Da Incidência do ISS Sobre Serviços Públicos Prestados Sob Regime de Concessão e Permissão e da Não Incidência do ISS Sobre Serviços Públicos Notariais e Registrais

AutorWylton Carlos Gaion
CargoAdvogado. Especialista em Processo Civil (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania ? IDCC)
Páginas74-81

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O presente artigo tem o objetivo de abordar o problema da cobrança do imposto sobre serviços (ISS) incidente sobre os serviços públicos explorados por particulares em regime de concessão e permissão e sobre os serviços notariais e de registros, a partir do disposto artigo Io da Lei Complementar 116/03, combinado com os subitens 22.01 e 21.01, respectivamente, que pretendem sujeitar esses serviços à cobrança do referido tributo.

Inicialmente será exposta a regra matriz de incidência fiscal do ISS.

No que tange à incidência do ISS sobre serviços públicos prestados por particulares sob concessão ou permissão, será demonstrado que a imunidade recíproca não os atinge, haja vista que o § 3o do art. 150 da Constituição Federal estabelece que não se aplica referida imunidade para os casos em que a contraprestação pelo serviço público prestado seja a tarifa e o regime jurídico da prestação de serviço seja privado.

Com relação à incidência do ISS sobre os serviços notariais e de registros, será demonstrado que o regime jurídico da prestação do serviço é público, bem como que os emolumentos possuem a natureza jurídica de taxa, razão pela qual não deve incidir o ISS. Depois será demonstrado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 3.089, cujo relator para o acórdão foi o ministro Joaquim Barbosa, publicado no Diário da Justiça em 1o de agosto de 2008, que, equivocadamente, entendeu pela incidência do ISS sobre referidos serviços, pelo fato de existir a busca pelo lucro.

2. Regra matriz de incidência fiscal do ISS

Antes de adentrar na regra matriz do ISS, mister se faz tecer breves comentários acerca dos elementos que integram a regra matriz de incidência fiscal de maneira ampla, para depois tratar especificamente da regra matriz no imposto sobre serviços (ISS).

Roque Antonio Carrazza, ao tratar da regra matriz de incidência tributária, afirmou:

"A Constituição, ao discriminar as com-petências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e dando uma certa margem de liberdade para o legislador -a regra-matriz (a norma padrão de incidência, o arquétipo genérico) de cada exação. Noutro falar, apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passível possível, a base de cálculo possível e a alí-quota possível de várias espécies e subespécies de tributos. Logo, o legislador, ao exercitar a competência tributária de sua pessoa política, deverá ser fiel à regra matriz do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir do arquétipo constitucional do mesmo" (Carrazza. Roque Antonio. "Contribuição denominada 'Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT)' -Sua natureza tributária - alí quotas majoradas por meio de decreto - inviabilidade - questões conexas" in Revista de Direito Tributário 70. São Paulo: Malheiros, p. 56).

Para Paulo de Barros Carvalho a regra matriz de incidência tributária é uma norma tributária em sentido estrito, sendo esta a que define a incidência fiscal, apresentando um antecedente e um consequente, que correspondem à hipótese tributária e à relação jurídica tributária, respectivamente (2005, p. 235).

Tem-se que a norma jurídica tributária é composta por uma hipótese tributária, que possui os critérios material, espacial e temporal e a relação jurídica tributária, formada pelos critérios pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e quantitativo (base de cálculo e alíquota).

Hipótese tributária significa "a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na consequência" (Carvalho, 2002, p. 241).

O critério material está atrelado a um comportamento de pessoas, física ou jurídica. Para Paulo de Barros, no livro Teoria da norma tributária (2002, p. 126), ao abstrair-se a norma para analisar o critério material, percebe-se que emerge o encontro de expressões genéricas designativas de comportamento de pessoas, sejam fazer, dar ou um ser (estado). Como exemplo cita "industrializar um produto", "auferir renda". Essas expressões genéricas sempre são compostas de um verbo seguido de seu complemento.

O aspecto espacial refere-se à indicação de circunstâncias de lugar, contidas explícita ou implicitamente na hipótese de incidência, relevantes para a configuração do fato imponível (Atali-

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ba, 2004, p. 104). É uma consequência do princípio da territorialidade: ocorrido o fato qualificado pela hipótese de incidência, a norma surtirá seus efeitos legais. Estes só alcançarão o limite espacial de sua competência dentro do âmbito de validade da lei.

O critério temporal pode ser entendido como o grupo de indicações contidas no suposto da regra (antecedente normativo), e que nos oferecem elementos para saber com exatidão em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto - o pagamento de certa prestação pecuniária (Carvalho, 2002, p. 257-258).

O marco temporal estabelece o surgimento de um direito subjetivo público para o sujeito ativo, o Estado, e um dever jurídico para o sujeito passivo, o contribuinte.

A relação jurídica tem sua raiz na teoria geral do direito, disciplina que estabelece conceitos fundamentais a todos os ramos do direito, que orienta o direito positivo na sua unidade. Seja qual for o local em que se aplicar a relação jurídica, deverá respeitar sua estrutura: sujeito ativo, detentor de um direito subjetivo; sujeito passivo, detentor de um dever correlato; objeto, centro de convergência do direito e do dever.

Relação jurídica, para a teoria geral do direito, é "definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação" (Carvalho, 2002, p. 279-280). O mesmo se aplica para a relação jurídica tributária.

Na relação jurídica tributária percebem-se os critérios pessoais, composto pelo sujeito ativo e passivo, e o quantitativo, composto pela base de cálculo e alíquota.

Sujeito ativo é o possuidor do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. O sujeito passivo é aquele que tem o dever de prestá-la, em regra o contribuinte.

A base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra matriz tributária, e que se destina a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.

A alíquota, segundo Paulo de Bar-ros, no livro Teoria da norma tributária, pode ser conceituada como "o fator que se deve aplicar à base de cálculo para a obtenção da quantia que poderá ser exigida pelo sujeito ativo da relação" (2002, p. 177).

2.1. Regra matriz do ISS

A construção da regra matriz do ISS deve ser buscada diretamente na Constituição, a qual se estabeleceu o norte para que as legislações municipais possam instituí-lo:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

(...)

§ 3o Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.

III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados."

Analisando-se, primeiramente, os elementos que compõem a hipótese tributária do ISS, observa-se que o critério material deste é "prestar serviços", que nada mais é do que uma atividade humana realizada em proveito alheio, já que, conforme ensinamentos de Aires Barreto (2005, p. 52), juridicamente, não há prestação de serviço em proveito próprio, mas tão somente aquela que possua conteúdo econômico mensurável, o que só é possível ocorrer quando o esforço seja produzido para outrem.

O critério espacial é o local em que efetivamente ocorreu a prestação do serviço, "onde o esforço humano, consistente em prestação de serviço, ingressa no mundo do Direito, produzindo seus efeitos jurídicos como execução de obrigação de fazer" (Justen Filho, 1985, p. 139). Entretanto, tal questão é bastante controvertida, digna de um estudo mais apurado, o qual não se fará no momento por escapar ao tema ora focado.

O critério temporal do ISS considera-se ocorrido no momento em que acontece a efetiva prestação de serviço, isto é, quando ocorre o critério material. Segundo Marçal Justen Filho, é "o momento em que se configura a prestação de uma utilidade, prestação essa reconhecida como execução de obrigação de fazer" (1985, p. 134).

Analisando os componentes da relação jurídica tributária, no que tange ao critério pessoal, o sujeito ativo é o município, pessoa constitucional a quem a carta magna outorgou competência para instituí-lo. É importante destacar que como está vedada a divisão do Distrito Federal em municípios, tem ele competência para legislar e instituir o ISS em seu espaço territorial, além de caber-lhe a sua arrecadação.

Podem ser sujeitos passivos do...

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