A nova Lei brasileira sobre propriedade industrial

AutorEduardo Grebler
Páginas100-119

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Introdução

A matéria de propriedade industrial passou, nos últimos anos, por profundas modificações legislativas no Brasil. Emergindo de um período de forte nacionalismo, durante o qual chegou a ser incluída no conceito de soberania nacional, o tratamento da propriedade industrial foi modernizado por novas leis, moldadas na experiência internacional sobre o tema.

Desde o início da década de 90, discutiu-se intensamente nos meios governamental, empresarial e académico sobre a necessidade de uma nova legislação sobre a propriedade industrial, compatível com o momento que o país passou a viver ao se abrir para o livre comércio mundial. Contudo, somente em 1996 surgiu esta nova legislação no Brasil, através da Lei de Propriedade Industrial (LPI),1 que, após longa e conflituosa tramitação no Congresso Nacional, substituiu o então denominado Código de Propriedade Industrial.2

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À nova legislação sobre propriedade industrial de 1996 seguiram-se outras iniciativas no campo da propriedade intelectual, editando-se em 1997 a Lei de Cultivares,3 que possibilitou proteção à propriedade intelectual sobre a reprodução comercial de variedades vegetais superiores desenvolvidas através de gerações sucessivas; ao início de 1998, foi editada nova Lei do Software,4 sanando imperfeições e preenchendo lacunas da legislação de 1987, bem como uma nova legislação sobre direitos autorais.5

O fato de que o legislador brasileiro tenha, nos últimos anos, promovido reforma de envergadura no direito de propriedade intelectual do país deveu-se não somente à obsolescência da legislação então vigente - ensejadora de críticas da comunidade internacional sobre o baixo grau de proteção que o Brasil concedia à propriedade imaterial -, mas também à especial relevância do tema, em âmbito mundial, a partir da celebração do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, do qual faz parte integrante o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Acordo TRIPs),6 ao qual, obrigatoriamente, aderiram os países integrantes da OMC.

A modernização normativa, impulsionada pelo Executivo Federal e promovida pelo Congresso Nacional - a quem compete legislar sobre o assunto - visou, pois, a atender aos compromissos internacionais do Brasil e, ao mesmo tempo, colocar o país no patamar em que já se encontravam os principais atores do comércio mundial.

Este é o pano de fundo da nova Lei de Propriedade Industrial brasileira, cujas características mais marcantes serão a seguir apresentadas, de forma sucinta, visando a uma percepção abrangente deste tema.

A nova lei de propriedade industrial

Desde a Constituição de 1824 o direito de propriedade sobre as invenções foi reconhecido pelo ordenamento constitucional brasileiro, ao dispor que "Os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização".7 Assimilando a noção, já então consagrada pela Constituição americana, de que a criação do espírito constituía bem apropriável, o direito brasileiro passou a atribuir-lhe foros de propriedade,8 com predicados morais e patrimoniais, dotando-o de exclusividade.9

A Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial,10 celebrada em 1883, identificou a expressão "propriedade industrial" como espécie do género "propriedade intelectual",11 termo este que passou, desde então, a ter significado mais ou menos uniforme em âmbito mundial, abrangendo "os privilégios de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominação de origem,

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bem como a repressão da concorrência desleal".12

Conceito de propriedade industrial

No direito positivo brasileiro, a propriedade industrial situa-se na categoria da propriedade intelectual, ao lado do direito de autor - e, mais recentemente, do direito à nova cultivar - como bem jurídico passível de proteção, de natureza essencialmente mercantil, por servir à produção e comercialização de mercadorias.

Acompanhando a tradição, a LPI dispensou-se de definir o conteúdo do termo "propriedade industrial", limitando-se a elencar os direitos a ele relativos - a invenção e o modelo de utilidade patenteados, a marca e o desenho industrial registrados. Além destes direitos, de conteúdo positivo, a LPI cuidou também da repressão das condutas de conteúdo negativo, quais sejam, a falsa indicação geográfica e a concorrência desleal, cobrindo assim as demais matérias contempladas na Convenção de Paris - exceção feita à proteção do nome comercial, que, no Brasil, é outorgada pela legislação de registro de comércio.

O rol de direitos de propriedade industrial contemplados na LPI não apresenta grande inovação em relação ao antigo Código de Propriedade Industrial. Além de alterações de terminologia e na taxonomia, nota-se a eliminação da proteção antes concedida pelo Código à "expressão ou sinal de propaganda", que deixou agora de existir.13

Também no que respeita ao campo de aplicação, a LPI reproduziu, embora com outra linguagem, parte das normas do antigo Código, considerando aplicáveis suas disposições ao pedido de patente ou de registro proveniente do exterior e depositado no Brasil, que tenha proteção assegurada por tratado ou convenção em vigor no país.

A LPI estendeu a aplicabilidade de suas normas também a nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure reciprocidade de direitos a brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil.

Patentes

A LPI outorga direito a patente ao autor de invenção e de modelo de utilidade, com a qual seu titular tem garantida a respectiva propriedade. Não mais se cogita de patente de modelo industrial - categoria que o antigo Código identificava como sendo "a forma plástica que possa servir de tipo de fabricação de um produto industrial e ainda se caracterize por nova configuração ornamental". A patente de desenho industrial, prevista na legislação anterior, passou na LPI à categoria de direito registrá-vel.14

Conceito de invenção e modelo de utilidade

O termo invenção não é definido na LPI, nem tampouco nos textos normativos internacionais anteriores ao Acordo TRIPs. Entretanto, seu sentido se depreende do conteúdo exigido para que a invenção seja patenteável: a concomitante presença de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Novidade é tudo aquilo que não esteja compreendido no estado da técnica - isto é, que já fosse acessível ao público, no Brasil ou no exterior, antes do pedido de patente; atividade inventiva é o atributo que, aos olhos de um técnico no assunto, permite concluir que a ideia não decorre, de maneira evidente ou óbvia, do estado da técnica; aplicação industrial, por sua vez, traduz a possibilidade de utilização ou produção em qualquer tipo de indústria.1516

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Já o modelo de utilidade tem conceito específico na LPI, que o define como "o objeto de uso prático, ou parte deste, sus-cetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação".17 Isto é, o objeto ou parte dele que, embora não sendo uma invenção por inteiro, seja dotado de ato inventivo, como tal entendida a qualidade que permita a um técnico reconhecer que não decorre, de maneira comum ou vulgar, do estado da técnica.18

Patenteabiliãade

O aspecto em que a LPI mais inovou em relação ao antigo Código está nas exce-ções ao que se considera como invenção ou modelo de utilidade. Na sistemática do antigo Código, consideravam-se como invenções não privilegiáveis, entre outras, as substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos, bem como as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêu-ticos e medicamentos de qualquer espécie e os respectivos processos de obtenção ou modificação.19

Na LPI, já não se impede a concessão de patente às criações acima mencionadas, mas nela também se encontra uma lista daquilo que não é patenteável (o que for contrário à moral, aos bons costumes e...

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