Management Público: Política de Reforma e Garantia dos Direitos Fundamentais no Brasil e na Itália

AutorFrancisco Carlos Duarte
CargoProfessor titular da PUC-PR. Pós-doutor no Centro di Studi Sul Riscinio da Università di Lecce, Itália
Páginas373-391

Management Público: Política de Reforma e Garantia dos Direitos Fundamentais no Brasil e na Itália1

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1. Introdução

A presente pesquisa tem por objetivo verificar as possibilidades e impossibilidades de aplicação das políticas de reforma na Alta Administração Pública no Brasil.2 As reformas a gestão pública costumam gerar impasse na medida que entram em choque os aspectos jurídicos e os aspectos administrativos.3 Os aspectos jurídicos se referem ao fato de que a reforma deve garantir a igualdade de direitos, pois conforme a teoria do garantismo, a reforma não deve ferir os direitos fundamentais.4 Por outro lado, a prática administrativa, ao operacionalizar a reforma, prioriza a eficiência, a produtividade e a competitividade, o que nem sempre respeita os aspectos legais e os direitos fundamentais.

Como equacionar a teoria e a prática? Incide ainda diretamente nessa questão os mercados econômicos internacionais, que atuamPage 374 de forma determinante na implementação das políticas de reforma. Neste trabalho, pretende-se demonstrar que a Gestão Jurídica intra-institucional pode operar como mecanismo de garantia de direitos fundamentais no contexto da reformulação do sistema da Alta Administração Pública Gerencial.

Para tanto, a análise da natureza política, jurídica e econômica da reforma da administração pública e sua interface com as novas formas organizacionais dos sistemas gerenciais privados é focalizada a partir do conceito de management da Administração.

Vale ressaltar que esta escolha não foi feita por acaso, é a conseqüência de nosso trânsito pelos labirintos desafiantes da Teoria da Sociedade, de matriz sistêmica, elaborada por Niklas Luhmann e Raffaele De Giorgi5, com especial ênfase nos trabalhos desenvolvidos por esses autores no que tange à teoria das organizações.

Outro autor que desenvolve pesquisa quanto as teorias organizacionais é Giancarlo Corsi6 sendo que para este a reforma assume a característica de uma síndrome, próprio porque não é um caso isolado. Trata-se de uma reforma específica, onde encontramos particularidades nas suas estruturas e diferenciações internas. Não podendo atribuir para esta troca eventos, situações ou territórios particulares.

Ressaltando que a qualidade de função de transformação não pode ser avaliada dentro do sistema formativo local, ou melhor, não é possível avaliar ontologicamente (considerado em si mesmo, independente do modo pelo qual se manifesta) o sistema funcional.

A Administração Pública tem uma relação direta com os indivíduos da sociedade por décadas e vem causando imensurável insatisfação pelo fato de ser inadequada as funções que desenvolve e aos objetivos que se propõem, mas a síndrome reformista ultrapassa a simples necessidade de adequar-se as novas condições sociais ou a fenômenos imprevisíveis e novos.

Corsi acredita que exista uma correlação direta entre o sistema e o resto da sociedade, embora o sistema seja fechado, e que esta correlação seja a causa da reforma, sendo possível dizer que o problema é o próprio sistema . Isto se dá pelo fato de serem os sistemas cognitivamente abertos em razão das representações e da seleção que elaboram a respeito do ambiente (concordância com o processo evolutivo social).

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2. Referencial teórico

Para observação e compreensão do Sistema Político, utiliza-se o arcabouço da "Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos" elaborada por Niklas Luhmann7 e também a Teoria do Garantismo. A Teoria dos Sistemas Sociais parte do pressuposto de que os sistemas sociais operam e se reproduzem mediante mecanismos autopoiéticos8, que se acoplam estruturalmente porém, não se comunicam. Nesse sentido, se a administração pública abarca um sistema jurídico, um sistema político e um sistema econômico, na situação de reforma é preciso tomar decisões aplicáveis a cada sistema independentemente. Ou seja, mudanças no sistema político não podem levar a mudanças no sistema econômico, nem vice-versa.

A Teoria Geral do Garantismo, conforme Duarte (2001, p.33) está centrada no equilíbrio entre a pessoa humana e o poder, tanto público como privado. Ainda segundo Duarte (op. cit.)

[...] toda a construção institucional do aparato de dominação constituído em torno do Estado deve girar em função, unicamente, da pessoa humana e como tal, deve respeitar os limites impostos pelo abrangente conceito de liberdade que ela possui.

A análise das formas organizacionais da administração pública não é exclusiva destas abordagens senão que a partir delas se tenta elaborar um acoplamento epistemológico com outras teorias da administração gerencial contemporânea.

3. O Plano Diretor da Reforma

A reforma da administração pública federal no Brasil foi determinada pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, por meio da Câmara da Reforma do Estado, com a formalização de um Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que definiria os objetivos para a e estabeleceria suas diretrizes, pois:

[...] é preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de gerencial, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituiçõesPage 376 e que, portanto, se torna cliente privilegiado dos serviços prestados pelo Estado.9

Para a operacionalização das propostas veiculadas neste Plano Diretor, foi editada, entre outras, a Emenda Constitucional no 19/98, que modifica o regime e dispõe sobre princípios da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividade a cargo do distrito Federal. Em conseqüência da sua aprovação, foram editadas leis complementares e ordinárias, entre elas, a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade na gestão fiscal, que foi inspirada em regras adotadas pela União Européia (Tratado de Maastricht), pelos Estados Unidos (Budget Enforcement Act) e pela Nova Zelândia (Fiscal Responsability Act). Essa lei se constitui em um mecanismo institucional para garantir a estabilidade fiscal, ou seja, o equilíbrio dos gastos públicos10, regulamentando principalmente o Artigo 169 da Constituição Federal, que delega à Lei Complementar a função de limitar a despesa com o funcionalismo público.11

4. As possibilidades e limites da política de reforma

O Estado Intervencionista ou de Bem-Estar representa um pacto social entre o trabalho e o capital no qual os cidadãos teoricamente poderiam aspirar a níveis mínimos de bem-estar: educação, saúde, seguridade social, salário e moradia, como direitos fundamentais que deveriam ser garantidos. Porém, a crise econômica do início da década de 70 pôs em questão esse modelo de Estado. É nesse contexto que ganham força as idéias neoliberais, estruturadas de modo a romper o poder dos sindicatos, controlar rigidamente os gastos sociais e as intervenções econômicas.12

O modelo neoliberal apregoa um mercado livre, baseado na produtividade e eficiência, e por isso a liquidação das empresas estatais e o setor privado são vistos como modelos a serem seguidos. Já as políticas do Estado são combatidas como ineficientes, improdutivas, antieconômicas e limitadoras da liberdade individual, além de restringirem a lucratividade.

De acordo com esses princípios, a formulação da política pública é direcionada para a privatização e para a diminuição dos gastosPage 377 públicos. Para atingir esses objetivos, devem ser seguidas as decisões tomadas pelo chamado "Consenso de Washington", primeiramente implementadas na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, e que direcionam as ações da reforma a fim de promover a modernização e o aumento da eficiência da administração pública. As atividades estatais foram redirecionadas a partir da sua descentralização, transferindo paulatinamente as responsabilidades do Estado para o mercado e para a comunidade. Esta passagem coloca o Estado na condição de regulador, com base nos critérios de mercado de eficiência, competição e qualidade.13

Os Estados Latino-Americanos seguiram essas transformações, ressaltando-se que diferentemente dos países do primeiro mundo, o Estado de Bem-Estar não havia conseguido implementar um sistema de seguridade social nesta região.14 Assim, na década de 80, a maioria dos governos latino-americanos, inclusive o Brasil, passou por reformas administrativas e econômicas que primaram pela adoção da lógica de mercado nos organismos estatais. (MENEGHEL e LAMAR, 2002)

5. Management público no Brasil

O modelo desenhado pela Emenda Constitucional 19/98 para a nova administração pública gerencial se apresenta como uma tentativa de quebra dos paradigmas estabelecidos pelo Estado Moderno, que de longa data, determinam as instituições públicas.15 Pensar em uma administração pública gerencial implica construir novos referenciais que orientem o espaço público institucionalizado para adequação da complexidade contemporânea.16 Esse novo modelo gerencial se inspira na administração empresarial e se volta para:17

a.) a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade;

b.) a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição a fim de que possa atingir os objetivos contratados;

c.) para o controle ou cobrança...

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