A essência da independência e da legitimação democrática daatividade judicial

AutorOriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto
CargoJuíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Páginas11-14

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Atualmente, observa-se que aos tribunais, emgeral, compete, além do controle da constitucionalidade, a garantia direta contra lesões dos direitos fundamentais, a defesa de interesses difusos e o enfrentamento da obscuridade e ambiguidade dos textos legislativos, por vezes deliberada, em face dos difíceis processos de negociação.

Em decorrência, o Judiciário enfrenta a articulação de um direito positivo conjuntural, evasivo, transitório, complexo e contraditório, numa sociedade de conflitos crescentes, por isso, impõe-se a diversificação do Judiciário para atender às necessidades de controle da norma positiva1.

A passagem do Estado Liberal para o Estado Social modificou as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, desenvolvendo uma postura mais ativa, na prestação de serviços públicos, em oposição ao Estado ausente, liberalista. Este fato explica o aumento da competência normativa e da área de autonomia do Poder Executivo, a quem a lei concedeu maior discricionariedade. O uso abusivo de tal ampliação da autonomia daqueles Poderes e a ofensa aos direitos fundamentais, no Estado Social, levaram a uma reação do Poder Judiciário contra os abusos dos administradores e dos legisladores2.

Foi o crescimento e diversificação das necessidades da sociedade no tocante à regulação legislativa que tornou insustentável o seu monopólio parlamentar; a partilha da competência legislativa com o Executivo vai implicar a extensão das competências próprias do órgão de controle da lei - o poder judicial. Assim, onde se insinua essa mudança substancial dePage 12 forma mais sensível nas tarefas judiciais e nos diversos relacionamentos que os tribunais são chamados a ter com os outros Poderes, é na consideração do estatuto do juiz-intérprete, de uma revisão do sentido da sua vinculação à lei, aliás, uma herança do Absolutismo; doravante esse estatuto significará uma vinculação à constituição. Basicamente, abandona-se a crença na autossuficiência de um processo lógico-dedutivo que reduzira a interpretação a uma exegese do texto, para destacar a importância decisiva da applicatio, pela qual todo o ato de interpretação constitui um aditamento de sentido.

As alterações produzidas no exercício da função jurisdicional não só denunciam um crescimento inédito da sua influência social como, decididamente, arrancam os juízes do elenco de figurantes do Estado moderno, atribuindo-lhes um protagonismo a que, relutantes, acabaram por aceder. O Poder Judicial, que advém do liberalismo, justifica-se e legitima-se como um poder neutralizador de todo o poder. Entretanto, tais juízes têm ou não legitimação democrática?

É um equívoco afirmar que a jurisdição não conta com o apoio democrático. Segundo Luigi Ferrajoli, "a legitimação democrática do Poder Judiciário é estruturalmente diversa da dos demais poderes do Estado, não tendo nada que ver com a vontade nem com a opinião da maioria"3. Destaca, ainda, o mencionado autor, que as fontes de legitimação democrática do Poder Judiciário são duas: 1) legitimação formal, que fica assegurada pelo princípio da estrita legalidade; 2) legitimação substancial, que consiste na tutela, pela função jurisdicional, dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Para Luiz Flávio Gomes, uma vez que a jurisdição é uma atividade cuja validez ou legitimidade de seus atos está vinculada ao princípio e à busca da verdade (processual), ela, diferentemente de qualquer outro poder público, não admite uma legitimação de tipo representativo ou consensual, mas uma legitimação de tipo racional e legal4.

O debate proposto acerca da legitimidade da atividade jurisdicional é próprio do paradigma do Estado Democrático de Direito. No paradigma liberal, o isolamento...

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