Modos de Execução e Aumento da Pena

AutorJosé Claudio Monteiro De Brito Filho
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (1995) e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP (1999)
Páginas83-123
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MODOS DE EXECUÇÃO E AUMENTO
DA PENA
Capítulo IV
O objetivo deste capítulo, como o título já indica, é tratar de duas questões im-
portantes para a caracterização jurídica do trabalho em condições análogas à de escravo.
Primeiro, dos modos de execução, que constituem parte imprescindível para a
compreensão da verdadeira dimensão do trabalho escravo. Depois, das causas de aumento
da pena, o que, como será visto, sofre algumas críticas, mas, podem ser justificadas como
aspecto importante do art. 149 do Código Penal.
IV.1. Modos de execução
Como já visto ao longo deste livro, o art. 149 do Código Penal não prevê uma
conduta genérica e única para que os bens jurídicos protegidos sejam objeto de ofensa,
como, ao contrário, e por exemplo, ocorre no homicídio, quando o crime é: matar alguém.
No caso do trabalho em condições análogas à de escravo são prescritas várias
hipóteses para sua ocorrência, denominadas modos de execução, e que descrevi
sinteticamente no capítulo II, dividindo-os da seguinte forma: I — Trabalho escravo típico,
em que os modos de execução são: (1) trabalho forçado; ou em (2) jornada exaustiva;
(3) trabalho em condições degradantes; e (4) trabalho com restrição de locomoção,
em razão de dívida contraída; II — Trabalho escravo por equiparação, que se apresenta
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pelos seguintes modos: retenção no local de trabalho, (1) por cerceamento do uso de
qualquer meio de transporte; (2) pela manutenção de vigilância ostensiva; ou (3) pela
retenção de documentos ou objetos de uso pessoal do trabalhador.
Não basta, então, para a compreensão do trabalho escravo, caracterizar genericamente
o ilícito, pois ele pode ocorrer de diversas formas, e é preciso compreender essas formas,
pois é a partir delas que a tipificação ocorrerá. É o que tentarei fazer a seguir neste item,
primeiro em relação aos modos típicos de execução, depois em relação ao trabalho
escravo por equiparação.
Registro que minha intenção, em relação a cada um dos modos típicos e, depois,
de forma englobada, nos três modos de execução por equiparação, é, primeiro, fazer
alguns comentários a respeito, lançando mão da doutrina e da jurisprudência, para, logo
após, tentar apresentar as características de cada modo, além de uma possível definição.
Deve o leitor entender todavia que, mais importantes que as definições, penso, para
a caracterização do trabalho escravo a partir de cada modo de execução, são as caracte-
rísticas que efetivamente importam, pois são elas que permitem ver com mais clareza
se o modo de execução está ou não presente, em cada situação concreta.
Principalmente porque para alguns modos de execução, especialmente o trabalho
em condições degradantes, não há como apresentar uma definição precisa, de forma
analítica, pois a situação pode variar bastante, de acordo com o conjunto de condições
de trabalho que forem negadas ao ponto de configurar a degradação.
Para encerrar esta parte inicial do capítulo, cabe lembrar que o crime previsto no
art. 149 será caracterizado na ocorrência de cada um dos modos de execução, de forma
isolada.
Nesse sentido, identificar qualquer dos modos de execução, tanto típicos quanto
por equiparação, leva à tipificação do ilícito penal de reduzir alguém à condição análoga
à de escravo, não sendo necessário fazer combinação entre os modos.
É como ensina Fernando Capez, ao afirmar que “basta a caracterização de uma
dessas situações para que o crime se configure, não sendo necessária a coexistência de
todas elas”(137).
Essa, registro, não é uma concepção que não tenha pensamentos em contrário,
como será possível vislumbrar quando for discutido o modo condições degradantes
de trabalho, quando apresentarei votos de ministros do STF que vinculam os
modos de execução à restrição à liberdade de locomoção, que caracteriza de forma
(137) Curso de direito penal, 2: parte especial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 346.
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expressa alguns modos, mas não todos, como a jornada exaustiva e o trabalho em
condições degradantes.
Por outro lado, é comum, nas decisões judiciais, que a caracterização do trabalho
em condições análogas à de escravo ocorra com a conjugação de mais de um modo de
execução, embora, como visto, tal não seja necessário.
É o caso da decisão abaixo especificada, em que se reconhece, ao mesmo tempo,
o trabalho em condições degradantes e a restrição de locomoção por dívida contraída,
sendo esta, talvez, do ponto de vista fático, a combinação mais comum de modos de
execução que se verifica nos casos de trabalho escravo. A ementa do acórdão é a seguinte:
PENAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ES-
CRAVO (ART. 149, CAPUT, DO CP). FATOS OCORRIDOS EM 2003. AUTORIA E MATERIA-
LIDADE COMPROVADAS.
1. O tipo objetivo — sujeitar alguém à vontade do agente, escravizar a pessoa humana — des-
crito na antiga redação do art. 149 do Código Penal, depois da publicação da Lei n. 10.803, de
11.12.2003, continuou o mesmo. A nova Lei n. 10.803/2003 apenas explicitou as hipóteses em
que se configuram a condição análoga à de escravo, como, por exemplo, a submissão a trabalhos
forçados, a jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes, a restrição da locomoção em
razão de dívida com o empregador ou preposto. A nova lei ainda acrescentou formas qualificadas,
punindo o crime com o aumento da pena em metade.
2. Trabalhadores submetidos a condições de trabalho degradantes, num cenário humilhante de
trabalho, indigno de um humano livre, havendo não apenas desrespeito a normas de proteção do
trabalho, mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e alimentação,
além de exercerem trabalho em servidão por contas de dívidas ali contraídas, pois se verifica que
eram vendidos aos trabalhares insumos básicos, como arroz e feijão e equipamentos de proteção
individual, comprovam a autoria do crime previsto no art. 149, caput e § 2º, I, do CP pelo acusado.
3. Materialidade e autoria comprovadas pelos documentos acostados e provas testemunhais pro-
duzidas.
4. Aumento do concurso formal entre crimes da mesma espécie fixado em 1/2 (metade), em vir-
tude de 154 (cento e cinquenta e quatro) trabalhadores terem sido reduzidos à condição análoga
à de escravo.
5. Recurso provido.(138)
Voltarei a tratar dessas questões ao longo do capítulo, especialmente esse último
aspecto, na última parte deste item 1, até porque, como será observado, é o momento
mais apropriado.
(138) Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 3ª Turma. Processo n. 0000616-97.2007.4.01.3901.
Relator: Desembargador Tourinho Neto. Julgamento em: 17.12.2012. Disponível em: .trf1.jus.
br>. Acesso em: 28.2.2014.

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