Sistema sindical brasileiro e o fim da contribuição sindical

AutorPaulo Sergio João
Páginas133-138

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Paulo Sergio João1

Introdução

A liberdade sindical, como direito individual, exercido de modo coletivo, é frequentemente confundida com a representação sindical e mesmo com sua representatividade e legitimidade. Estes são os dois parâmetros das Convenções Internacionais da OIT n. 87 de 1948 e n. 98 de 1949.

A organização sindical orgânica é fruto da liberdade sindical individual, negativa ou positiva, e o Brasil demora a se ajustar ao exercício democrático no âmbito sindical, mantendo condições históricas de organização de efeitos duvidosos quando se trata de liberdade de associação profissional ou sindical. Ainda se arrasta modelo da unicidade.

A nova Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, chamada Reforma Trabalhista, trouxe preocupações para os sindicatos com a extinção da compulsoriedade de custeio e, também, para o mundo jurídico de que modo os trabalhadores poderão se estruturar a partir da quebra de vínculo jurídico sindical obrigatório. Os possíveis efeitos das novas disposições serão observados a partir do ano de 2018.

O texto analisa de forma breve a evolução do reconhecimento aos trabalhadores da formação de sindicatos, seu conteúdo na legislação brasileira, a unicidade e a plurali-dade sindical e reflete sobre os possíveis efeitos da contribuição sindical de caráter facultativo.

Liberdade sindical – organização sindical

Os sindicatos tiveram na sua formação histórica um vínculo estritamente obreiro porque são fruto da uma força de luta dos trabalhadores contra o capitalismo, na busca de melhores condições de trabalho. Do ponto de vista do materialismo histórico, a união dos trabalhadores deveria transformar o modelo de produção de modo que a meta final da revolução proletária seria completa com o controle total dos meios de produção.

A revolução francesa em 17892 defendia os princípios de igualdade, fraternidade e liberdade e, considerando que a base da sociedade livre era a manifestação da vontade sem interlocutores, proibiu a coalizão de trabalhadores, considerada delito (Lei Le Chapelier, junho, 17913) e, deste modo, a base jurídica de proteção era a do Direito Civil e prevalecia, portanto, nas relações de trabalho a autonomia da vontade. Os princípios da revolução francesa pavimentaram o longo percurso histórico e político da época, base do liberalismo econômico, servindo de base de sustentação jurídica na revolução industrial em que os contratos eram celebrados diretamente entre trabalhador e empresário, prevalecendo sempre a lei da oferta e da procura. Demorou para que se constatasse a brutal desigualdade diante da transformação do sistema de produção entre o capitalista e o trabalhador que trazia o medo do desemprego como componente limitador de qualquer pretensão sobre as condições de trabalho além daquelas que eram oferecidas pelo empresário. O direito de associação foi conquistado na França em 1884, com a chamada Lei Waldeck-Rousseau.

Liberdade sindical e unicidade sindical

A liberdade sindical, como direito fundamental do trabalhador, é a expressão máxima da conjunção das liberdades públicas e a liberdade individual. Segundo VALTICOS, “os direitos do homem compreendem a liberdade sindical, e até em dobro; por outro, os direitos sindicais exigem o respeito dos principais direitos civis e políticos”4.

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Os direitos civis, tidos como direitos do homem, foram reconhecidos no século XVIII, nos países em que o exercício livre de direitos como cidadãos caminhava ao lado das liberdades públicas.

O direito ao exercício da liberdade sindical foi reconhecido expressamente na Constituição da Organização Internacional do Trabalho, consolidada, posteriormente, na Convenção Internacional n. 87, em 1948.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, reafirma o reconhecimento do exercício da liberdade sindical afirmando “toda pessoa tem o direito de fundar com outros sindicatos e de se filiar aos mesmos para a defesa de seus interesses”.

Também a Convenção Internacional n. 98, de 1949, da OIT, que trata da “Aplicação dos Princípios do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva”trouxe transformação na forma de operacionalizar o exercício do direito à liberdade sindical como ação coletiva autônoma e privada dos trabalhadores em relação ao empregador.

Conforme acentua Santos, “a liberdade sindical contemporânea avança, prontamente, de seu aspecto público para o ambiente privado da empresa, mormente com o advento da Convenção n. 135 da OIT, de 1971, que reconhece e garante tal liberdade ao representante dos trabalhadores na empresa, seja ele vinculado ou não ao sistema sindical5.

O Brasil adotou o modelo de regulação jurídica da liberdade sindical que ao contrário do modelo abstencionista limita o exercício do direito à liberdade sindical, enquanto direito humano fundamental, preexistente ao Direito positivo interno6.

O Brasil foi signatário da Convenção, entretanto, vinculado ao modelo de regulação, ainda não teve ratificação da norma internacional pelo direito interno e vivemos desde sempre à míngua de entidades sindicais sem identificação direta com aqueles que diz representar e que, talvez, se outro fosse o sistema sindical brasileiro, poderíamos ter avançado mais nas conquistas democráticas e mais autênticas dos movimentos trabalhistas.

A ratificação da Convenção n. 87 traria verdadeira transformação no modelo sindical adotado desde o modelo getulista porque abandonaria o sindicalismo de categoria, transformando-o em sindicalismo de caráter mais solidário em que a representação e representatividade caminhariam juntos e os trabalhadores não estariam segmentados em categorias profissionais. Advirta-se que a construção do sindicato por categoria serviu à época, quer por razões políticas quer por razões da formação do sindicalismo brasileiro na sua forma verticalizada e custeado de modo compulsório. Todavia, já há tempos o sistema de categoria não atende mais aos interesses de trabalhadores e empregadores, servindo apenas para criação de sindicatos sem apego de raiz, isto é, sem conteúdo e envolvimento de classe, limitando-se aos interesses daqueles que formaram o sindicato para projeção política e à procura de recebimento da contribuição sindical compulsória.

A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito à liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8º.) mas restringe a representação sindical a um único sindicato da mesma categoria profissional ou econômica, por base territorial, limitada ao município (art. 8º. II).

Ao trilhar a garantia da liberdade sindical o constituinte de 1988 a protegeu contra o autoritarismo: impediu a inter-venção do Estado; proibiu lei que estabelecesse condições para formação de sindicatos; e, no nível individual, deu à liberdade de associação sindical o direito de não se filiar e direito de se filiar. Mas não impediu que outros sindicatos fossem formados pelos trabalhadores, estabelecendo critério de representação por base territorial, sem dizer expressamente, mas que pressupõe a legitimidade na atuação sindical.

Deste modo pode-se afirmar que vivemos no pleno exercício da liberdade sindical controlada, pelo menos do ponto de vista formal e até a revogação da contribuição sindical compulsória.

Formação e organização de sindicatos aspectos relevantes da estrutura sindical brasileira

Quando se trata de direitos que envolvem a representação de uma coletividade na defesa de seus interesses, encontramo-nos diante do direito coletivo. A forma de organização dos grupos tem efeitos extremamente relevantes na condução das negociações e na legitimidade outorgada pelo...

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