A violência legitimada: o estado de exceção como regra
Autor | Rogério Dultra dos Santos |
Páginas | 255 - 261 |
Page 255
Em
O filósofo italiano Giorgio Agamben1 na sua mais nova obra, Estado de exceção (2003), traduzida agora para o português,2 tenta esclarecer os fundamentos desta aproximação entre meios violentos e justificativas constitucionais, procurando dialogar especialmente com Schmitt. O seu livro mais conhecido no Brasil, Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua (1995) aponta o campo de concentração, em contraposição à polis grega, como o lugar por excelência de manifestação da soberania no século XX. A partir do desenvolvimento do conceito foucaultiano de biopolítica, Agamben identifica Auschwitz como o ícone do poder político contemporâneo, caracterizado pela ingerência sobre a vida e a morte dos indivíduos e pelo estabelecimento de tecnologias de controle na massificação da espécie humana. Estes efeitos do poder político assim concebido reconfiguram o conceito de soberania como o “direito de fazer viver e deixar morrer”.3
Um dos livros mais contundentes de um pensador que dialoga geneticamente com a tradição de origem marxista (Benjamin, Foucault e Derrida), o Estado de exceção é uma aproximação especificamente jurídica ao tema analisado no Homo Sacer, do qual é uma continuação. Com o objetivo de se contrapor diretamente a Carl Schmitt —responsável pela fundamentação jurídica da ditadura nacional-socialista em 1933— Agamben sustenta que o modelo constitucional dos Estados contemporâneos funciona a partir da recorrência constante ao estado de exceção, paradigma técnico que, paradoxalmente, domina os governos ditos democráticos. Nos países ocidentais, a gestão pública vem se acostumando a utilizar freqüentemente instrumentos como Medidas Provisórias, Atos Institucionais, Decretos-Lei e medidas restritivas de direitos não prescritas em lei que reforçam o poder Executivo e o afastam do controle democrático de suas ações. O estado de exceção vem sendo, na realidade, a regra. Para desenvolver seu argumento, o autor se utiliza de diferentes formas de aproximação. Seja através do direito, da história, da filologia, da filosofia ou da sociologia, a multiplicidade de ângulos que Agamben utiliza no estudo do estado de exceção traz luz a um tema marginal na teoria política e no direito constitucional.
Page 257
O livro divide-se em seis partes. Na primeira, aponta o problema central como sendo a necessidade de desvendar a zona de incerteza, situada entre o direito público e o fato político, entre a ordem jurídica e a vida. O significado do agir político, a identificação do que é específico ao direito e do que é da esfera da política, é alcançado pelo estudo desta zona de incerteza —o estado de exceção— um instituto jurídico que paradoxalmente permite um governo sem regras. Como “paradigma de governo dominante na política contemporânea”,4 o estado de exceção é examinado especificamente nas formas jurídicas modernas, encontradas na doutrina posterior à Revolução Francesa.
Na segunda parte, o estado de exceção é conceituado como sendo o espaço aberto pelo direito para o reconhecimento da violência, “um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de lei sem lei”.5 A união logicamente impossível entre norma e realidade é “operada” através da forma da exceção. Para o autor, é preciso identificar, portanto, a genealogia do modelo teórico do estado de exceção, tema que compõe a terceira parte do livro. A origem do modelo radica no instituto romano do iustitium (suspensão do direito) e não na tradição da Ditadura romana. Essa distinção originária é fundamental por eliminar o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO