Liquidaçáo extrajudicial de companhia seguradora. Direito do acionista recorrer ao poder judiciário para defesa de seus direitos
Autor | Frederico Simionato |
Páginas | 184-203 |
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Recurso em mandado de seguranga 21.960-DF (2° Turma)
Rel pío acórdao: o Sr. Ministro Mauricio Correa
Recte.: Raúl de Souza Silveira
Recda.: Uniáo Federal
Recurso ordinario em mandado de seguranga - Portaría 529/92 do Ministro da Fazenda: liquidagao extrajudicial de companhia de seguros (Decreto-lei 73/66) e indisponibilidade dos bens do diretor presidente (art 2a da Lei 5.627/70). Ato que atinge interesses da companhia e do acionista: legitimidade ativa do aciónista para impetrar seguranga (art. 109 da Lei das Sociedades Anónimas - Lei 6.404/76 - e art. 5% XXXV da Constituigao).
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O acionista que se opóe á ordem de liquidagao extrajudicial de sociedade seguradora em defesa de seus interesses pessoais nao pleiteia em nome próprio di-reito alheio mas direito próprio nao ocor-rendo a hipótese de substituigaOsprocessuál nao prevista em lei. Inaplicabilidade do art. 69 do CPC.
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No caso o impetrante-recotrente nao postula direitos na condigno de acionista como previsto no art. 109 da Leídas Sociedades Anónimas mas direitos patri-moniais próprios, o que Ihe confere mani-festa legitimidade ativa para a causa. Se existisse norma que vedasse seu acesso ao Judiciário seria de indiscutível inconstitu-cionalidade.
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Recurso conhecido e próvido para, afastada a ilegitimidade "ad causam " do recorrente, determinar que o Tribunal "a quo " prossiga no julgamento do mandado de seguranga como entender de direito.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros componentes da 2- Turma do STF, na conformidade dá ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, dar provimento ao recurso para, afastada a ilegitimidade ativa ad causam do impetrante e recorrente, de-
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terminar prossiga o Tribunal a quo no jul-gamento do mandado de seguranga como entender de direito.
Brasilia, 12 de setembro de 1995.
Néri da Silveira, Presidente. Mauricio Correa, Relator p/ o acórdáo.
O Sr. Min. Francisco Rezek: O ora recorrente impetrou, na qualidade de acio-nista minoritario da Nova York Companhia de Seguros, mandado de seguranza no Superior Tribunal de Justina (STJ) contra ato do Ministro de Estado da Economia, Fa-zenda e Planejamento: a Portaria 529/92, de 14.7.92, que decretou a liquidagáo ex-trajudicial daquela sociedade seguradora, além da Resolugáo 014/92 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), que) cassou a autorizagáo a ela concedida ?a operar em seguros privados.
O STJ, em julgamento da Ia Segáo, nao conheceu do writ por estimar que fal-tava aó impetrante legitimidade ativa ad causam, O acórdáo foi assim resumido pelo Relator, Ministro José de Jesús Filho:
Liquidagáo extrajudicial - Sociedade de seguro - Ilegitimidade ativa ad causam de acionista nos termos do art. 109 da Lei 6.404/76 para suspender os efeitos da Portaria do Ministro da Fazenda que decretou a liquidagao extrajudicial de Sociedade de Seguro. Mandado de seguranza nao conhe-cido (fl. 331).
A tal decisáo foi oposto o presente recurso ordinario.
Diz o recorrente que "a cassagáo da carta-patente e a determinagáo da liquida-gao provocam, ao mesmo tempo, a extin-gáo da sociedade e a extingáo dos direitos dos acionistas como tais. Dessa forma, ao pleitear contra ato causador de tais efeitos, com a finalidade de cassá-lo, nao estará o socio postulando, senao refíexamente, direito da sociedade: estará, isso sim, invocando seu próprio direito, de continuar socio de urna sociedade, erradamente atingida em sua sobrevivencia, eis que nao divi-sa, no ato coator, fundamento jurídico plau-sível para dar termo á affectio societatis" (fl. 337).
Argumenta que nao está a pleitear, em nome próprio, direito alheio, tal como con-signou a decisáo recorrida. Sob sua ótica, o § 2Q do art. I2 da Lei 1.533/51 c/c art. 6° in fine do Código de Processo o titulariam a postular em juízo.
Pondera, ainda, que o acórdáo recorrido, ao mencionar o art. 109 da Lei das S/A para afastar eventual direito do acionista a presente agáo judicial, abstraiu o fato de que o rol de direitos daquela norma nao é limitativo.
Destaca, por fim, que o primeiro direito reconhecido aos acionistas é o de participar dos lucros sociais (art. 109,1) e que, para tanto, todos os meios, processos ou agóes sao admitidos a vista do que dispoe o § 2° do art. 109.
O Ministerio Público Federal opina pelo nao provimento do recurso.
E o relatório.
O Sr. Min. Francisco Rezek (Relator): Leio, em síntese, o que diz a Subpro-curadora-Geral Anadyr de Mendonga Rodrigues, em nome do Parquet Federal:
O art. 109 da Lei 6.404, de 15.12.76, garante aos acionistas - enquanto existente a sociedade, obviamente - o exercício dos direitos de:
8.1 "I -participar dos lucros sociais:
8.2 "II -participar do acervo da companhia, em caso de liquidagáo;
8.3 "III -fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestáo dos negocios sociais;
8.4 "IV - preferencia para subscricáo de aqóes partes beneficiarías conversíveis em agóes, debéntures conversíveis em acóes e bónus de subscrigao, observado o disposto nos arts. 171 e 172;
8.5 "V - retirarse da sociedade nos casos previstos nesta Lei".
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Veja-se que nenhum dos direitos as-sim assegurados aos acionistas poderá ser exercitado, se inexistir a sociedade por-quanto, entao, nao haverá:
9.1 Lucros sociais a ratear;
9.2 Companhia, a liquidar;
9.3 Negocios, cuja gestáo possa ser fiscalizada;
9.4 Agóes, partes beneficiarías ou de-béntures para cuja subscricáo possa haver preferencia',
9.5 Sociedade da qual se possa retirar o acionista.
Note-se, sob outro ángulo, que sequer quando cogitou da liquidagáo da sociedade - procedimento gerador de sua extingáo -, cuidou a Lei 6.404, de 1976, de outorgar legitimidade ao acionista para se Ihe opor, pois, em tal caso, só Ihe assegurou participar "do acervo da companhia".
É o quanto basta, quer parecer, para ficar evidenciado que a Lei 6.404, de 1976, nao atribuiu ao acionista o direito de continuar socio, especialmente se o exercício desse direito pressupóe a faculdade de impedir seja a.sociedade liquidada, pelos meios legáis.
Ora, é desse "direito de continuar socio" - que nao Ihe assiste - que o recorren-te, como acionista, extrai o interesse de agir, para se legitimar á impetragao do mandado de seguranza.
Como o (
Entendo, com o Ministerio Público Federal, que nao há, no rol dos direitos conferidos ao acionista, em decorréncia de sua condigáo de socio - ou qualidade de acionista, como diz a Lei das S/A (art. 126) - o "direito de continuar socio". Parece-me, assim, correta a decisáo do STJ. Co-lho do voto do Relator , Ministro José de Jesús Filho, o seguinte:
E principio corrente de direito que os socios ou acionistas nao se confundem com a sociedade de que fazem parte. Sendo assim o direito conferido ao acionista pela diploma legal invocado é para proteger aqueles direitos nominados no art. 109. Pela lei-tura atenta das alentadas razóes da petigáo exordial, bem assim do nao menos alentado memorial, nao encontrei qual quer lesáo concreta ao patrimonio do autor a justificar o cabimento do remedio heroico. Ademáis nao demonstrou ele qual o prejuízo que Ihe advinha do ato atacado, juntando inclusive prova documental. Diante dessas conside-ragóes do direito postulado resulta claro o que dispóe o digesto processual.
"Para propor ou contestar agáo é ne-cessário ter interesse e legitimidade."
A par disso complementa o art. 6-: "Ninguém poderá pleitear em nome pro-prio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".
Por conseguinte, o que se verifica em todo o petitorio é que o impetrante pleiteia em nome próprio direito alheio pois, nao demonstrou de forma inequívoca o seu interesse no caso, o que resulta em manifesta ilegitimidade ativa ad causam (fl. 311).
Tais as circunstancias, resta-me seguir o alvitre do Ministerio Público Federal e negar provimento ao recurso.
É como voto.
O Sr. Min. Francisco Rezek (Relator): Quero ponderar que a referencia ex-pressa a urna falta de legítimo interesse pa-receu-me menos feliz do que a restante li-nha de argumentado do acórdao recorrido. Urna da inúmeras manifestagóes do denodo e do talento com que a defesa do impetrante se houve, neste caso, foi a tese, agora de novo suscitada da tribuna, de que esse interesse no destino da sociedade é patente. O prejuízo que para o acionista pode resultar de um fenómeno como o que os autos espelham é também algo irrecusá-vel. A questáo, todavia, é outra. E quero, neste ponto, valorizar o núcleo do acórdao
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recorrido: a tese de que aqueles direitos concedidos pela lei ao acionista individualmente considerado - ao acionista minoritario, sobretudo - sao direitos exercitáveis contra a sociedade. E aquilo em nome de qué ele tem agao contra a sociedade se por ela, de algum modo, em virtude de urna de-cisáo rnajoritária qualquer, se senté lesado.
O que se pretende aqui é exercer contra o governo, contra a autoridade pública e seu ato dejiítervengáo, essa agáo em nome de um direito nao da sociedade, mas do acionista minoritario, daquele que de-tém agoes da companhia cuja liquidagáo extrajudicial foi decretada.
O que pensa a companhia, nao se sabe. Qual a reagao coletiva, nao se sabe. Qual a reagáo majoritária, nao se tem como ava-liar. Nao estáo excluidas do horizonte do possível, em situagoes assim, aquelas hipo-teses em que, por algum singular motivo, a companhia posta em liquidagáo judicial nao estima que deva reagir contra a deci-sao governamental. Pergunto-me, nesse caso, como se poderia justificar para o socio minoritario a prerrogativa do protesto em juízo, com mandado de seguranza, contra aquilo a que a própria sociedade liqui-danda nao alvitrou reagáo.
Pensó, de outro lado, que alguns elementos da teoría geral do direito nos im-póem essa distingáo que o acórdáo recorrido patrocinou, entre a pessoa jurídica de direito privado, a sociedade por agóes, e a...
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