Natureza jurídica do processo

AutorSilvana Aparecida Wierzchón; Ingrid Zanella
CargoBacharel em Direito e em Economia; Bacharel em Direito
Páginas20-23

Page 20

1. Teorias sobre a natureza jurídica do processo

Muitos estudiosos, quando questionados a respeito da natureza jurídica de um instituto qualquer, tentam se ater à "essência" do instituto, para poderem enquadrá-lo em uma das categorias gerais do direito.

Assim, Cintra1 traz que durante muito tempo o termo processo foi confundido com a simples sucessão de atos processuais (procedimento), sendo ele indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. "É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)" (2003:278).

Nesse sentido, muitas teorias existem sobre a natureza jurídica do processo, e revelam a visão privatista e publicista.

É de suma importância o estudo dessas teorias porque se alguém demonstrar algum dia que o processo é um contrato, daí decorrerão conseqüências práticas de grande importância. Mesmo porque o legislador formula hipóteses, prevê certas situações e, na falta de alguma norma reguladora do processo, as normas subsidiárias (secundárias) seriam as do direito civil, que regulam o contrato, quando analisado o processo no seu sentido contratual.

1.1. Teorias privatistas

Essas teorias referem-se ao sentido de processo como contrato e quase-contrato.

Em se tratando de processo como "contrato", FIlippin2 traz que no velho Direito Romano, a concepção do processo era contratual, ou seja, a relação que interliga autor e réu no processo era vista como em tudo idêntica à que une as partes contratantes. No contrato, existe um acordo de vontades, um titular do interesse subordinante e outro titular do interesse subordinado. O primeiro tem o direito de exigir do segundo que satisfaça uma prestação, que lhe é assegurada por lei.

Quando se fala em contrato, tem-se em mente um acordo de vontades. Na fase remota do direito processual romano, o Estado não havia alcançado ainda um estágio de evolução capaz de permitir-lhe impor a sua vontade sobre a das partes litigantes. Procurava-se, por isto, uma justificação, pela qual a sentença pudesse ser coercitivamente imposta aos contendores. Isto era possível em virtude da litiscontestatio. Dizia-se que, com a propositura da ação e o chamamento do réu a juízo, as partes, através da litiscontestatio, entabulavam um contrato judiciário, pelo qual se obrigavam a permanecer, no processo, até o final e a acatar a decisão do arbiter que escolhiam para dirimir aquela pendência.

"Não poderia ser outro o entendimento dos romanos, que incluíam o processo dentro do Direito Privado", aduz FILIPPIN (2004:10). O Direito Processual era o próprio Direito Privado, em atitude de defesa, quando violado. A doutrina francesa dos séculos XVIII e XIX, influenciada pela doutrina política do contrato social de Rousseau, continuou considerando o

iudicium como sendo um contrato. Supunha-se um acordo de vontades, ou uma convenção das partes, de aceitarem a decisão do juiz.

De acordo com CINTRA (2003), essa doutrina tem mero significado histórico, pois como observado alhures, parte da idéia de que as partes se submetem voluntariamente ao processo e aos seus resultados, através de um negócio jurídico de direito privado (litiscontestatio): "Na realidade, a sujeição das partes é o exato contraposto do poder estatal (jurisdição), que o juiz impõe inevitavelmente às pessoas independentemente da voluntária aceitação" (CINTRA, 2003:279).

Já referindo-se ao processo como quasecontrato, FILIPPIN (2004) traz que segundo o artigo 1.371 do Código Civil francês, o famoso Código de Napoleão, o quase-contrato é o encontro de fatos voluntários do homem de que resultam obrigações recíprocas entre as partes. Enquanto no contrato as obrigações dele decorrentes são determinadas, diretamente, pela própria vontade das partes, no quasecontrato as obrigações são determinadas pela lei, com base na presumível vontade das partes. A vontade das partes só é exigida para a prática do ato e não para a produção das obrigações jurídicas dele resultantes, que são determinadas pela lei.

Assim, da circunstância de as partes comparecerem voluntariamente ao juízo e de se submeterem às decisões judiciais, deduz-se a existência, entre elas, de um fenômeno análogo ao contrato, que vai fundamentar essa atitude de se submeterem ao processo. Portanto, o comparecimento voluntário das partes ao juízo é o acontecimento indicativo de sua vontade de participar do processo e aceitar a decisão judicial.

Estas teorias são contratualistas (contrato e quase-contrato), porque o processo resultaria de um contrato ou algo semelhante a um contrato e, pois, de um acordo de vontades. Mas, como citado por FILIPPIN (2004), se na litiscontestatio a vontade não era totalmente livre, que acordo de vontades seria esse que, se o réu não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT