Os meios de comunicação, a censura e a regulação de conteúdo no Brasil: aspectos jurídicos e distinções conceituais

AutorLucas Borges de Carvalho
CargoMestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Contato: lucasbcarvalho@gmail.com.
Páginas51-82
Os meios de comunicao, a censura e a regulao de contedo no Brasil... (p. 51-82) 51
Revista de Direito, Estado e Telecomunicaes, v. 4, n. 1, p. 51-82 (2012)
DOI: https://doi.org/10.26512/lstr.v4i1.21575
Os meios de comunicação, a censura e a regulação de
conteúdo no Brasil: aspectos jurídicos e distinções
conceituais
Media, Censorship and Content Regulation in Brazil: Juridical
Aspects and the Differences of Concepts
Submetid o(
submitted
): 8 de jane iro de 2012
Lucas Borges de Carvalho*
Parecer(
revised
): 18 de j aneiro de 201 2
Aceito(
accepted
): 16 de abr il de 2012
Resumo
O artigo ana lisa os aspectos jurí dicos da censura n o período do regi me militar (1964-
1985) e da atual regulação de conteúdo sobre a s emissoras de radi odifusão no Brasil,
com o fi m de apre sentar uma leitura mais adeq uada e pr ecisa dos princípios
constitucionais da vedação à censura e do controle público sobre os meios de
comunicação.
Palavras-chave: censura; regulação de conteúdo; meios de comunicação; radiodifusão; Brasil.
Abstract
The ar ticle ana lyses the leg al aspec ts of censors hip during the militar y govern ment
(1964-1985) and the curr ent conte nt regula tion on broadca sting sta tions in Brazil,
in order to pr esent a more appropr iate and a ccurate rea ding of the constitut ional
principl es of legal prohibition of censor ship and public co ntrol over the media .
Keywords: censor ship; content regulation; media; broadcasting; Bra zil.
1. Introdução
“Sem censura não quer dizer com liberd ade”
Millôr Fernan des.
Ao mesmo tempo em que proscreveu a prática da censura, um dos
pilares de sustentação do regime militar, a Constituição Federal de 1988
estabeleceu diretrizes de programação para as emissoras de rádio e TV.
*
Mestre em Direito pela Uni versidade Federal de Santa Catarina. Procurador Federal
da Advocacia -Geral da União. Cont ato: lucasbcarvalho@gmail.com.
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Revista de Direito, Estado e Telecomunicaes, v. 4, n. 1, p. 51-82 (2012)
DOI: https://doi.org/10.26512/lstr.v4i1.21575
Garantiu, ainda, ao cidadão, o direito de reclamar e se opor a conteúdos por
estas difundidos. A preferência a finalidades educativas e infor mativas, a
promoção da cultura nacional, o estímulo à produção independente, a
regionalização da produção e o respeito aos valores éticos e sociais da
pessoa e da família foram, assim, elevados à categoria de princípios
constitucionais norteadores da atuação das instituições estatais competentes
e de observância obrigatória pelos meios de comunicação.1
Desse modo, se a censura foi, do ponto de vista normativo , abolida, o
mesmo não se pode dizer do controle público sobre a programação das
emissoras. O problema é que a convivência entre esses dois pri ncípios
constitucionais não é de todo harmônica, ne m de fácil compatibilização, fato
que tem suscitado controvérsias e leituras distintas em torno do alcance e da
aplicação de cada um deles.
Grosso modo, pode-se dizer que, de um lado, há aqueles que conferem
maior peso ao p rincípio da vedação da ce nsura, repudiando qualquer
tentativa de regulação de conteúdo, sob a justificativa de que tais medidas
constituem uma restauração velada de práticas autoritárias. Em geral, essa é
a posição predominante nos meios de comunicação, como bem demonstram
artigos de opinião e coberturas feitas sobre as tentativas de criação do
Conselho Federal de Jornalismo e da ANCINAV, bem como da realização
da I Conferência Nacional de Comunicação e do III Plano Nacional de
Direitos Humanos.2 Mais recentemente, a polêmica se reacendeu com a
1
Art. 220. A manifestação do p ensamento, a criação, a expressão e a i nformação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão q ualquer restrição, observado o
disposto n esta Constituição. [ ...] § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza
política, ideológica e artística. § 3º C ompete à lei federal: [...] II - estabelecer os
meios le gais que gara ntam à pess oa e à fa mília a possi bilidade de s e defenderem de
programas ou programações de rádio e t elevisão que contrariem o disposto no art.
221, bem como d a propaganda de produtos, prát icas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambient e. Art. 221. A produção e a pr ogramação das
emissoras de r ádio e televisão atenderão a os seguintes princípios: I - pref erência a
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas ; II - promoç ão da cultura
nacional e regional e estímul o à produção inde pendente que objeti ve sua divulgação;
III - regionalizaçã o da produ ção cultur al, artíst ica e jorna lística, conf orme
percentuais est abelecidos em lei; IV - respeito aos valores ético s e sociais da pessoa e
da família.
2
A título de exemplo, confira-se o seguinte trecho de reportagem da revista Veja
sobre a Conferência Naci onal de Cultura: “O evento é a continuação por outros
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DOI: https://doi.org/10.26512/lstr.v4i1.21575
promulgação da Lei nº 12.485/2011, que instituiu a obrigatoriedade de
veiculação de conteúdo brasileiro e de produção independente nas TVs por
assinatura,3 e com o caso de uma propaganda com a modelo Gisele
Bündchen, ob jeto de questio namento pela Secr etaria de Políticas para
Mulheres junto ao CONAR.4
De outro lado, estão os que conferem maior peso ao princípio da
regulação de conteúdo, vendo neste uma prática de viés democrático,
necessária para a garantia de pluralismo e diversidade na arena midiática . A
própria liberdade de expressão seria fortalecida com a atuação reguladora do
Estado, na medida em que poderiam ser eliminados ou reduzidos os
mecanismos de censura impostos pelo mercado a vozes dissonantes e a
grupos minoritários.5
meios da batal ha pela implantação da censura à imprensa no Br asil. Isso começou em
agosto de 20 04, com a iniciativa, abortada, de criar um Conselho Federal de
Jornalismo (CFJ). Nos últimos meses foram feitas mais duas tentativas. Uma delas
na Conferência N acional de Comunicação (Confecom). A outra com o PN DH-3, o
Programa Naciona l d e Dir eitos Humanos. […] Todos embutem a criação de um
tribunal p ara censurar, j ulgar e punir jornalistas e ór gãos de comun icação que
desobedeçam às nor mas governamentais. É um figurin o de atraso”. (PORTELA,
2010, p. 64-6 5).
3
De acordo com o Senador D emóstenes Torres (20 11, p. A3), a Le i nº 12.485/2011 é
inconstitucional , pois viola a liberdade de expressão e invade a propr iedade privada,
de modo que “ao i nstituir co tas na programa ção fec hada, o Planalto demon stra o
desejo de ter t odos os controles, inclusiv e o remoto”.
4
Sobre a polêmica do comerci al da “ Hope”, o colunista da Folha de São Paulo,
Fernando de Barros e Silva (2011, p. A2), as sim se posicionou: “Pior, no entanto, do
que o apelo ao machismo mais vulgar é a disposição do gove rno para combatê -lo
recorrendo à censura. A Secretaria de Políticas para a s Mulheres acio nou o Conar, o
Conselho Nacional de Auto rregulamentação Publicitária, para tira r a peça do ar. É
uma me dida obscurantista , [...]”. E, ao final, questiona: “ como conciliar a defesa da
emancipação e dos direi tos da mulher com a opção regressiva e autoritária pela
censura? O que, afi nal, é mais nocivo e perigoso para que m aspira viver numa
sociedade co m menos discriminação e mais es clarecida: a mor al da história do
anúncio ou a i niciativa do governo para ba ni-lo da tela?”
5
Nesse sentido são as c olocações do professor Venício L ima (2011): “quem faz
censura na Argentina e no Brasi l são os oligopólios de mídia. Porque a partir do
momento em que são olig opólios, impedem que vozes se exp ressem. Eles não
deixam que haja libe rdade de exp ressão. Eles dificultam a consolidação do direito à
comunicação. Eles é que são os agentes da censura , mas empunham es sa bandeira da
censura e da liberdade . Isso é um rec urso político histórico . Quem é c ontra a
liberdade? Quem é contr a a censura? Eles promovem a ce nsura e imped em a

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