A Não Incidência Tributária Sobre Multa Astreinte

AutorKleber Cazzaro - Eduardo Roos Elbl
CargoAdvogado/PR. Especialista, mestre e doutorando em Direito (UNIVALI/SC) - Advogado/PR. Especialista em Direito
Páginas12-16

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O tema em foco surgiu de uma situação pontual e prática da atividade jurídica. Certa feita chegou-nos a seguinte situação concreta: determinado cliente demandava contra uma operadora de telefonia perante o Juizado Especial Cível por onde buscava o restabelecimento dos serviços que usava através de antigo contrato mantido com esta última. Tudo porque ela interrompera abruptamente os serviços, sem qualquer aviso e motivo. Ignorando que ambos mantinham contrato de prestação de serviço de linha telefônica, documento que nunca foi distratado, a operadora simplesmente desligou o ramal do autor e não mais fez o restabelecimento dele. Promovida a ação para obrigar a operadora a restituir o serviço conforme estava no contrato, o juiz da causa fixou multa diária - astreinte - para punir eventual desobediência. A companhia telefônica, apesar de citada sobre a lide e intimada das consequências pecuniárias caso não cumprisse a ordem liminar, quedou-se inerte. Com isso adveio a reprimenda e o valor, no final, quando do julgamento de mérito da questão, foi convertido em prol do autor da ação a título de indenização como perdas e danos havidas por conta do mal-

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sinado corte de serviço telefônico e os prejuízos por ele sofridos. Na hora de receber o valor executado, e cobrado, surgiu a dúvida: o autor da ação, beneficiado pela quantia pecuniária fruto de multa processual cobrada da parte ex adversa, cujo valor recebeu para restabelecer as perdas e os danos que teve pela conduta praticada pela operadora que cessou inadvertidamente os serviços telefônicos, deveria pagar imposto de renda sobre ela? Em outras palavras: haveria incidência tributária sobre a somatória financeira da astreinte convertida em perdas e danos no caso em estudo? A resposta negativa, apesar de simplista, exigiu a justificativa fundante exposta nos tópicos a seguir transcritos.

2. Conceito de astreinte

Etimologicamente, de acordo com De Plácido e Silva1, a origem do termo multa vem do latim 'mulcta' ou 'multa' e, no seu sentido lato significa "sanção imposta à pessoa, por infringência à regra ou a princípio de lei ou contrato, em virtude do que fica na obrigação de pagar certa importância em dinheiro". Segundo a natureza do ato ou fato jurídico motivador, a multa toma várias denominações: compensativa, moratória, comina-tória, fiscal, penal ou penitencial. No que concerne especificamente às penas cominatórias (multas diárias), objeto do presente estudo, caber registrar que o vocábulo qualificador "astreintes", numa acepção de pressão ou constrangimento, é proveniente da criação pretoriana francesa que inspirou a sanção pecuniária compulsória, introduzida no Brasil como instrumento às ações que visam cumprir obrigações de fazer ou não fazer2. Destina-se a obrigar o devedor a prestar a obrigação pactuada sem invadir direitos essen-ciais. Tal multa pode ser cobrada ainda que não haja, no contrato, cláusula penal; afinal, as astreintes não têm qualquer relação dire-ta com recomposição ou com atraso no adimplemento de obrigação. Elas, na verdade, fortalecem-se de modo significativo no processo judicial com o intuito de garantir o cumprimento obrigacional, revestindo-se, destarte, de uma dimensão marcadamente pública, evitando-se atos atentatórios à dignidade dos contratos e da própria justiça. É fácil perceber que as multas diárias punem violações a deveres, mas com a característica determinante de conduzir ao cumprimento de outras normas. Com efeito, elas são uma espécie de multa anômala uma vez que não decorrem da prática de um ato ilícito em sentido estrito. Prestam-se, pois, para induzir ou a obrigar alguém a cumprir determinada norma ou uma conduta. No dizer de Diniz3, "a astreinte é, pois, a multa destinada a forçar o devedor indiretamente a fazer o que não deve e não a reparar dano decorrente de inadimplemento". As astreintes, portanto, objetivamen-te, são multas diárias aplicadas à parte que deixa de atender decisão judicial. Promove-se com ela um reforço à dignidade do juízo e da ordem pública.

Aliás, O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reforçando o papel das astreintes no sistema jurídico brasileiro. A jurisprudência mais recente do tribunal tem dado relevo ao instituto, servindo para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário. Duas decisões recentes relatadas pela ministra Nancy Andrighi são exemplos importantes do novo enfoque dado às astreintes. Em uma delas, a Bunge Fertilizantes S/A foi condenada em mais de R$ 10 milhões por não cumprir decisão envolvendo contrato estimado em R$ 11,5 milhões. Em outra, o Uni-banco terá de pagar cerca de R$ 150 mil por descumprimento de decisão - a condenação por danos morais no mesmo caso foi de R$ 7 mil. Nesta última, a relatora afirmou: "Este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial." Em situações como essa, reduzir a astreinte sinalizaria às partes que as multas fixadas não são sérias, mas apenas figuras que não necessariamente se tornariam realidade. A...

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