Execução: sugestões para nova reforma

AutorDesirê Bauermann
CargoMestre em direito processual pela UERJ, Doutoranda em direito processual pela UFMG, Advogada.
Páginas702-731

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1. Introdução

Vivemos uma época de intensas reformas no Código de Processo Civil, todas tendentes a abreviar o tempo do processo, garantir tutela adequada aos direitos e, por conseqüência, proporcionar o alcance da tão aclamada "efetividade do processo". Tais reformas ocorreram tanto em relação à fase de acertamento, quando se reconhece ou não o direito controvertido como devido, como na fase de execução, quando se busca realizar na prática o direito já definido.

Embora os esforços já empreendidos com o fito de encontrar solução para a lentidão e ineficiência do processo para resolução adequada dos conflitos surgidos na sociedade, cujo sucesso na prática forense tem se mostrado duvidoso, necessário ainda o aprimoramento das regras vigentes em nosso ordenamento que não se mostram aptas a propiciar o alcance de um processo efetivo.

Como exemplo apontamos a ampla reforma realizada no Código de Processo Civil quanto à forma como se executa os julgados que determinam pagamento de quantia certa. Embora tenham sido alterados inúmeros dispositivos que impediam o desenvolvimento adequado da fase executiva, como a exigência de propositura de nova ação para executar títulos executivos judiciais, mantiveram-se regras que claramente não atendem ao objetivo de se obter o efetivo cumprimento dos títulos executivos que encerram obrigação de pagar no menor espaço de tempo possível, principalmente regras referentes à penhora de bens e sua realização, que deverão ser revistas para darmos continuidade à busca de um processo de resultados. Page 703

Diante disso, necessária a análise da reforma já implementada na execução pelas leis 11.232/05 e 11.382/06, a fim de primeiro reconhecer as alterações benéficas já operadas em nossa legislação e após, detectando as falhas ainda existentes, propor alterações legislativas que possam ter o condão de melhorar o sistema.

2. Da forma de realização das reformas

Certo é que todos os que freqüentam o foro (seja na qualidade de partes, advogados, servidores, juízes, entre outros) têm suas impressões sobre os "vilões" do processo, ou seja, institutos processuais e práticas ou responsáveis pela demora do processo, ou que representam a inadequação da prestação jurisdicional.

Alguns apontam o excesso de recursos; outros indicam como responsáveis pela excessiva lentidão os intervalos nos quais o processo não tem andamento por aguardar decisão, esperar publicação de atos no diário oficial, aguardar o cumprimento de alguma diligência, estar em trânsito para julgamento de recurso, entre outros. Há também os que afirmam serem responsáveis pelas mazelas do processo as falhas da fase executiva, cujas regras não estão de acordo com o objetivo que se pretende alcançar nesse momento processual, qual seja a satisfação do credor através do cumprimento da obrigação no menor prazo possível. A lista aqui esboçada por óbvio é meramente exemplificativa, visto que muitas outras reclamações são dirigidas ao processo brasileiro.

As reformas realizadas na lei processual brasileira tiveram por base tais impressões. Por exemplo: limitaram-se as hipóteses de cabimento de certos recursos e adotou-se a súmula vinculante por haver uma impressão geral por parte da comunidade jurídica no sentido de ser excessivo o número de recursos na legislação processual; alterou-se a sistemática de execução, principalmente dos títulos executivos judiciais, por todos os envolvidos no processo sentirem na prática os problemas dessa fase processual, entre tantos outros. Page 704

Nunca houve, no Brasil, a realização de um diagnóstico prévio e seguro, baseado em dados estatísticos, de quais exatamente eram e ainda continuam sendo os pontos de estrangulamento do nosso processo, nem das causas desses problemas, para a partir disso serem propostas e realizadas as alterações legislativas. Reforma-se a legislação, portanto, sem que seja possível saber exatamente se as alterações atacam os pontos realmente problemáticos, e sem que seja possível afirmar com segurança que os caminhos que estão sendo trilhados irão conduzir a um processo mais célere e com maior aptidão para tutelar na prática os direitos reconhecidos como devidos por decisão judicial 1.

Embora tal prática seja recorrente, temos que as reformas não podem prescindir de dados estatísticos. Primeiro, para que se ataque exatamente os problemas existentes na realidade. Segundo, porque os dados estatísticos são imprescindíveis para "legitimar" as reformas. Isso, porque ao se identificar claramente quais os grandes responsáveis pela marcha processual não se desenvolver a contento, e também os institutos que funcionam bem, se possibilita a realização de reformas que a priori parecem ousadas, mas que são imprescindíveis para que o processo atinja seu fim de tutelar direitos e promover a pacificação social.

Exemplo de reforma processual bem sucedida ocorreu na Espanha, cujo judiciário até meados do ano 2000 vivia situação caótica, com completa descrença da população no seu funcionamento e imparcialidade 2. Para reverter essa situação negativa que cercava o Judiciário, determinou o Conselho Geral do Poder Judiciário espanhol a realização de ampla pesquisa sobre o Judiciário como um todo, através da qual foram colhidos dados estatísticos sobre o processo e, com base neles, foram determinadas as mudanças a serem realizadas 3.

A colheita desses dados possibilitou, por exemplo, a alteração da legislação processual para permitir que a execução provisória fosse realizada sem necessidade de Page 705 prestação de caução pelo credor, ante a constatação de que a maioria das sentenças proferidas pelo juízo de 1º grau era mantida em sede de apelação. Nesse sentido o magistério de Virgínia Pardo Iranzo, senão vejamos:

Evidentemente la no necesidad de caución comporta, como peligro principal, que el ejecutante no pueda devolver, en caso de revocación de la sentencia, lo recibido. A pesar del peligro, el legislador se decanta por esta solución para evitar, tal y como señala en su preámbulo la ley, varios riesgos: en primer lugar, evitar que sólo tengan acceso a la ejecución provisional quienes dispongan de recursos económicos líquidos suficientes. Se evita, en segundo lugar, la demora del acreedor en ver satisfecho su derecho y, finalmente, se cierra la posibilidad de que el deudor disponga del tiempo necesario para preparar su insolvencia. Se trata, por otro lado, de una decisión política posibilitada porque las estadísticas indican que en la mayoría de los casos las sentencias de 1ª instancia no se revocan. Si, por ejemplo, el 80% de las sentencias de 1ª instancia se revocaran no sería políticamente correcto permitir la ejecución provisional sin caución 4 (grifamos).

Também os dados estatísticos levaram à permissão da penhora de parte dos salários percebidos pelos devedores, ante a certeza de que nas execuções cuja penhora recaía sobre dinheiro o percentual de sucesso na obtenção do pagamento do crédito era enorme se comparado com execuções garantidas por outros bens. E, ante a verificação segura de que o leilão judicial era uma péssima forma de realização de bens, reformou-se a lei para permitir o uso de novas formas de venda dos bens penhorados.

Além da apuração e análise de dados estatísticos, para que as reformas processuais sejam bem sucedidas necessário haver treinamento do pessoal encarregado dos serviços judiciários, em todos os níveis, para que as reformas sejam efetivamente conhecidas por todos e adequadamente aplicadas. Reformar sem pensar na reforma dos agentes que operarão as novas leis "chega a ser uma utopia, para não dizer uma temeridade", nas palavras de Humberto Theodoro Júnior 5. Page 706

Ademais, imprescindível seja oferecida infra-estrutura adequada para que as reformas possam ser implementadas. De nada adianta, por exemplo, haver lei regulando o processo digital, se a Comarca não dispõe de computadores e acesso à internet para tanto.

Esse problema foi verificado em Portugal, que promoveu inovadora reforma da fase executiva, todavia não colheu bons resultados, principalmente em decorrência da falta de infra-estrutura e preparo de pessoal para dar cumprimento à nova legislação. O próprio Secretário de Estado da Justiça português, discursando perante a Assembléia da República para defender proposta de nova alteração no Código de Processo Civil daquele país 6, admitiu claramente que "tão importante como uma boa legislação são as condições necessárias à sua aplicação", e concluiu, ante o caso por eles verificado, que as grandes reformas legislativas de nada adiantam para resolver os problemas da Justiça se não forem acompanhadas das condições necessárias à sua aplicação.

E, afirmando que quando reformas legislativas são promovidas necessário sejam também reformados os procedimentos, preparados os aplicadores da lei, bem como promovida a organização necessária para que tais reformas sejam recebidas, credita tanto a necessidade de nova reforma da legislação portuguesa como o insucesso da anterior justamente à falta de preenchimento desses requisitos, garantidores do seu sucesso na prática.

Retornando à realidade brasileira...

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