A competência material da Justiça do Trabalho para julgar controvérsias de apólice de seguro do empregado

AutorMarcel Lopes Machado
CargoJuiz do Trabalho do TRT da 3a Região
Páginas17-26

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1. Introdução

Pretende-se, por este estudo, fazer uma análise e interpretação acerca da competência material da Justiça do Trabalho para apreciar as controvérsias jurídicas sobre a contratação da apólice de seguro de vida e/ou acidentária pelo empregador, a favor de seus empregados, com empresa do segmento securitizado.

“Encontra-se implícito, em outras palavras, o reconhecimento de que na interpretação judiciária do direito legislativo está ínsito certo grau de criatividade. O ponto, de resto, tornou-se explícito pelo próprio Barwick quando escreve que ainda “a melhor arte de redação das leis”, e mesmo o uso da mais simples e precisa linguagem legislativa, sempre deixam, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre permitem ambiguidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas na via judiciária”.1A contratação de apólice de seguro de vida e/ou acidentária pelo empregador, a favor de seus empregados, tem previsão no art. 458, § 2º,

V/CLT, que ?xa expressamente sua natureza jurídica de utilidade não salarial, e, portanto, se trata, inequivocamente, de uma parcela ou benefício de direito privado/civil, mas instituído em razão e função do contrato de emprego, arts. 2º e 3º/CLT.

Ainda, a contratação deste benefício pelo empregador com empresa securitária, a favor de seus empregados, decorre também, da previsão do art. 444/CLT, que estabelece uma cláusula geral de livre estipulação e/ou contratação de benefícios entre as partes, com o objetivo de implementar uma melhora nas condições sociais dos trabalhadores, art. 7º, caput/CR.

E, em inúmeros outros casos, observa-se também, que esta obrigação tem previsão e origem em disposições existentes nos instrumentos normativos, acordos coletivos e/ou convenções coletivas, arts. 7º, XXVI e 8º, III/CR e art. 613, IV/CLT, que regulamentam outras condições de trabalho das categorias.

Não obstante tratar-se de instituto fornecido em razão do contrato de emprego e/ou até mesmo das normas coletivas que regulamentam novas e diferentes condições e benefícios em favor da categoria pro?ssional dos trabalhadores, existem precedentes da própria jurisprudência trabalhista que não admitem sua competência material para apreciação desta matéria, como se observa:

EMENTA: DENUNCIAÇÃO À LIDE. SEGURADORA. A competência material da Justiça do Trabalho encontra-se prevista no art. 114 da Constituição da República, não contemplando, todavia, as ações que envolvam empresas seguradoras e empregadores, acerca do cumprimento de apólice de seguro. (TRT 3a Região – 1a T. – RO 00270-2010-043-03-00-2 – rel. Juiz Conv. Eduardo Aurélio Pereira Ferri – DJMG 30.9.2011.) EMENTA: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DO PRÊMIO DE SEGURO. LIDE ENTRE SEGURADO E SEGURADORA. NATUREZA AUTÔNOMA. Cabendo à Justiça do Trabalho dirimir con?ito de interesses entre empregado e empregador e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, aparteia-se da seara atávica trabalhista a questão surgida entre segurado e seguradora, com vínculo jurídico clássico com o contrato de seguro. (TRT 3a Região – 3a T. – RO 00525-58.2011.5.03.0043 – rela. Desa. Emilia Facchini – DEJT 21.1.2013.)

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2. A natureza do conflito e sua competência material

Na ?xação da competência material, deve-se observar que a “índole de um con?ito deriva de sua origem e de seu objeto, e não da norma invocada2”, logo, data venia dos r. entendimentos em contrário, a Justiça do Trabalho detém competência para apreciar e julgar as ações indenizatórias lato sensu fundadas na existência da relação de emprego.

Trata-se, inclusive, de competência histórica, antes mesmo do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, e que inclui, portanto, a hipótese jurídica de reparação de danos mate-riais de apólice de seguro, eis que sua origem, derivação e fundamento legal é a preexistência do contrato de emprego, art. 444/CLT.

Isto porque, esta preexistência do contrato de emprego é condição essencial (e não aci-dental e/ou natural) do negócio jurídico de seguro (vida e/ou acidentário) com a empresa securitária, e o con?ito que daí surge decorre da vantagem concedida, ainda que indireta, da existência e condições contratuais daquele vínculo, arts. 444 e 458, § 2º, V/CLT.

É justamente a preexistência do vínculo de emprego, como condição essencial do negócio jurídico securitário, que permite, inclusive, instituir o pagamento do prêmio mensal da apólice para a empresa securitária, e não ao empregador propriamente dito, mediante descontos mensais dos salários dos trabalhadores; descontos estes, incontroversamente tidos por lícitos pela legislação e jurisprudência trabalhista, art. 462/CLT e Súmula n. 342/TST.

Portanto, a relação jurídica securitária que surge entre empregado, empregador e empresa securitária pode ser compreendida como um contrato anexo àquele de emprego, que lhe é preexistente, ou, em outras palavras, sem a preexistência do contrato de emprego, com a consequente utilidade fornecida pelo empregador, art. 458, § 2º, V/CLT, do desconto salarial compartilhado do empregado, art. 462/CLT e Súmula n. 342/TST, é impossível a existência do contrato securitário multilateral.

Tem-se então, na hipótese de recusa do pagamento da apólice, um con?ito trabalhista impuro/atípico3, cuja competência material é da Justiça do Trabalho, independentemente que a solução o mérito da controvérsia tenha que ser apreciada e julgada segundo as normas do Direito Civil, como expressamente prevê o art. 8º/CLT.

Os principais criadores do direito (...) podem ser, e frequentemente são, os juízes, pois representam a voz ?nal da autoridade. Toda vez que interpretam um contrato, uma relação real (...) ou as garantias do processo e da liberdade, emitem necessariamente no ordenamento jurídico partículas dum sistema de ?loso?a social. As decisões dos Tribunais sobre questões econômicas e sociais dependem da sua ?loso?a econô-mica e social, motivo pelo qual o progresso pací?co do nosso povo, no curso do século XX, dependerá, em larga medida de que os juízes saibam fazer-se portadores duma moderna ?loso?a econômica e social, antes de que superada ?loso?a, por si mesma produto de condições econômicas superadas. (Da mensagem enviada pelo Presidente THEODORE ROOSEVELT ao Congresso Americano em 8 de dezembro de 1908 (43 Cong. Rec., Part I, p. 21).4Aliás, antes mesmo do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, e, portanto, na

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vigência da redação original do art. 114/CR, o STF já se manifestou neste sentido:

JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. CONST., ART. 114. AÇÃO DE EMPREGADO CONTRA O EMPREGADOR, VISANDO A OBSERVÂNCIA DAS CONDIÇÕES NEGOCIAIS DA PROMESSA DE CONTRATAR FORMULADA PELA EMPRESA EM DECORRÊNCIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO. 1. COMPETE A JUSTIÇA DO TRABALHO JULGAR DEMANDA DE SERVIDORES DO BANCO DO BRASIL PARA COMPELIR A EMPRESA AO CUMPRIMENTO DA PROMESSA DE VENDER-LHES, EM DADAS CONDIÇÕES DE PREÇO E MODO DE PAGAMENTO, APARTAMENTOS QUE, ASSENTINDO EM TRANSFERIR-SE PARA BRASÍLIA, AQUI VIESSEM A OCUPAR, POR MAIS DE CINCO ANOS, PERMANECENDO A SEU SERVIÇO EXCLUSIVO E DIRETO. 2. A DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NÃO IMPORTA QUE DEPENDA A SOLUÇÃO DA LIDE DE QUESTÕES DE DIREITO CIVIL, MAS SIM, NO CASO, QUE A PROMESSA DE CONTRATAR, CUJO ALEGADO CONTEÚDO E O FUNDAMENTO DO PEDIDO, TENHA SIDO FEITA EM RAZÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO, INSERINDO-SE NO CONTRATO DE TRABALHO. (STF – T. Pleno – CJ 6959-6/DF – rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 22.2.1991.)

EMENTA: Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil. (STF – 1a Turma – RE n. 238.737-4/SP – rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 5.2.1999.)

Neste aspecto, a Corte Constitucional corrigiu a posição jurisprudencial do STJ, para quem a ?xação da incompetência material trabalhista decorria da causa de pedir e pedidos fundados no Direito Civil, e não na própria relação jurídica material das partes, ou seja, os pedidos de indenização fundamentados no Direito Civil seriam da competência da Justiça Comum.

Como muito bem assinado pelo professor Antônio Álvares da Silva5:

Toda questão, de qualquer natureza, que for conteúdo de uma relação de emprego ou de trabalho, obrigação de contratar, obrigação de dar, um apartamento sob certa condição, inscrição em plano de saúde, transferência de quotas, promessa de empréstimo, e tudo mais que provier do contrato de trabalho, será competência da Justiça do Trabalho.
(...)

Se...

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