Movimento afrovegano e interseccionalidade: diálogos possíveis entre o movimento animalista e o movimento negro

AutorNina Trícia Disconzi, Fernanda dos Santos Rodrigues Silva
CargoDoutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo/Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Páginas90-108
90 | Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 01, p.90-108, Jan-Abril 2020
MOVIMENTO AFROVEGANO E INTERSECCIONALIDADE:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE O MOVIMENTO
ANIMALISTA E O MOVIMENTO NEGRO
AFROVEGAN MOVEMENT AND INTERSECTIONALITY: POSSIBLE DIALOGUES
BETWEEN ANIMALIST MOVEMENT AND BLACK MOVEMENT
Recebido:23.09.2019 Aprovado: 30.01.2020
Nina Trícia Disconzi
Doutora em Direito do Estado pela Universidade de
São Paulo. Professora da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). Coordenadora do Grupo de
Pesquisa, cadastrado no CNPQ (Grupo de Pesquisa
em Direito dos Animais, denominado GPDA), da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
EMAIL: ninadisconzi@uol.com.br
LATTES: http://lattes.cnpq.br/7964995474008653
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9625-7147
Fernanda dos Santos Rodrigues Silva
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). Advogada.
EMAIL: fernanda_1849@hotmail.com
LATTES: http://lattes.cnpq.br/8893649892589552
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5549-0217
RESUMO: O presente artigo tem por finalidade a proposição da utilização do conceito de
interseccionalidade, cunhado por Kimberle Crenshaw, para possibilitar um diálogo entre as
causas animal e antirracista para além da comparação de opressões. Com efeito, sugere-se, a
partir da identificação de pontos em comum de ambas as lutas (e não das opressões) e da base
do Movimento Afrovegano, uma forma de cooperação que leve a uma emancipação em
conjunto, com vistas à superação do paradigma jurídico racional dominante e sem que uma
demanda se sobreponha à outra. Para tanto, utilizou-se como método de abordagem o
dedutivo e, como métodos de procedimento, o histórico e o tipológico. Por fim, a técnica de
pesquisa empregada foi a bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: interseccionalidade. Movimento animalista. Movi mento negro.
ABSTRACT: The purpose of this article is to propose the use of the concept of
intersectionality, coined by Kimberle Crenshaw, to enable a dialogue bet ween animal and
antiracist causes in addition to comparing oppress ions. In fact, it is suggested, from the
identification of common points of racial and animal oppression e from the afrovegan
movement, a f orm of cooperation of the social struggles leading to a joint emancipation, with
a view to overcoming the dominant rational legal paradigm and without a demand overlap
the other. In this case, it was used the dialectical approach method and, as methods of
procedure, the historical and the typological. Finally, the research technique employed was
the bibliographical.
KEYWORDS: intersectionality. Animalist movement. Black movement.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Opressão racial x opressão animal: uma histórica comparação 3 A
necessidade de superação do paradigma jurídico racional: um horizonte em comum 3.1 A
Nina Trícia Disconzi e Fernanda dos Santos Rodrigues Silva
91 | Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 01, p.90-41, Jan-Abril 2020
objetificação da população negra 3.2 A objetificação de animais não-humanos 4 Movimento
afrovegano: a interseccionalidade como conceito essencial para a articulação entre o
movimento negro e o movimento animalista 5 Conclusão 6 Notas de referência
1 Introdução
Apesar de eventualmente destoarem sobre a minoria a que pretendem proteção, as
lutas sociais são historicamente conhecidas por buscarem enfrentar desigualdades e injustiças
contra determinados grupos que compõem a sociedade e que, historicamente, por uma razão ou
outra, são marginalizados por uma ideologia dominante. Em razão disso, em alguns momentos, as
suas pautas podem ser abordadas de maneira conjunta, a fim de somar esforços para a superação
de mais de uma forma de opressão.
No caso, uma temida comparação1 entre duas lutas contra hegemônicas,
especificamente, tem chamado a atenção desde longa data, em razão de um aparente conflito
nas suas pautas, a saber, a luta antirracista e a luta animalista. Por um lado, a histórica resistência
da população negra contra discursos racistas institucionalizados e velados dentro da sociedade e,
do outro, a luta de ativistas em prol, principalmente, do reconhecimento de animais não-
humanos como sujeitos de direito.
Superficialmente, uma comparação rasa entre racismo e especismo e entre a escravidão
humana e a escravidão animal tem suscitado intensos desconfortos, em especial, dentro do
movimento negro, que não vê com bons olhos esta forma de abordagem. E, também, não haveria
de ser de outra forma, uma vez que um dos pilares da escravização da população negra foi a
constante desumanização do grupo, com sua comparação a animais não -humanos como uma
maneira de inferiorizá-la.
Contudo, é sabido que ambas as causas, cada uma a sua maneira, lutam contra um
status quo que é voltado para a marginalização, exclusão e objetificação das minorias vulneráveis
de que são aliadas. Em razão disso, questiona-se: em que medida as lutas animalista e antirracista
podem contribuir uma para a outra, para além de uma mera comparação entre opressões?
Para responder a esta indagação, o presente trabalho utilizou-se do método de
abordagem dedutivo, buscando, primeiramente, apresentar as aproximações recorrentes entre as
duas formas de opressão, ou seja, o que se tem construído entre analogias e comparações. Na
sequência, busca-se destacar a importância da luta contra o paradigma jurídico racional tanto
pela causa antirracista como pela causa animal, de modo a delimitar uma pauta em comum entre
ambas. Nesse sentido, com vistas à superação de uma visão dicotômica entre as duas pautas, o
que se propõe é a adoção do conceito de interseccionalidade, de Kimberle Crenshaw, bem como
as bases do Movimento Afrovegano, para compreender de que maneira as lutas animalista e
antirracista podem colaborar uma para outra, para além da comparação de opressões.
Como método de procedimento, optou-se pelo método tipológico, ao se propor modos
ideais de intersecção entre a causa animal e a causa antirracista, com a finalidade de comungar
esforços contra um possível “inimigo” em comum, mas sempre observando a necessidade de uma
luta não se sobrepor à outra. Por fim, a técnica de pesquisa bibliográfica foi a principal ferramenta
para a construção do trabalho.
2 Opressão Racial X Opressão Animal: Uma Histórica Comparação
Não é de hoje que se busca uma aproximação entre as opressões racial e animal,
contudo, nem sempre pessoas negras e animais não-humanos foram utilizados no mesmo

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