Da Modulação dos Efeitos da Decisão no Controle de Constitucionalidade Concentrado e Abstrato em Matéria Tributária

AutorWylton Carlos Gaion
CargoEspecialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC)
Páginas35-45

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1. Introdução

O objetivo da presente pesquisa é fazer uma explanação sobre a modulação dos efeitos da decisão no controle de constitucionalidade concentrado e abstrato, mais especificamente na ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) e na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) em matéria tributária. Focou-se mais na ADIN, haja vista que se trata de artigo científico e, por questões metodológicas, buscou-se focar nesse instrumento que intenta retirar uma norma jurídica incompatível com a Constituição Federal, enquanto a ADC tem mais por objetivo declarar que uma norma jurídica é constitucional, enquanto a seu favor já milita a presunção de constitucionalidade.

Com relação à escolha de analisar a modulação no âmbito tributário, tal desiderato deu-se pelo fato de constantemente a Procuradoria da Fazenda - nacional, estadual ou mesmo municipal - alegar como matéria de defesa que deve ser aplicada a modulação dos efeitos da decisão sob pena de lesão ao erário público e por estar presente a segurança jurídica e o interesse social, enquanto na realidade o que está presente é apenas o interesse da administração pública, com flagrante desrespeito à Constituição Federal. Dessa maneira, irá se demonstrar que o conceito de segurança jurídica e excepcional interesse social não se confunde com interesse da administração pública, e que a modulação não poderá desrespeitar a supremacia constitucional, devendo o Supremo demonstrar a presença de outros princípios constitucionais em discussão, aplicando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ponderando, de acordo com a casuística em questão, qual o princípio mais relevante.

2. Do controle de constitucionalidade

Controlar a constitucionalidade consiste basicamente em verificar a adequação, a compatibilidade de uma lei ou um ato normativo com a constituição, conferindo seus requisitos formais e materiais (Moraes, 2002, p. 579).

Segundo Michel Temer, "controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição" (Temer, 2001, p.41).

O controle de constitucionalidade, segundo Ignacio de Otto, advém basicamente da supremacia e da supralegalidade de que goza a constituição (Otto, 1998, p. 24), partindo-se da premissa que a carta magna é a lei mais importante do ordenamento jurídico (Colautti, 1998, p. 54).

Supremacia constitucional, segundo José Afonso da Silva, "significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legíti-

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mos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos" (Silva, 2002, p. 45).

Para Hans Kelsen há um escalonamento entre as normas jurídicas dentro do sistema normativo, no qual as normas hierarquicamente inferiores buscam seu fundamento de validade nas normas superiores, em cujo ápice encontra-se a constituição. Para Kelsen, a ordem jurídica não é um sistema de ordens jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas, em que a constituição representa o escalão mais elevado do direito positivo (Kelsen, 1998, p. 155), e uma norma para ser válida deverá buscar seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas podem ser reconduzidas a uma mesma norma fundamental formando um sistema de normas, uma ordem normativa (Kelsen, 1974, p. 269).

Desta maneira, a norma jurídica hierarquicamente inferior à norma constitucional não pode contrariar a superior. Se isto acontecer, "passa a não ter validade dentro do ordenamento jurídico em questão, já que sua validade não decorre do sistema e, portanto, face a tal ordem normativa ela não existe" (Ferrari, 2004, p. 54).

A constituição pode ser considerada sob diversos prismas, como histórico-social, político-institucio-nal, jurídico. Para fins de controle de constitucionalidade, este último prisma é o que interessa, pois a constituição representa a norma fundamental que delimita o horizonte de possibilidade da legislação infraconstitucio-nal, assumindo a norma fundamental um sentido jurídico-positivo, e não lógico-jurídico. Assim, "a constituição juridico-positiva, na concepção kelseniana, equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau; ou certo documento solene, conjunto de normas jurídicas que somente podem ser alteradas observando-se certas prescrições especiais" (SILVA, 1998, p. 31).

Para José Joaquim Gomes Ca-notilho, deste posicionamento hierárquico superior da constituição decorre a vinculação do legislador. Esta vinculação tem como implicação a indispensabilidade das leis, e demais normas, serem feitas pelo órgão, terem a forma e seguirem o procedimento exatamente nos termos fixados pela Constituição Federal. Sob o ponto de vista orgânico, formal e procedimental as leis não podem contrariar o princípio da constitucionalidade, devendo-lhe obediência. A constituição é um parâmetro material intrínseco de todos os atos legislativos, motivo pelo qual só serão válidas as leis materialmente conformes com a constituição. A supremacia da constituição manifesta-se na proibição de leis de alteração constitucional, salvo as leis de revisão elaboradas nos termos previstos pela própria constituição (Canotilho, 2003, p. 246).

Considerando a supremacia constitucional, bem como sua posição hierarquicamente superior às demais normas jurídicas dentro do ordenamento jurídico, o controle de constitucionalidade surge como um mecanismo de proteção, com o fim de verificar a adequação, a compatibilidade de uma lei ou um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais (Moraes, 2002, p. 579).

2.1. Considerações sobre o controle de constitucionalidade concentrado e difuso

O controle de constitucionalidade repressivo jurisdicional, no ordenamento jurídico pátrio, opera-se de duas maneiras: a) concentrada, direta ou abstrata (via de ação) e b) difusa, indireta ou concreta (via de exceção) (Mezzomo, 2006, p. 1).

Na via concentrada o controle é exercido por um órgão jurisdicional apenas, o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição Federal (art. 102, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), e as questões de inconstitucionalida-de são levantadas a título principal, mediante processo constitucional autônomo.

O termo abstrato refere-se ao fato de que o controle de constitucionalidade analisa a norma jurídica, questões objetivas e não litígios e casos subjetivos.

A Carta Federal de 1988 contempla como espécies para exercer o controle concentrado a via de ação direta de inconstitucionalidade por ação (art. 102, I, a, da CF); via de ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, infine, da CF); ação direta interventiva (da União nos estados - art. 36, III, da CF); arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § Io, da CF); e ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103 § 2o, da CF) (Palu, 2001, p. 156-157).

Uma característica dos efeitos das decisões em sede de controle concentrado diz respeito a vincular e atingir a todos (erga omnes). No que tange ao momento em que se reconhece a inconstitucionalidade, a regra, segundo Hely Lopes Mei-relles, continua sendo a aplicação do efeito ex tunc, retroagindo os efeitos da declaração de inconstitucionalidade até o nascimento da lei declarada inconstitucional (Meirel-les, 2006, p. 420). Porém, o art. 27 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, admite exceções, hipóteses em que é possível o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da decisão para momento diferente do "nascimento" da lei.

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O controle difuso pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal para apreciar, em um caso concreto, a constitucionalidade da norma (Moraes, 2002, p. 587-588). Segundo Oswaldo Luiz Palu, o controle difuso pode ser acionado por qualquer pessoa, parte ou interveniente em processo judicial, em qualquer tipo de ação, em qualquer grau de jurisdição, em que se discuta qualquer tipo de questão. A eficácia da decisão neste sistema é restrito às partes, em princípio (Palu, 2001, p. 157).

A norma é atacada concreta-mente, e a declaração de inconstitu-cionalidade produzirá efeitos inter partes e ex tunc. Porém, de acordo com o art. 52, inc. X, da Constituição Federal de 1988, referidos efeitos podem ser estendidos, mediante autorização do Senado Federal.

O termo concreto refere-se ao fato de que o órgão do Judiciário, no momento de analisar a coerência da norma jurídica infraconstitucio-nal com a Constituição, apreciará, juntamente com o litígio, um caso concreto.

Esclarecedor o paralelo feito por Marcelo Colombelli Mezzomo para se perceber as principais diferenças entre o controle de constitucionalidade concentrado/abstrato e o difuso/concreto:

"No caso do controle difuso ou concreto, há o caráter incidental da discussão da constitucionalidade à vista de uma demanda que visa...

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