Nova Competência da Justiça do Trabalho e Regras Processuais

AutorJúlio César Bebber
CargoJuiz do Trabalho titular da 2a. Vara do Trabalho de Campo Grande/MS e professor de Direito Processual do Trabalho da Escola da Magistratura do Trabalho de Mato Grosso do Sul.
Páginas5-12

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1. Considerações preliminares

O alargamento da competência da Justiça do

Trabalho em face da nova redação dada ao art. 114 da CF pela EC n. 45 suscita o debate acerca das regras processuais aplicáveis às causas não-trabalhistas em sentido estrito.

Eis aí, portanto, o interesse na discussão do tema, para o qual passo a expender minhas primeiras impressões, sem qualquer pretensão de emitir juízo de valor absoluto.

2. Escopo objetivo da ampliação da competência

Antes de adentrar especificamente no tema, penso ser fundamental definir o escopo objetivo da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, pois o considero a pedra de toque para análise desse novo momento histórico.

Dizer (como já ouvi) que o alargamento da competência da Justiça do Trabalho traduz distribuição de tarefas no Judiciário é pensamento simplista que ignora a inteligência do legislador e menospreza a importância (social e política) da reforma efetivada.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho, em meu sentir, deve-se:

  1. à exigência de acesso do jurisdicionado a uma estrutura judiciária mais ágil e a um processo simplificado;

  2. à necessidade de uma nova postura na solução de certos conflitos, para os quais o juiz do trabalho está vocacionado.

3. Princípios instrumentais de interpretação das normas constitucionais

Como a competência da Justiça do Trabalho possui assento constitucional (art. 114), não podemos deixar de observar alguns princípios instrumentais de interpretação, cuja noção sintética é a seguinte:

a) Princípio da supremacia da constituição

As regras constitucionais se situam em posição hierárquica superior às demais normas do sistema jurídico, de modo que estas não podem existir validamente se incompatíveis com aquelas. A norma constitucional, portanto, seja ela qual for, tem prevalência.

b) Princípio da interpretação conforme a constituição

Se uma norma infraconstitucional possuir mais de uma interpretação, dever-se-á buscar aquela compatível com a constituição A aplicação desse princípio, em regra, permite a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

c) Princípio da unidade da constituição

As normas constitucionais não convivem em desequilíbrio. Ao contrário. Pressupõem equilíbrio e harmonia. Compete ao intérprete, portanto, encontrar o devido equilíbrio entre comandos que tutelam valores ou interesses em confronto.

d) Princípio da proporcionalidade

Cabe ao juiz adotar postura ativa no sentido de impedir que uma determinada norma produza um resultado não desejado pelo sistema. É o que se chama de justiça do caso concreto.

O princípio da proporcionalidade adquire operatividade por meio de subprincípios, que são: I) princípio da adequação e idoneidade. O meio escolhido deve contribuir para a obtenção do resultado pretendido; II) princípio da necessidade ou exigibilidade. Deve-se escolher o meio menos gravoso ao cidadão para alcançar o objetivo pretendido; III) princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Deve haver um equilíbrio na relação meio-fim.

e) Princípio da efetividade das normas constitucionais

Deve prevalecer, no mundo dos fatos, os valores e interesses tutelados pela norma constitucional. Desse modo, entre as interpretações possíveis, deve prevalecer aquela que permite a atuação da vontade constitucional, evitando-se soluções que se refugiem na alegação de programaticidade.

4. Processamento das causas não-trabalhistas

Se um dos escopos do alargamento da competência da Justiça do Trabalho é a de proporcionar ao jurisdicionado uma estrutura judiciária mais ágil e um processo simplificado (supra, n. 2), outra não pode ser minha assertiva senão a de que às causas submetidas à Justiça do Trabalho, independentemente da natureza jurídica material litigiosa, aplicam-se as regras do processo do trabalho, salvo quanto as causas de procedimento especial.

Não faz o menor sentido transferir à Justiça do Trabalho a solução de certas causas para que a elas sejam aplicadas as mesmas regras processuais que as regiam. Isso representaria o fim da especialização da Justiça do Trabalho, uma vez que é exatamente no sistema processual que reside essa especialização.

O novo modelo constitucional não merece ser visto de modo simplista. Não podemos interpretar a profunda e importante transformação trazida com a EC n. 45 como mera mudança - mudou por mudar. O alargamento da competência da Justiça do Trabalho representa muito mais que isso. Representa o progresso, a modernidade e o desejo de algo novo: uma nova estrutura, um novo processo e uma nova postura na solução de causas antes submetidas à Justiça Comum.

Nas causas de competência da Justiça do Trabalho, portanto - salvo quanto às de procedimento especial -, devem-se observar todos os princípios, peculiaridades e técnicas do processo do trabalho, entre os quais destaco:

a) Jus postulandi

Sempre sustentei que o jus postulandi não mais persiste no ordenamento processual trabalhista1. Esse, porém, não é o entendimento que prevalece. O STF, na ADI n. 1127-8, esclareceu que a postulação na Justiça do Trabalho não é privativa de advogado (Lei n. 8.906/1994, art. 1º).

Admitida, então, a postulação pessoal, cumpre assinalar não ser ela restrita ao primeiro grau de jurisdição. Abrange todas as fases recursais, exceto a do recurso extraordinário, por exorbitar da jurisdição trabalhista.

Dessa prerrogativa, portanto, passam a gozar todos os jurisdicionados, independentemente do direito material litigioso. Tal assertiva poderia ser objetada com a literalidade do art. 791 da CLT, que faz referência a empregados e empregadores.2 Essa visão, entretanto, é equivocada. Se o novo momento histórico remete à Justiça do Trabalho outras causas que não apenas as trabalhistas em sentido estrito, referida circunstância impõe nova interpretação das normas jurídicas existentes. É indispensável, por isso, que o intérprete da lei esteja aberto e atento ao novo momento, o que proporciona nova postura diante da nova realidade.

b) Procedimento

Os procedimentos previstos e adotados no processo do trabalho devem reger, também, as ações agora submetidas à jurisdição trabalhista. Desse modo, se o valor atribuído à causa for:

I) de até 2 (dois) salários mínimos, o procedimento a ser adotado é o previsto na Lei n. 5.584/19703;

II) superior a 2 (dois) e inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, o procedimento a ser adotado é o sumariíssimo (CLT, art. 852-A);

III) superior a 40 (quarenta) salários mínimos, o procedimento a ser adotado é o ordinário (CLT, art. 852-A).

As ações não sujeitas ao procedimento comum, ou seja, aquelas que possuem legislação específica devem tramitar de acordo com o regramento especial que lhes é destinado, como é o caso, entre outras, das ações de mandado de segurança (Lei n. 1.533/1951) e monitória (CPC, arts. 1.102-A a 1.102-C).

Algumas observações, entretanto, devem ser feitas à assertiva acima:

I) Ação de consignação em pagamento. A ação de consignação em pagamento, que é ação de rito especial (CPC, arts. 890 a 900), tem sido adaptada aos procedimentos trabalhistas4 diante da finalidade conciliatória e da quase sempre presente reconvenção (admitida pela jurisprudência majoritária)5.

II) Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (CF, art. 114, inc. VII)

As ações que derivam da imposição de penalidades administrativas são, em regra, o mandado de segurança, a ação declaratória de nulidade e a ação de execução

A discussão que toma contornos relevantes nesse momento diz respeito à ação de execução. A ação de segurança, como ressaltado anteriormente, estará sujeita à tramitação segundo legislação especial e a ação declaratória de nulidade submeter-se-á ao rito processual trabalhista comum (não obstante a impossibilidade de obtenção de conciliação).

Imposta penalidade administrativa, constituído o crédito e expedida a certidão da dívida ativa, valia-se a Fazenda Pública do processo de execução para a cobrança do crédito na forma da LEF (Lei de Execução Fiscal). Repassada, então, essa competência para a Justiça do Trabalho, persiste o processamento executivo segundo as regras processuais especiais da Lei n. 6.830/1980?

Penso que não. Como dito diversas vezes, não se pode imaginar que a transferência de competência ordenada pela EC n. 45 teve por escopo mera distribuição de tarefas. O objetivo certamente não foi esse. É da incumbência do intérprete, portanto, dar à transformação ocorrida o seu real valor (nova estrutura, novo processo e nova postura...

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