Monopolization, attempt to monopolize e a interpretação do inciso II do art. 20 da Lei 8.884, de 1994

AutorLuís Fernando Schuartz
Páginas128-136

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A finalidade imediata do presente texto é propor uma interpretação do inciso II do art. 20 da Lei 8.884, de 1994, que lhe confira um significado jurídico autónomo, especialmente em face do disposto no inciso IV do mesmo artigo. O caminho escolhido para chegar a tal interpretação passa pela demonstração da razoabili-dade na construção de uma ponte entre o tratamento doutrinário e jurisprudencial que deveria ser dispensado ao tipo previsto no referido inciso II (domínio de mercado), de um lado, e o tratamento efetivamente dispensado pelas Cortes Norte-Americanas a um tipo de prática previsto no § 2 do Sher-man Act, de outro.

Neste sentido, cabe atentar especificamente para os tipos de prática que os norte-americanos denominam monopoliza-tion e attempt to monopolize. No que segue serão (1) descritos os significados desses tipos no Direito Antitruste Norte-Americano e (2) apresentados argumentos que justificam a recepção do modo de tratamento jurídico dos mesmos nos Estados Unidos, no âmbito do Direito Concorrencial Brasileiro.

1. O significado no Direito Antitruste Norte-Americano
1. 1 Monopolização

A1 Seção 2 do Sherman Act estabelece que "every person who shall monopolize, or attempt to monopolize, or combine or conspire with any other person or persons, to monopolize any part of the trade or com-merce among the several States, or with foreign nations, shall be deemed guilty of a felony (...)"

No que se refere à prática da monopolização, cabe dizer que a mesma é, tradicionalmente, tratada como uma conduta ilegal quando puder ser mostrada a presença de dois requisitos fundamentais, a saber, o poder de monopólio e o elemento de intencionalidade.2

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1.1. 1 O poder de monopólio

O primeiro deles, o poder de monopólio, é entendido como um poder de controlar preços e excluir a concorrência. No contexto de uma análise acerca da presença de poder de monopólio num caso concreto é importante dizer que as Cortes Americanas apenas requerem que tal poder exista, e não que esteja sendo de fato exercido. Assim, em "American Tobacco Co. vs. United States", a Suprema Corte sustentou que "the material consideration in determining whether a monopoly exists is not that prices are raised and that com-petition actually is excluded but that power exists to raise prices or to exclude compe-tition when it is desired to do so".

Se o poder de monopólio é concebido nestes termos, isto é, como uma capacidade de aumentar preços e excluir a concorrência, é necessário indagar a seguir o que pode ser caracterizado como evidência da existência de um tal poder num caso concreto. Teoricamente, o poder de monopólio poderia ser diretamente verificado mediante uma análise de curvas de demanda e oferta. A determinação das elasticidades da demanda e da oferta seria, desta forma, o meio mais adequado para servir de provadireta da existência de monopoly power num caso concreto.

Entretanto, este tipo de evidência raramente está disponível no contexto de um contencioso antitruste. Por tal razão, as Cortes costumam valer-se de um meio indireto de prova, qual seja, o market share da empresa investigada no mercado relevante. A participação de mercado de uma empresa é, portanto, e nestas circunstâncias, tratada como o dado mais conveniente e acurado para a medição do seu poder de mercado.

Pelo menos desde "United States vs. Aluminum Co. of América" (1948) a Su-prema Corte e as Cortes inferiores Norte-Americanas vêm, sistematicamente, utilizando o market share como medida de poder de monopólio. A pergunta a ser feita neste contexto é qual a participação de mercado normalmente usada pelas Cortes como referência para justificar a presunção3 de que uma empresa que detenha uma tal participação possui poder de monopólio. Apesar de não haver uma regra explícita a respeito, há um certo consenso entre as Cortes no sentido de considerar um market share de no mínimo 70% como suficiente para justificar a referida presunção. Em outras palavras, uma empresa que detiver 70% ou mais de participação nas vendas (em volume ou receita) num mercado relevante é considerada, prima facie, como detentora de poder de monopólio neste mercado.4

1.1. 2 O elemento de intencionalidade

Como exposto acima, a existência de poder de monopólio, por si só, não é suficiente para a caracterização de uma conduta como infração à Seção 2 do Sherman Act. Além da referida existência, é necessário mostrar que ocorreu ou que está ocorrendo uma "willful acquisition or maintenance of that [monopoly] power as distinguished from growth or development as a consequence of a superior product, business acumen, or historie accident".

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Este elemento de intencionalidade tem sido caracterizado pelas Cortes como um "propósito ou intenção" genéricos (general purpose or inteni) de adquirir ou preservar poder de monopólio. Não se exige, assim, a presença de uma intenção ou de um propósito específicos de adquirir ou de preservar esse poder. A diferença entre os referidos tipos está em que para a caracterização dos tipos genéricos admite-se, para fins de prova, a inferência de um tal tipo de intenção ou propósito da natureza da conduta investigada. Desse modo, as Cortes Norte-Americanas evitam as dificuldades quase insuperáveis associadas a análises subjetivas do comportamento das empresas. Trata-se, ao contrário, de inferir a partir da natureza da conduta investigada (ou seja; do seu caráterpró ou anticompe-titivo) a presença, ou não, do referido elemento intencional num caso concreto.5

Nesse sentido, há, além da já citada expressão ("anticompetitiva"), uma série de expressões utilizadas pelas Cortes para indicar a presença do general purpose or intent nas acusações de monopolização, tais como predatory, exclusionary, unreaso-nably restrictive e abusive. Embora raramente as Cortes Norte-Americanas tenham tentado articular o sentido dessas expressões em termos de princípios gerais, é possível identificar dois padrões distintos de decisão que permitem identificar critérios gerais para a distinção entre os dois opostos de cada par de tipos (conduta pró ou anticompetitiva, abusiva ou não-abusiva, predatória ou não-predatória etc).6

Em primeiro lugar, quando uma dada conduta contribui para a criação ou a manutenção de poder de monopólio é provável que a intencionalidade exigida para caracterizá-la como uma infração venha a ser inferida nos casos em que a conduta em questão deva ser caracterizada como ilícita também de acordo com razões extrínsecas ao âmbito do Direito Antitruste. Casos típicos incluem o da propaganda enganosa, da litigância de má-fé (sham litigation) e da violação de normas regulatórias (por exemplo, das que definem os regimes de tarifas).

Em segundo lugar, as Cortes têm sistematicamente entendido que uma conduta é predatória, anticompetitiva, abusiva etc. quando a adoção de tal conduta seria economicamente irracional para o monopolista, salvo em razão do seu impacto negativo sobre a concorrência? Isto significa dizer, em outras palavras, que a legislação não pune a chamada concorrência agressiva, isto é, aquela que, na busca do lucro, consiste em estratégias que resultam - ou podem resultar - ha geração de impactos altamente negativos sobre rivais, mesmo quando praticadas por empresas monopolistas. A abusividade não se localiza na agressividade da estratégia, mas sim nam-versão da causalidade entre busca dó lucro e prejuízo aos rivais. Se nos casos de ações lícitas a busca do lucro tem como efeito o prejuízo aos rivais, no caso do abuso é o prejuízo aos rivais que aparece como a condição para a obtenção do maior lucro,

A práxis recente revela que este segundo padrão é o dominante no que se refere à determinação dà natureza abusiva de uma conduta no contexto de uma acusação de monopolização. Deste modo, no julgado "Aspen Skiing Co. vs. Aspen Highlands Skiing Corp." (1985) a Suprema Corte afirmou que se uma dada empresa estava "at-tempting to exclude rivais on some basis

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other than efficiency", é razoável caracterizar o seu comportamento como predatório ou anticompetitivo.

Concluindo, a conduta de uma empresa deverá ser caracterizada como monopolização no sentido do disposto no § 2 do Sherman Act quando tal empresa detiver uma participação substantiva no mercado relevante (em regra, superior a 70%) e quando sua racionalidade económica estiver associada não à geração de eficiências, mas sim ao puro e simples prejuízo aos rivais como condição de obtenção de maior lucro futuro.

1. 2 "Attempt to monopolize "

Mesmo quando o poder económico de uma empresa não for suficiente para justificar a sua classificação como monopolís-tico, condutas predatórias ou anticompe-titivas no sentido acima exposto podem...

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