A liquidação da decisão para interesses individuais homogêneos

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas596-602

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Como a ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos se trata de ação especial, a liquidação será processada pela sistemática da Lei n. 8.078/90, complementada pelos Procedimentos da CLT e do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, fora aprovado o Enunciado n. 8 da Jornada Nacional de Execução Trabalhista, in verbis:

AÇÕES COLETIVAS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. Na liquidação de sentença nas ações coletivas para tutela de interesses individuais homogêneos (substituição processual), aplica-se o microssistema do processo coletivo brasileiro (Constituição Federal art. 8º, 129, III, § 1º; Lei n. 7.347/1985 e Lei n. 8.078/1990).

Como os destinatários do direito fixados na sentença genérica não estão identificados, tampouco a extensão do direito de cada um deles, há necessidade de se realizar a liquidação por artigos.

A Consolidação das Leis do Trabalho admite a liquidação por artigos (art. 879, caput), mas não disciplina seu procedimento. Portanto, necessário recorrer ao Código de Processo Civil (art. 769 da CLT).

Assevera o art. 509, II, do CPC:

Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor:

(...) II - pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.

O CPC de 2015 substitui a expressão liquidação por artigos, consagrada no CPC anterior, por liquidação pelo procedimento comum. Entretanto, manteve a mesma sistemática do procedimento.

Parte significativa da doutrina sustenta a impossibilidade de o Juiz do Trabalho proferir sentença líquida em se tratando de direitos individuais homogêneos, uma vez que não há necessidade de se juntar o rol de substituídos e também por não ser

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da essência do processo coletivo a individualização de cada pretensão. Nesse sentido defende Carlos Henrique Bezerra Leite12:

Numa palavra, em ação civil pública cognitiva destinada à tutela de interesses individuais homogêneos são vedados tanto o pedido líquido quanto a sentença líquida, sendo certo que também não é permitida a identificação dos titulares do interesse (individual) deduzido na demanda coletiva de conhecimento. A razão de tal assertiva decorre de norma de ordem pública constante do art. 95 do CDC, segundo o qual, "em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados".

De outro lado, já há, na doutrina, vozes de relevo, sustentando a possibilidade de o ente legitimado formular pedido líquido e o juiz individualizar as condenações na sentença. Nesse sentido, sustenta, com empolgação, Marcelo Freire Costa Sampaio13:

(...) há posição clássica na doutrina processual laboral afirmando a impossibilidade de o provimento condenatório em sede de ação coletiva instrumentalizando direito individual homogêneo ser "obrigatoriamente genérico". Tal corrente vem sendo superada na realidade jurisdicional. Não são poucas as ações civis públicas, ventilando interesses individuais homogêneos envolvendo trabalho análogo à escravidão, espécie do gênero trabalho degradante, propostas pelo Ministério Público do Trabalho, por exemplo, em que há apresentação, com a inicial, de planilha contendo rol dos trabalhadores atingidos, valor devido a título de verbas rescisórias a cada um deles, quantificação individual de dano moral individual e até dano moral coletivo. Esses pedidos, todos líquidos, possibilitam alcançar provimento condenatório também líquido, suplantando, por consequência, modelo clássico de condenação necessariamente genérico. Aliás, esse paradigma de imediata condenação líquida aproxima-se das class actions for damages estadunidense, autêntica inspiração do modelo pátrio, "onde o juiz desde logo quantifica a indenização pelos danos causados". Vale registrar que esses entes envolvidos cada vez mais vêm amadurecendo a qualidade do trabalho relativo à proteção da coletividade laboral. Os sindicatos verdadeiramente representativos de suas categorias detêm razoável organização de assessoria jurídica e contábil capaz de oferecer em juízo demanda com pedidos líquidos e individualizados para cada substituído. O Ministério Público do Trabalho, por exemplo, em algumas regionais representativas de capitais mais populosas, como é o caso da 2ª Região, São Paulo, tem em seu quadro efetivo servidores, analistas, médicos, engenheiros e até contadores, o que possibilita a plena capacidade de ser apresentada ação coletiva já aparelhada de pedidos líquidos, específicos para cada um dos substituídos

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pertencentes àquela coletividade determinada de trabalhadores. Se o pedido é líquido, ordinariamente qual seria a razão para a sentença ser obrigatoriamente genérica? Resposta singela: nenhuma (...) Assim, a apresentação de pedidos previamente liquidados, com a consequente prolação de decisão coletiva também líquida, afasta ordinariamente a necessidade da formação de tantos incidentes liquidatórios quantos formem os substituídos interessados, e os naturais atropelos procedimentais causados pela formação desses incidentes. Isso não significa a impossibilidade de os substituídos requererem a individualização da liquidação apuratória de seu quinhão.

De nossa parte, no processo do trabalho, não há vedação para Juiz do Trabalho proferir sentença líquida em se tratando de ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos; entretanto, isso vai depender, em muito, da habilidade em se elaborar a petição inicial, com a individualização dos...

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