Notas sobre o direito penal do inimigo

AutorAntonio Carlos Santoro Filho
CargoJuiz de Direito em São Paulo vcjeacsf@uol.com.br
Páginas5-6

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O princípio da dignidade humana, ao informar todo o sistema punitivo, exige, para a sua concreção, não exclusivamente o afastamento de qualquer sanção cruel ou degradante - expressamente discriminadas e repelidas pela Constituição Federal -, mas, ainda, que o indivíduo seja tratado como ser humano. E, para tanto, a pena imposta deve garantir-lhe o exercício, mesmo que não de forma plena, de seus direitos fundamentais, ser proporcional ao ato praticado - de forma a observar o valor justiça - e respeitar a pessoa humana como ser único e insubstituível em sua racionalidade, portador de características essenciais que o diferenciam dos demais.

Todas as penas e tratamentos indignos estão definitivamente proscritos de nosso ordenamento jurídico, pois a sua vedação está inserida entre os direitos e garantias individuais, que, nos termos do artigo 60, § A-, inciso IV, da Constituição Federal, não estão sujeitos a proposta de emenda tendente à sua abolição. Emenda nesse sentido, como dispõe o citado dispositivo constitucional, não será objeto de deliberação.

Assim, por atingir o núcleo irreformável da Constituição, qualquer proposta de emenda que tenha por fim adotar, por exemplo, a pena de morte ou de prisão perpétua, não poderá ser objeto de votação pelo Congresso Nacional, e, se o for, estará eivada de nulidade por ultrapassar os limites concedidos ao poder constituinte derivado.

O mesmo fundamento embasa, entre nós, a impossibilidade de instituição de um "direito penal do inimigo", contraposto ao "direito penal do cidadão", no qual os direitos e garantias fundamentais - e a própria característica de pessoa - poderiam ser afastados.

Günther Jakobs, o principal defensor deste "novo" direito penal, sustenta que aquele que se afasta de forma permanente do Direito, que assume posiçãode confronto contínuo ao sistema normativo, não pode usufruir a condição de cidadão e da característica de pessoa, devendo ser objeto de um procedimento de guerra, em suma, do tratamento dispensado ao inimigo do Estado, embora sob a égide da ordem jurídica instituída para tal fim1.

Trata-se o direito penal do inimigo, a nosso ver, de verdadeiro - e inadmissível - sofisma2, pois ao "conceituar" alguns - ou determinado grupo de - delinquentes como "inimigos" (sem especificar quais seriam os pressupostos de tal caracterização), retirando-lhes a condição de pessoas, pretende afastar as garantias e direitos que formatam o Estado democrático de Direito, sem o ônus...

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