Marxismo e a luta negra: o debate "classe vs. ra

AutorNimtz, August H., Jr.

Nota preliminar

O presente trabalho consiste na tradução do artigo "Marxism and the Black Struggle: The 'classe vs. race' debate revisited" do professor Dr. August H. Nimtz Jr, publicado originalmente no Journal of African Marxists no ano de 1984. Trata-se de uma resenha crítica ao livro "Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition" (1983), de Cedric J. Robinson.

O material foi escrito na era pré-digital, há mais de trinta anos atrás (não obstante as reflexões aqui presentes permaneçam extremamente atuais e atuantes). O texto foi digitalizado pela University of Minnesota (instituição norte-americana de ensino a qual agradecemos), o que, porém nos exigiu realizarmos a transcrição completa do material, além de empreendermos algumas revisões, com a inserção de tópicos de leitura para uma melhor estrutura e organização do artigo. Ao longo deste trabalho confeccionamos um conjunto de notas da tradução, destinadas à sua melhor compreensão e ao aprofundamento das pesquisas pelo público leitor.

O autor desta profícua reflexão, o norte-americano August Nimtz é formado em Relações Internacionais, com mestrado em Estudos Africanos pela Howard University e doutorado na Indiana University. O professor Nimtz leciona Ciência Política, Estudos Africanos e Afro-Americanos na University of Minnesota, em Minneapolis (EUA). Suas investigações empreendidas ao longo de mais de quarenta anos de pesquisas e de intensa militância política no âmbito internacional, compreendem as áreas da teoria marxista, economia política, estudos de raça, classe, relações étnicas, política africana e afro-americana. Autor de variadas obras teóricas e de artigos científicos, Nimtz é um dos mais destacados intelectuais marxistas contemporâneos no campo da questão racial.

Neste artigo, a obra de Robinson (1983) é criticada em seus fundamentos epistemológicos e políticos, bem como em virtude dos "espantalhos da sua própria criação". Nimtz demonstra os limites da perspectiva culturalista e nacionalista negra, questionado o conceito de "tradição radical negra", designando-o como uma construção estéril e meramente acadêmica--não relacionada ao mundo concreto da política e da luta emancipatória em África e na Diáspora Africana. A formulação de Robinson referindo-se a intelectuais-militantes como W. E. B. Du Bois, Richard Wright e C. L. R. James, enquanto supostos integrantes desta tradição apartada, demonstra-se, segundo Nimtz, como uma articulação falha e insuficiente, visto que todos estes pensadores negros tiveram como traço comum a filiação às idéias marxistas, socialistas e comunistas.

O exemplo de Fanon é também instrutivo. Muito embora praticamente negligenciado na obra de Robinson e apesar das disputas existentes em torno do seu legado arbitrariamente categorizado como "decolonial" e/ou "pós-colonial" (em grande medida, como parte das "imposturas intelectuais" pós-modernas), não se pode olvidar que a perspectiva teórico-metodológica e político-estratégica fanoniana lastreia-se no marxismo e compreende nitidamente que "triunfando, a revolução nacional será socialista; detido seu ímpeto, a burguesia colonizada toma o poder, e o novo Estado, a despeito de uma soberania formal, continua nas mãos dos imperialistas". (1)

Em sua crítica a Robinson, August Nimtz sustenta o materialismo histórico dialético enquanto projeto de crítica da economia política atrelado à noção de práxis revolucionária do proletariado. A preocupação deste autor reside em aplicar o método marxista à questão racial, destacando as contribuições da filosofia da práxis para as lutas antirracistas e anticapitalistas, questionando a hegemonia liberal e nacionalista em torno da temática.

A publicação deste artigo - até então inédito no Brasil - cumpre uma função indispensável. A iniciativa inscreve-se de acordo com a máxima presente em Lênin segundo a qual, "sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário". Em outras palavras, significa afirmar, com base na reflexão crítica do professor Nimtz, um "marxista-leninista raiz" (um comunista negro, como ele próprio se autointitula), que, enquanto explorados e oprimidos pela ordem do capital, devemos nos ocupar com o problema da dialética entre a prática e a teoria da revolução. Ademais, no plano político, em tempos "onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas da ação prática aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo" (2) torna-se fundamental o aprofundamento da "batalha das idéias" e da luta pelo poder à luz da perspectiva da luta de classes.

O movimento social negro e as organizações da classe trabalhadora brasileira precisam superar as suas próprias contradições e limitações. O rebaixamento do horizonte estratégico, o déficit organizativo, o abandono da formação crítico-radical e a subordinação política aos interesses reformistas-eleitorais são aspectos constringentes que exigem cada vez mais posturas disruptivas. Cumpre forjar a "primavera nos dentes" e alimentar a "consciência para ter coragem".

Neste sentido, a crítica de August Nimtz é uma elaboração absolutamente indispensável como contribuição para a reflexão e para a ação revolucionária em nosso tempo presente e futuro.

Prólogo

Quando os editores do efêmero (1981 a 1987?), mas influente Journal of African Marxists [Jornal dos Marxistas Africanos] solicitaram-me, em 1984, para escrever uma resenha crítica da obra Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition--à épocarecém-publicada por Cedric J. Robinson, eu concordei imediatamente em fazê-lo. Como o nome do jornal sugere - a publicação com sede em Londres, em inglês, francês e português, mas de alcance em todo o continente africano, procurou defender a relevância de uma perspectiva marxista para explicar as realidades africanas e contestar a visão de que a análise marxista de classe seria irrelevante para estas experiências. (1)

A obra Black Marxism, apesar de seu título, representou provavelmente a primeira publicação em forma de livro, pelo menos em língua inglesa, destinada a defender precisamente aquilo que o jornal estava contestando. Neste sentido, foi uma honra ter sido convidado a participar do debate. Durante quase duas décadas, eu havia participado dessas discussões na arena afro-americana. Com a ascensão da corrente nacionalista negra após 1966, identifiquei-me como Pan-Africanista. No entanto, uma temporada de vinte meses na Tanzânia entre os anos de 1969 e 1970--a sede não oficial do movimento de libertação africano naquela época--convenceu-me de que o futuro da Revolução Africana dependia da realização de uma Revolução Socialista no coração do capitalismo, os Estados Unidos da América. Estar no mesmo ambiente e interagir com revolucionários como Marcelino dos Santos (1929-2020), A. M. Babu (1924-1996), John S. Saul (1938-) e Walter Rodney (1942-1980), um grupo da mesma geração, em Dar es Salaam, exigiu que eu reconsiderasse as suposições políticas anteriores. Regressando aos EUA, encontrei o meu caminho para o Socialist Workers Party [Partido Socialista dos Trabalhadores], em 1972. (2)

A partir de 1978, o SWP realizou um curso de formação política para que seus militantes lessem e estudassem as obras de Marx, Engels e Lênin nos originais. O resultado deste projeto coletivo informou a minha investigação sobre o livro Black Marxism. De extrema relevância, também, foi o mundo real da política, particularmente, a realização da Revolução de Granada em 1979 e seu trágico fim em 1983. Robinson ainda estava em meu pensamento quando escrevi no ano de 2001, "The Eurocentric Marx and Engels and Other Related Myths"[O eurocentrismo de Marx e Engels & outros mitos correlatos], informado por um mergulho ainda mais profundo nas obras de Marx, Engels e Lênin (NIMTZ JR, 2002).

Exceto por uma correção de data e algumas pequenas edições em parênteses para tornar o texto mais claro, reproduzido aqui está o artigo original.

13 de outubro de 2021

August H. Nimtz Jr.

University of Minnesota

  1. Introdução. (1)

    Há mais de dez anos atrás, Robert Allen (2) escreveu em seu livro muito popular intitulado Black Awakening in Capitalist America (1969) [Despertar negro na América capitalista] que o "problema não resolvido de longa data" para os radicais afro-americanos "por um lado, reside em encontrar a relação adequada entre uma análise puramente nacional (ou racial) e um programa, e, por outro lado, uma análise e programa puramente de classe". (3) Muitos acontecimentos marcaram a luta dos negros norte-americanos desde o lançamento do livro de Allen. Mas, de uma forma ou de outra, o debate continua entre os proponentes de ambas as posições. A obra Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition (1983) [Marxismo negro: a formação da tradição radical negra] (4) de Cedric J. Robinson (5), o assunto desta resenha crítica, pode ser melhor compreendida como parte de uma discussão histórica. Ao contrário do que seu título possa sugerir, Robinson concorda, se não com uma análise "puramente nacional", então com algo bastante próximo a isto. Por causa da intensidade do debate na última década, Robinson, assim como muitos proponentes da análise nacional tiveram que se familiarizar--apesar de nem sempre entenderem - a análise de classe. Assim, Black Marxism pode ser considerado a defesa mais informada e sofisticada da posição nacionalista. Apesar disso, no entanto, argumento que a tese de Robinson é falha; seus erros são comuns à visão nacionalista quando contrapostos a uma perspectiva marxista. Robinson argumenta que o marxismo ou materialismo histórico é uma ideologia exclusivamente européia e, como tal, é limitada em sua aplicabilidade ao mundo além da Europa. Além disso, sua limitação é tanto no tempo quanto no espaço - a Europa do século XIX. Diante das suas origens, o marxismo está, portanto, sobrecarregado com a bagagem intelectual e cultural da Europa. O mais importante desta herança, na perspectiva de Robinson, é o racismo. (6) Como intelectuais pequeno-burgueses, Marx e Engels...

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