Modelos de consultas públicas online: expectativas e experiências

AutorSamuel Barros
Ocupação do AutorProfessor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Santo Amaro
Páginas166-197
166 • MODELOS DE CONSULTAS PÚBLICAS ONLINE: CAPÍTULO 6
MODELOS DE CONSULTAS PÚBLICAS
ONLINE: EXPECTATIVAS E EXPERIÊNCIAS
Samuel Barros1
Sumário: Introdução. 1. As consultas públicas online: tecnologias
digitais para o fortalecimento das democracias representativas. 2. A
experiência das consultas online ao redor do mundo: modelos ado-
tados por governos. 2.1. O modelo da Comunidade das Nações. 2.2.
O modelo da União Europeia. 2.3. O modelo dos Estados Unidos.
2.4. O modelo do Brasil. Considerações nais. Referências.
Introdução
Este capítulo tem como objetivo discutir os diferentes mo-
delos de consultas públicas adotados pelos governos em diferentes
partes do mundo e suas implicações para a experiência destas ini-
ciativas de democracia digital. Este trabalho parte do entendimento
de que, conforme o argumento de Peter Shane (2012), as consultas
não podem ser tomadas como um simples canal de inputs entre os
participantes e os atores estatais responsáveis pela tomada da deci-
são política, se não como uma iniciativa que dá motivo para a cons-
tituição de uma rede de comunicação que envolve cidadãos, agentes
públicos, burocratas, especialistas, organizações da sociedade civil e
meios de comunicação, entre outros atores. Assim, o esforço deste
capítulo não é pautado pela avaliação da inuência de uma determi-
nada consulta em um contexto especíco de tomada de decisão. Pelo
contrário, procura avaliar as condições nas quais o fenômeno tem se
materializado em diferentes contextos.
As características das consultas observadas em um país ou
em um conjunto deles serão nomeadas como modelo. Entende-se
que cada modelo é engendrado por uma complexa relação entre as
1
Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Santo Ama-
ro. Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digi-
tal (INCT.DD). Docente permanente e orientador do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom-UFBA).
SAMUEL BARROS • 167
instituições políticas e seus agentes, a cultura política da população
e seu modo de organizar e demandar politicamente, a tecnologia e
seus desenvolvedores, entre outras características que se alteram de
um contexto para outro. Mesmo que não entremos nesta discussão
neste trabalho, o conceito de modelo é inspirado pela ideia de que os
dispositivos tecnológicos são constituídos e constituem complexas
redes sóciotécnicas – para uma apresentação do conceito, ver Lemos
(2013), nas quais tanto as pessoas e suas instituições formais e infor-
mais, quanto a tecnologia, suas aordances e operadores têm agência
(ou capacidade de agir). Não se trata, portanto, de investigar relações
causais entre determinados elementos de cada contexto em relação a
um determinado modelo de consultas online, mas de caracterizar as
consultas pressupondo a complexidade da qual é resultado.
A literatura em português e em língua inglesa tem registrado
a ocorrência de consultas online em lugares tão diversos como Ale-
manha (SCHULZ, NEWIG, 2015), Austrália (MACNAMARA, 2010;
WALSH, 2008), Áustria (REICHL, KOVAR, 2018), Brasil (BARBO-
SA, 2015; BARROS, 2016; MATHEUS; RIBEIRO, 2009; MENDON-
ÇA, AMARAL, 2014; STEIBEL; ESTEVEZ, 2012; STEIBEL, 2012),
Canadá (CULVER; HOWE, 2004), China (BALLA, 2017), Estados
Unidos (BRYER, 2013; ZAVESTOSKI et al., 2006), Irlanda do Norte
e do Sul (FAGAN et al., 2006), Reino Unido (BUTLER et al., 2015;
KAEHNE, TAYLOR, 2016; HILTON, 2006) e União Europeia (FER-
RETTI; LENER, 2008; KIES; NANZ, 2013; RØED; WØIEN HAN-
SEN, 2018). Eventualmente, artigos não-indexados ou escritos em
outras línguas sem ao menos um resumo em inglês relatem expe-
riências de consultas em outros países. Acreditamos, contudo, que
mapeamos os casos mais relevantes para a comunidade de pesquisa
uma vez que se considere o inglês como atualmente a língua franca
da ciência.
Entre os casos relatados na literatura, identicados três mo-
delos institucionalizados e já com uma vasta tradição de realização
de consultas, que foram nomeados como: a) modelo da Comunida-
de das Nações, b) modelo da União Europeia, e c) modelo dos Esta-
dos Unidos, os quais foram discutidos para nos ajudar a entender e
criticar o modo como as consultas têm sido realizadas no Brasil. Em
suma, um esforço para explicar o que podemos nomear provisoria-
mente como o d) modelo brasileiro.
Este capítulo está dividido em duas partes. A primeira pro-
168 • MODELOS DE CONSULTAS PÚBLICAS ONLINE: CAPÍTULO 6
cura delimitar o que são as consultas públicas online e quais seriam
os efeitos políticos e administrativos esperados e observados nas
experiências destes mecanismos de participação. A segunda parte
descreve e problematiza os quatro modelos anteriormente citados
de como as consultas públicas online têm sido realizadas em várias
partes do mundo. Por m, sumarizamos algumas conclusões.
1. As consultas públicas online: Tecnologias digitais para o for-
talecimento das democracias representativas
A autoridade pública pode empregar as tecnologias digitais
de comunicação para consultar as opiniões, vontades e posições
dos cidadãos sobre uma questão (ou um conjunto delas) de inte-
resse público ou que diz respeito à gestão da coisa pública. A este
uso chamaremos de consultas públicas online ou online consultation
(MACNAMARA, 2010; SHANE, 2012; STEIBEL, 2012). Este fenô-
meno depende de dois movimentos historicamente recentes: a) o
desenvolvimento das tecnologias digitais de comunicação e b) e a
decisão político-institucional de admitir a participação por novos
canais. Conforme Marques (2011), “há diversos meios de se tornar
mais fácil, cômodo e ágil o endereçamento, por parte dos usuários,
de contribuições ao processo de discussão dos negócios públicos,
através de consultas públicas ou do estabelecimento de fóruns” (p.
95).
As consultas online, geralmente, tratam de questões sobre as
quais o estado precisa tomar decisão, seja para a construção de leis,
normas ou regulamentos, seja para a condução de políticas públicas
ou programas governamentais (MEDAGLIA, 2012). A literatura re-
gistra casos de consulta em praticamente todas as áreas de atuação
do Estado, a exemplo de educação, direitos humanos, comunicação
(MACNAMARA, 2010); orçamento público (CULVER; HOWE,
2004); transporte, meio ambiente, saúde (FAGAN et al., 2006); or-
ganismos geneticamente modicados (FERRETTI; LENER, 2008);
agricultura (ZAVESTOSKI et al., 2006).
As consultas online, com diferentes objetivos, formatos e re-
sultados, constituem um dos procedimentos de participação mais
empregados nas democracias ao redor do mundo (MACNAMARA,
2010; SHANE, 2012; SHIPLEY; UTZ, 2012). No Brasil, em muitos

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