Mesa de Debates 'D' - Tributos municipais

AutorHelga Klug Doin Vieira
Páginas77-90

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Presidente da Mesa (Profa. Helga Klug Doin Vieira) - [truncado na gravação]. Profa. Betina...

Construção Civil.

Empreitada Civil e Industrial.

Turn Key. Limites da Incidência do ISS, ICMS e IPI

Profa. Betina Treiger Grupenmacher - A empreitada global é uma obrigação de resultado onde o empreiteiro se compromete a empregar não apenas o seu trabalho, seu esforço humano, sua responsabilidade técnica para o bom andamento da obra, mas também materiais; ou seja, ele se compromete a entregar a obra pronta. Por isso se trata de uma obrigação de resultado. O que é relevante é a obra concluída, e não propriamente o serviço desempenhado.

Nessas duas situações, na construção por administração e na construção por empreitada, temos duas formas de remuneração distintas, que são propriamente as formas de manifestação de capacidade contri-butiva sujeitas a tributação. Na construção por administração a remuneração se dá através da conhecida taxa de administração, que nada mais é que um percentual incidente sobre todos os custos da obra. Então, o que o engenheiro vai cobrar é um percentual sobre o que está promovendo na obra, inclusive o que gastou com material - enfim, todos os custos que envolvem o empreendimento. A taxa de administração é a remuneração devida ao profissional na construção por administração, na qual o construtor negocia apenas sua atividade profissional.

No caso da empreitada global a remuneração do empreiteiro é o preço total do empreendimento, nele compreendidos o serviço prestado e o material empregado.

A partir daí surge a questão da tributação dessas duas situações. Como se dá a tributação no caso da construção por administração? O ISS vai, tratando-se de uma prestação de serviço, incidir sobre a remuneração do engenheiro - vamos assim falar, de uma maneira genérica - que efetuou a prestação de serviço, atuando com responsabilidade técnica, como mencionei anteriormente. O tema que é um pouco mais polêmico, no entanto, não é exatamente a questão da construção por administração, mas a conhecida empreitada global, ou turn key ou EPP, que é Engeneering Procurement and Procedement, muito usual em nossos dias, porque se aplica aos grandes empreendimentos, como a construção de hidroe-létricas, enfim, grandes obras, onde o empresário contrata a obra na sua integralida-de com o propósito de recebê-la completa-mente pronta; ou seja, ele contrata empresa para realizar o projeto, a execução, a aquisição dos materiais, obra que, uma vez concluída, lhe será entregue. Esta é a razão da nomenclatura turn key, ou, traduzindo, "chaves na mão", ou seja: o empreendedor

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contrata empresa para que faça tudo, do início ao fim da obra, e, ao final, entregue em suas mãos "as chaves da obra" absolutamente concluída.

São empreendimentos de grande porte e que, de fato, além da efetiva prestação de serviços, contemplam um grande componente de fornecimento de material, o que desencadeia o surgimento de conflitos de competência. São situações que envolvem, ao mesmo tempo, obrigações de dar e obrigações de fazer. Obrigações de dar relativamente ao fornecimento de material envolvido; e obrigações de fazer relativas à prestação de serviço do empreiteiro.

É importante ressaltar que o sistema contempla disciplina jurídica específica que estabelece o que é considerado base de cálculo para fins de ISS. O Decreto-lei 406/1968 tinha uma disposição no art. 9o, que estabelecia no caput que "a base de cálculo do imposto é o preço do serviço", e no § 2o previa que na prestação de serviços a que se referem os itens 19 e 20, da Construção Civil, o imposto será calculado sobre o preço, deduzido das parcelas correspondentes o valor do material fornecido pelo prestador de serviços.

Essa regra foi repetida no art. 7o da Lei Complementar 116/2003, que estabelece o seguinte: "A base de cálculo do imposto é o preço do serviço". Não se inclui na base de cálculo do imposto o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05. Portanto, o legislador complementar preocupou-se, em relação à construção civil, em excluir da base de cálculo os materiais empregados, deixando, então, que a tributação recaísse apenas sobre a parcela relativa à prestação de serviços. Mas, quando se verifica o item 7.02, por exemplo, lá está dito que o ISS vai recair sobre esses serviços todos de construção civil, "exceto sobre o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação, que fica sujeito ao ICMS". Portanto, ao mesmo tempo o art. 7o determina que a base de cálculo do im-posto é o preço do serviço e que na construção civil devem ser excluídos os materiais de referida base de cálculo. Já, no item 7.02 da Lista anexa à lei complementar está dito que os materiais produzidos pelo prestador do serviço, pelo construtor, fora do local da obra ficam sujeitos ao ICMS. Essa, na minha visão, é uma regra inconstitucional. E vou procurar explicar por quê.

O art. 7o determina que a base de cálculo do ISS é o preço de serviço. A autoridade fazendária, com amparo no entendimento jurisprudencial, interpreta a referida regra no sentido de que "preço do serviço" compreende a remuneração pela efetiva prestação acrescida do reembolso pelos materiais empregados. "Serviço", para fins de incidência de ISS, é um esforço humano, físico ou intelectual, de que alguém necessita e que outro tem aptidão para prestar, com conteúdo econômico, ou seja, remunerado. Então, nunca entendi que essa expressão, "preço do serviço", envolvesse o fornecimento de materiais, quer para construção civil, quer para qualquer outro tipo de serviço. No entanto, o STJ já sumulou a matéria, em relação aos hospitais, no sentido de que na base de cálculo do ISS estão compreendidos também materiais e medicamentos.

O Prof. José Eduardo, que me honra com a presença aqui, já escreveu muito sobre o assunto, e diz que material é uma coisa e mercadoria é outra. Material é aquele insumo necessário à prestação de serviço. Mercadoria, como vamos ver, é um bem posto em comércio, sujeito a uma ativida-de mercantil. Portanto, de fato, qualquer que seja a prestação de serviço, na minha compreensão os materiais deveriam ser excluídos da base de cálculo - mas não são, na prática. Essa indefinição existe em relação a todas as prestações de serviços que envolvem materiais, mas não deveria existir em relação à construção civil, porque a lei é clara, ficam excluídos da base de cálculo os materiais empregados: está no § 2o do art. 7o da Lei Complementar 116/2003.

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Ocorre que, na prática, as coisas não são tão claras assim. Entendo, a partir da interpretação conjunta do disposto no art. 7o da Lei Complementar 116/2003 com a regra do item 7.02 da Lista anexa à referida lei, que o material adquirido de terceiro pelo engenheiro, pelo empreiteiro, pelo construtor, nesses grandes empreendimentos, conhecidos por turn key, está fora da base de cálculo, porque o § 2o diz que se excluem da base de cálculo do ISS os materiais fornecidos pelo prestador do serviço descrito nos itens 7.02 e 7.05. Então, desde que adquiridos de terceiro - para mim parece que não há dúvida alguma -, os materiais ficam excluídos da base de cálculo. Até porque quando adquiridos de terceiros já sofreram tributação de ICMS, pago por quem os comercializou, por quem vendeu esses produtos para aquele dado empreiteiro, para aquele dado construtor.

A questão que remanesce por ser respondida diz respeito aos materiais produzidos fora do local da obra pelo prestador de serviço. Uma regra que me parece fácil de compreender é a seguinte: se eu entender que incide ISS, não incidem ICMS nem IPI; se eu entender que incidem ICMS e IPI, não incide ISS. Entendo que não incide nada, nem ISS, nem ICMS, nem IPI, e vou explicar por quê. Porque, na verdade, quando o construtor produz o material a ser empregado na obra fora do local da mesma, sem um propósito lucrativo, enfim, com o único propósito de empregar aquele produto na sua prestação de serviço e depois se ressarcir daqueles valores, porque eles são considerados insumos para a prestação de serviço, esses produtos não podem sofrer incidência de ICMS, porque estamos falando de um prestador de serviço que não tem inscrição estadual, que não é contribuinte do ICMS. Então, estou me referindo, aqui, àqueles prestadores de serviço, construtores, engenheiros, enfim, que produzem material fora do local da obra, sem serem contribuintes do ICMS. Naturalmente, aquele construtor que se propõe a realizar uma obra mas tem um negócio onde ele comercializa, para terceiros, os mesmos produtos, é lógico que nessa situação haverá incidência de ICMS. Para que o construtor faça jus ao reconhecimento da intributabilidade por via do ISS, do IPI e do ICMS é, no entanto, necessário prova pericial, contábil ou financeira, em que fique demonstrado que os materiais empregados na obra não tinham a característica de mercadorias.

O Prof. Roque como o Prof. José Eduardo conceituam o que é "mercadoria" para fins de incidência de ICMS. O Prof. Roque diz o seguinte: não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia. O bem móvel é o gênero do qual a mercadoria é espécie, e só é mercadoria o bem móvel posto in commercium.

Então, são duas situações diferentes. Uma coisa é a empreitada, outra coisa é a compra e venda. Se o prestador de serviços tem um estabelecimento comercial, repito, é contribuinte do ICMS e realiza compra e venda, ou seja, realiza em outras operações situações que não apenas a construção, operações de compra e venda, comercialização, com propósito lucrativo - e eu aqui abro um parêntesis: não estou dizendo que o ICMS é um imposto sobre o lucro, estou dizendo que o lucro compõe a atividade mercantil -, se realizar atividade mercantil, portanto, é contribuinte do...

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