundamentais.

Breve histórico legislativo das negociações coletivas – a importância da constituição federal de 1988

O Sindicalismo brasileiro estruturou-se durante o Estado Novo, contudo, dada as condições econômicas e políticas do Brasil à época, que não estimulavam a negociação coletiva, a estrutura sindical apenas foi, efetivamente, alterada, com o advento da Constituição Federal de 1988.

Em síntese, a legislação brasileira sobre negociação coletiva que tinha como fruto jurídico, até então, as convenções coletivas de trabalho, apresenta o seguinte quadro de normas promulgadas4:

– Decreto n. 21.761, de 23.08.1932;

Constituição Federal de 1934, que reconheceu as convenções coletivas de trabalho;

Constituição Federal de 1937, que estendeu os efeitos dos contratos coletivos a sócios e não sócios dos sindicatos estipulantes e fixou um conteúdo obrigatório mínimo para eles;

– Decreto-lei n. 1.237, de 02.05.1939, que organizou a justiça do trabalho e investiu o Conselho Nacional do Trabalho de poderes para estender a toda a categoria, nos casos previstos em lei, os contratos coletivos de trabalho;

Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que previu a convenção coletiva de trabalho como instrumento normativo de efeitos erga omnes sobre toda a categoria;

Constituição Federal de 1946, que mantem o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho e inseriu a justiça do trabalho no Poder Judiciário, investindo-a de poderes normativos para, nos dissídios coletivos, estabelecer normas e condições de trabalho;

– Decreto-lei n. 229, que criou o nível de negociação coletiva até então existente no país: os acordos coletivos entre o sindicato da categoria e uma ou mais empresas e, por fim,

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Constituição Federal de 1988, que atribuiu à negociação coletiva a função de administrar crises na empresa, ao admitir a redução dos salários por acordos e convenções coletivas e, com a emenda constitucional n. 45/2004, condicionou a propositura de dissídios coletivos à prévia tentativa de negociação.

Importante mencionar que a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, reproduziu em parte as diretrizes do Decreto n. 21.761, de 1932, porém, trouxe algumas inovações no que tange: a) a competência, atribuída ao minis-tro, para homologar contratos coletivos; b) a extensão do contrato coletivo, por ato do ministro, aos membros das categorias profissionais e econômicas não sócios dos sindicatos, dentro das respectivas bases territoriais, desde que fosse do interesse público; c) a redução do prazo máximo de vigência dos instrumentos normativos de 02 anos; e

  1. a previsão da denúncia ou revogação.

A Constituição Federal de 1988 introduziu importantes regras às negociações coletivas, tais como: a) exigiu a participação obrigatória dos sindicatos nas negociações (art. 8º, VI); b) instituiu o princípio da irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI); c) previu a arbitragem facultativa dos conflitos coletivos (art. 120, § 1º); d) proibiu a redução pelos Tribunais do Trabalho de vantagens previstas em convenção coletiva; e) condicionou o dissídio coletivo à prévia tentativa de negociação coletiva; e f) permitiu a ampliação, para mais de 6 horas, da duração diária do trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, desde que por acordo ou convenção coletiva.

Diante das inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, o ilustre professor Amauri Mascaro Nascimento5 conclui que “é possível dizer que houve a ampliação da contratação coletiva, mas alguns fatores a inibiram em nosso país. Primeiro, a fragilidade dos sindicatos, para a qual contribuiu o sistema de unicidade sindical, impeditivo da liberdade sindical. Segundo as restrições impostas pelo sistema legal de contratação coletiva quanto à legitimidade para negociar e aos níveis de contratação. (...).

Terceiro, a unicidade sindical imposta por lei, contrária à liberdade sindical, prevista pela Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (...). Quarto, o poder normativo da Justiça do Trabalho, ao qual recorrem os sindicatos, transferindo para o Estado, pela via do dissídio coletivo, a fixação das regras a serem observadas à falta de consenso. É uma proteção aos sindicatos frágeis, mas, ao mesmo tempo, institui uma cultura de intervenção do Estado que não favorece a autonomia coletiva dos particulares”.

Nos dizeres de João de Lima Teixeira Filho, “a partir da Constituição Federal de 1988, a negociação coletiva de trabalho já não pode ser tratada de costas. Sua inconteste valorização constitucional como o processo mais eficaz e democrático de solução dos conflitos coletivos de trabalho lança sobre si um facho de luz de tal intensidade que não se poderá discorrer sobre o produto da negociação desapercebendo-se de sua fonte”6.

Neste momento de intenso debate sobre a Lei n. 13.467/2017, objeto deste ensaio e que alterou subs-tancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho, vemos um novo cenário permeando as negociações coletivas, notadamente porque a nova legislação inovou e assentou o entendimento de que, em alguns aspectos, o negociado prevalecerá sobre o legislado, elencando o que pode (art. 611-A) e o que não (art. 611-B) ser negociado, possibilidades que serão, mais a frente, estudadas.

Princípios norteadores da negociação coletiva

Os princípios, no âmbito da negociação coletiva, são postulados éticos ou normas de conduta que permeiam o processo negocial7.

Nas palavras de José Augusto Rodrigues Pinto, na negociação coletiva, devem as partes “submeter-se a um preceituário, no sentido, exato de reunião de regras fundamentais que disciplinem seu exercício” ou “um regramento filosófico básico ou núcleo de prescrições consolidadoras de sua aplicação”8.

Dentro desse contexto, podemos elencar como princípios fundantes da negociação coletiva: o princípio da boa-fé; o dever de informação; da razoabilidade e, por fim, a finalidade da negociação.

O princípio da boa-fé é inerente aos atos jurídicos em geral e, especificamente, na negociação coletiva, deve se fazer presente no processo de diálogo, sempre com lealdade e ética9.

Nos ensinamentos de João de Lima Teixeira Filho, o princípio da boa-fé “não revela-se apenas na disposição da parte para negociar, analisar propostas adequadamente formuladas e contrapor. Está contido, com muita frequência, no modo pelo qual o acordo e a convenção coletiva de trabalho são redigidos e também é aferível na fase de fiel execução do pactuado. O instrumento normativo que

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recolhe e enuncia as condições de trabalho negociadas não pode transformar-se em fonte de dissidência, devido a uma redação premeditadamente ambígua ou obscura quanto aos limites da obrigação pactuada”10.

Segue informando, o prestigiado autor, destaques da OIT – Organização Internacional do Trabalho, segundo a qual “na diplomacia internacional, uma certa ambiguidade e falta de precisão podem, às vezes, até ajudar a superar um grave obstáculo, mas pouco pode ser dito a favor de uma linguagem vaga e ambígua num acordo entre empregadores e trabalhadores”. Recomendando, a OIT, que “os acordos coletivos devem ser escritos e com a maior simplicidade, clareza e brevidade possíveis, de modo que nenhuma das partes, empregadores ou trabalhadores, tenha dúvida sobre seu sentido”11.

Maurício Godinho Delgado informa que “lealdade” e “transparência” na negociação coletiva visam garantir situação de equivalência entre os sujeitos, “premissas essen-ciais ao desenvolvimento democrático e eficaz do próprio processo negocial coletivo”12.

A negociação coletiva tem por finalidade harmonizar os interesses contrapostos de trabalhadores e empregadores, traduzindo-se em uma alternativa bastante eficaz, quando bem realizada, para as demais formas de solução das disputas trabalhistas.

Nesse compasso, o princípio da boa-fé no processo de contratação coletiva é o mais importante, sendo absolutamente consagrado o dever moral das partes de agir com lealdade, sendo inaceitável pressupor “de forma satisfatória e suportável pelas partes, uma negociação em que elas, ou uma delas, atue deliberadamente de má-fé, com o único propósito de prejudicar a outra ou obter vantagens apenas para si, com base em comportamento que não se pauta pela...

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