Litígio e negociação do patrimônio no direito: a judicialização do caso do edifício do antigo cine palácio de Joinville / Litigation and negotiation of heritage in the law: the judicialization of the case of the building of the former cine palácio of ...

AutorChristiane Heloisa Kalb, Maria Bernardete Ramos Flores
CargoPós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa/University of Maryland e pela Universidad de San Martín. Professora titular do Departamento de História da UFSC ? Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: mberna@gmail.com - Professora Doutora - Departamento de Direito - CESUSC - Complexo de Ensino Superior de Santa Catarinal. Doutora em Ci...
Páginas1690-1716
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.28823
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 1690-1716 1690
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O intento deste estudo é analisar como o Direito age no campo do patrimônio, através de um
caso emblemático, que é o caso da judicialização do antigo Cine Palácio de Joinville. O fato que
ensejou o processo foi a não conservação do objeto de estudo deste caso, portanto,
demonstraremos suas transformações e o que decorreu judicialmente entre as partes
envolvidas. Passados alguns anos da patrimonialização de um espaço que inicialmente era um
cine-teatro, o locatário alterou estética e arquitetonicamente o edifício sem requerer
autorização ao órgão de preservação local. Assim, não houve outra saída à municipalidade a não
ser ajuizar processo cível para averiguar os possíveis danos àquele bem tombado. Durante a
análise tanto do processo administrativo quanto do judicial, houve o surgimento de algumas
questões. Essas problemáticas dizem respeito ao uso, ou melhor, aos diversos usos que se
fizeram do espaço do Cine Palácio e a uma suposta autenticidade desses usos em face dos
discursos de grupos de poder engendrados nos processos. Desta forma, por meio de um recorte
a tese de doutoramento em Ciências Humanas, em que se pesquisou as políticas públicas de
preservação do patrimônio cultural da cidade de Joinville, elencamos neste estudo questionar
como a contemporaneidade vem respondendo a essas problemáticas envolvendo o instituto do
tombamento, o Direito e o campo do patrimônio.
-patrimônio cultural, judicialização, Joinville, cinema de rua, tombamento.
The purpose of this study is to analyze how law acts in the f ield of cultural heritage, through an
emblematic case, which is the case of the judicialization of the former Cine Palacio of Joinville.
The fact that triggered the process was the non-conservation of the object of study of this case,
therefore, we will demonstrate its transformations and what happened judicially between the
parties involved. After some years of patrimonialisation of a space that initially was a cine-
theater, the renter aesthetically and architecturally altered the building without requiring
authorization to the local organ of preservation. Thus, there was no other way out to the
municipality other than to file a civil cas e to ascertain the possible damages to that asset. During
the analysis of both the administrative and the judicial process, there were some issues. These
problems are related to the use, or rather to the various uses made of the space of the Cine
Palacio and to a supposed authenticity of these uses in the face of the discourses of power
groups engendered in the processes. Thus, by means of a clipping the doctoral thesis in Human
1 Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa/University of Maryland e pela Universidad de San Martín.
Professora titular do Departamento de História da UFSC Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
mberna@gmail.com
2 Professora Doutora - Departamento de Direito - CESUSC - Complexo de Ensino Superior de Santa
Catarinal. Doutora em Ciências Humanas, PPGICH, UFSC, Florianópolis-SC. E-mail:
christianekalb@hotmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.28823
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 1690-1716 1691
Sciences, in which the public policies for the preservation of the cultural heritage of the city of
Joinville were researched, we focus on this study to question how contemporaneity has been
responding to these problems involving the institute of patrimonialisation, the Law and the f ield
of the cultural heritage.
: cultural heritage, judicialization, Joinville, street cinema, patrimonialisation.
Quando se pensa em cultura e, por conseguinte, em como preservar bens culturais, não
se está adstrito à ideia de sobrevivência das criações humanas. E o século XX foi um período
marcado por intensas mudanças em virtude do rápido progresso tecnológico, o que por um lado
incrementou as invenções humanas e, por outro, deixou ruir tecnologias defasadas. Nesse
contexto, a preservação dos patrimônios, criados ou não pelo homem, pode estar permeada
pelo espírito de romantismo e nostalgia, se considerar as correntes urbanistas dos culturalistas,
motivadas pelo interesse das pessoas em encontrarem um passado marcado por estabilidade e
prosperidade. No caso brasileiro, o interesse pelo passado num determinado momento foi uma
forma de marcar o nacionalismo a partir da retomada do período do barroco mineiro por meio
dos ideais modernistas. Outros entendem a preservação dos bens culturais como uma ideia
elitista, se pautada no que os urbanistas progressistas vão trazer de soluções para as cidades
industriais, nas quais a manutenção de certas tradições constitui uma justificativa para a
conservação do status quo de determinados setores sociais.
O patrimônio cultural de uma sociedade, mais que estabelecer limites, coleções e
escolhas a partir de discursos, tem sua importância arraigada no sentido de questionar de onde
viemos e para onde vamos. O patrimônio é tingido de valores numa dada época, num certo
momento histórico e, portanto, é uma construção social, diacrítica, normalmente pensada por
uma elite que muitas vezes acaba por excluir certos grupos, geralmente minoritários. Todavia,
essas elites, representadas por instituições de preservação, deveriam servir aos cidadãos ao
invés de servir a grupos de interesses políticos e econômicos. A Carta Magna do Estado
Brasileiro, que em seu artigo 216 dispõe sobre o patrimônio cultural brasileiro, o definiu de
modo a incluir os bens culturais de natureza material e imaterial, portanto, o que o constitui
seriam “os bens de natureza material e imaterial que tomados individualmente ou em conjunto
são portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988).

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