Acesso à justiça: Mapeando as práticas dos núcleos de prática jurídica dos cursos de direito da região metropolitana do Rio de Janeiro

AutorAna Letícia Oliveira dos Santos; Anna P. C. Silva; Fernanda Rocha Souto
Páginas91-111

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1. Resumo do plano inicial

O acesso à Justiça123 constitui-se em tema dos mais importantes para o Direito e as Ciências Sociais na busca por uma justiça material, que seja instrumento de transformação da sociedade, tornando-a mais igualitária e concretizando o ideal de democracia e cidadania. Faz-se mister ressaltar, entretanto, que, por vezes, confunde-se acesso à Justiça com acesso ao Judiciário. Na verdade, o primeiro conceito é mais amplo, pois envolve a concepção de justo e de legítimo. Por outro lado, o acesso ao Judiciário é uma das facetas do acesso à Justiça, que constitui forma de democratizar o poder, um instrumento da sociedade ante o Estado.

A assistência judiciária propagada pela Lei nº 1.060, de 1950, e reforçada pela Constituição Republicana de 1988 (art. 5º, inc. XXXV), garante o serviço público organizado e consistente na defesa dos interesses do indivíduo perante o Judiciário, traz a idéia de auxílio, ajuda, prestação positiva; é atividade de patrocínio da causa, em juízo, por profissional habilitado (advogado), de forma integral e gratuita, com base no critério daPage 92 hipossuficiência ou da “declaração de pobreza”, conceitos que carecem de uniformidade e precisão quando de sua aplicação prática, vindo a ser confundido, inclusive, com o critério salarial.

Dentro das três ondas de acesso à Justiça têm-se a expansão da assistência judiciária aos setores pobres da população, seguida da incorporação dos interesses difusos e coletivos, e a expansão e consolidação do reconhecimento e presença de atores até então excluídos do Judiciário. Esta última engloba as anteriores e se expressa na realidade brasileira através da prevenção, da justiça informal, do desvio de casos da competência do sistema formal legal e da simplificação da lei, a exempli gratia, os Juizados Especiais introduzidos pela Lei nº 9099/95 e as técnicas de resolução de conflitos como a mediação e a conciliação.

Entrementes, e embora já se esteja vivenciando as segunda e terceira ondas, a assistência judiciária integral e gratuita não se efetiva na prática. A concretização dos princípios essenciais da atividade jurisdicional, quais sejam justiça, celeridade, contraditório e ampla defesa, uma vez superada a barreira econômica, relativa às dispendiosas custas processuais e honorários advocatícios, esbarra em questões de ordem psicológica (ausência de conhecimento e consciência das populações carentes) e espacial (distância dos tribunais e dos escritórios de advocacia).

Os Núcleos de Prática Jurídica (NPJs) das faculdades de Direito compõem o quadro do tema do acesso à Justiça na medida em que tentam amenizar os obstáculos acima descritos, estreitando a relação entre a instituição acadêmica e a comunidade, universalizando a função da prática jurídica, ensinando o que Júlio César B. Ferro chama de “fazer pedagógico”, onde os alunos aprendem a ler as demandas da sociedade e a comunidade possa compreender, interagir e apropriar-se de instrumentais que o universo do Direito pode oferecer à construção da cidadania, que é o direito à completa realização do indivíduo dentro do seu espaço social.

Dada a sua importância social e na formação humanística do acadêmico de Direito, e com fulcro no desenvolvimento da solidariedade ativa, transformadora da prática em protagonismo social, a Portaria nº 1886, de 1994, do Ministério da Educação (MEC), tornou obrigatória a instituição e funcionamento dos NPJs, de modo a ativar uma consciência mais crítica e reflexiva sobre as injustiças sociais, associada ao estudo de disciplinas propedêuticas como Filosofia, Sociologia, Economia e Ciência Política (art. 6º, I, da PortariaPage 93 1886/94 – MEC), e suscitar o sentimento de responsabilidade social, combatendo a erudição estéril e o tecnicismo dos operadores do direito. Vale observar que essas obrigatoriedades foram renovadas na edição das diretrizes curriculares, expressas na Resolução CNE/CES nº 9/2004 e que ainda não se encontra em plena vigência por conta da recente Resolução CNE/CES nº 2/2007, que remeteu sua integral aplicação para fins de 2009.

Implementados obrigatoriamente nas faculdades de Direito desde 1996, segundo determinação da supracitada portaria do MEC, os NPJs visam à realização de atividades práticas simuladas e reais a serem desenvolvidas pelo alunos a partir do quarto ano do curso ou período correspondente (sétimo, no plano semestral), em um total mínimo de 300 horas, sob controle e orientação do núcleo, ex vi dos arts. 8º e 10. Ainda é possível a complementação da carga horária mediante convênios com a Defensoria Pública, em escritórios de advocacia ou em setores jurídicos, públicos ou privados, credenciados e acompanhados pelo Núcleo e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e substituído, na integralidade, pelo estágio oficialmente realizado na Defensoria Pública (art. 13).

Os fins almejados com a implantação dos NPJs ultrapassam a simples efetivação da assistência judiciária, quando do oferecimento de serviços normalmente prestados por advogados e defensores públicos. Procuram, sim, vencer barreiras quanto ao atendimento, feito de forma individual, e inserir a concepção de coletividade e de pleno exercício dos direitos humanos. Está localizado, portanto, na primeira onda de acesso à Justiça.

Traduz-se o papel dos NPJs no oferecimento à população de uma assessoria jurídica, mais ampla e mediadora entre a comunidade e o Estado. Ela trabalha em conjunto com a comunidade no processo de integração dos segmentos marginalizados no processo social através da atuação em diversos campos em que se compreende o conceito de cidadania. Há, na assessoria jurídica, a tentativa de uma mudança de consciência, através de uma educação mais humanística e interdisciplinar, voltada para a cidadania e os direitos humanos e não meramente técnica. Este é o mapa geral de intenções e objetivos presente nos instrumentos normativos e nas grandes orientações de diretrizes presentes em alguns fóruns de discussão sobre o ensino jurídico vinculados ao MEC e OAB.

A nossa pesquisa, que tem por objeto o acesso à Justiça proporcionado pelosPage 94 NPJs da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, visa trabalhar a forma como esses objetivos vem sendo realizados, sua integração com a comunidade local, quais as comunidades assistidas, abrangência dessa assistência, quais são os serviços jurídicos prestados, número de atendimentos, mapeamento dos serviços conveniados, quais os critérios aplicados para o atendimento etc. a partir da visão dos Coordenadores dos NPJs.

Desta forma, tem-se o intuito de analisar uma visão específica sobre as diferentes formas de integração entre teoria e prática, o impacto dos NPJs na ampliação do acesso à Justiça e sua articulação com os serviços judiciais conveniados, oferecendo uma pista de inteligibilidade da dinâmica da expansão pela qual passa o ensino superior jurídico no Brasil, que de 201 em 1993, segundo o Censo da Educação Superior, passou a 704 em 2003, e, de acordo com o Cadastro da Educação Superior, atualmente ultrapassa 1.000 cursos. Objetivamos compreender, assim, como esta expansão se articula com o acesso à Justiça, traçando o processo de transformação por que passa o curso de Direito e como se espelha tal transformação na integração entre teoria–prática vinculada ao significado do estágio supervisionado presente na visão dos Coordenadores dos NPJs.

A presente pesquisa constitui-se em um produto específico de um projeto mais amplo sobre a temática do “Acesso à Justiça”. Ambos, a pesquisa e o projeto, encontram-se inseridos em uma das linhas de pesquisa desenvolvidas no âmbito das atividades do Núcleo de Pesquisas sobre Práticas e Instituições Jurídicas (NUPIJ), sucessor do grupo “Direito, Tecnologia e Sociedade”, oficialmente inscrito no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.Visamos aqui dar continuidade a um trabalho iniciado em Agosto de 2005 pela também graduanda da Universidade Federal Fluminense, Anna Carolina Pinheiro da Costa Silva, bolsista CNPq. Assim, buscamos coletar um maior número de dados e o aprofundamento do tema a fim de que pudéssemos corroborar as hipóteses inicialmente levantadas, levando a termo os objetivos propostos a priori.

II Objetivos

O projeto possui, essencialmente, três objetivos, que consistem em explicitar:

• As diferentes formas de integração entre teoria e prática proporcionadas pelas experiências do Núcleo de Prática Jurídica;

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• O impacto da implantação desses Núcleos de Prática Jurídica na ampliação do acesso à justiça; e

• A articulação desses diferentes Núcleos de Prática Jurídica com os serviços judiciais conveniados.

III Benefícios esperados

Espera-se, com o presente projeto, obter os seguintes benefícios:

• Entender a dinâmica da expansão dos cursos jurídicos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e como ela se articula com o tema do acesso à justiça;

• Compreender o processo de transformação por que passa o curso jurídico e como isso se espelha na integração entre teoria e prática;

• Emprestar um significado à novidade normativa em que se constitui a exigência de um estágio supervisionado no âmbito do curso jurídico.

IV Fase da pesquisa

Quanto às etapas necessárias ao desenvolvimento da pesquisa, temos os seguintes pontos que nos servem de base:

  1. Contextualização do tema.

    1.1 Leitura e discussão de textos relacionados ao “Acesso à Justiça”.

    1.2 Leitura e discussão da experiência da prática acadêmica realizada dentro dos Núcleos de Prática Jurídica e Escritório de Direitos Humanos e Cidadania dentro da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

  2. Levantamento de dados Gerais.

    2.1 Número de faculdades de Direitos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

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